Parceria de sucesso entre universidade e iniciativa privada

Jornal GGN – Unicamp, UFRJ e Chalmers Univesity (da Suécia) estão se aliando a empresa privadas para integrar a indústria de celulose às refinarias capazes de transformar a biomassa em produtos químicos. O projeto é coordenado pelo instituto sueco Innventia.

Criação coletiva

Por Bruno de Pierro

Da Revista Pesquisa FAPESP

Empresas brasileiras dividem riscos e custos com parceiros múltiplos em projetos de pesquisa e desenvolvimento

Diante do desafio de transformar resíduos florestais em novos compostos químicos, como etanol e polímeros, instituições de pesquisa do Brasil e da Suécia e empresas do setor de papel e celulose perceberam que as chances de sucesso seriam potencializadas caso compartilhassem experiências e tecnologias numa ampla plataforma de pesquisa. Foi assim que, em junho de 2013, companhias como AkzoNobel, Fibria, Novozymes e Sekab, em conjunto com universidades como a Estadual de Campinas (Unicamp), a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Chalmers University, da Suécia, lançaram um programa que busca integrar a indústria de celulose com as biorrefinarias, que são usinas capazes de transformar biomassa em diversos produtos químicos.

Batizado de Polynol, o projeto é coordenado pelo instituto sueco Innventia, conhecido por liderar projetos articulando indústria, universidades e centros de pesquisa na Europa. “Há muitos parceiros da indústria e centros de pesquisa que trabalham em conjunto numa cadeia de valor, compartilhando abertamente resultados de pesquisa com o propósito de reduzir o tempo de implementação dos projetos”, explica Niklas Berglin, diretor adjunto da área de negócios de biorrefinaria do Innventia.

Iniciativas semelhantes ganharam impulso no Brasil e no mundo a partir da última década com a disseminação do conceito de inovação aberta. O termo apareceu pela primeira vez em 2003, no livro Open innovation, do americano Henry Chesbrough, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, para definir uma prática que surgiu em meados dos anos 1990, com o estabelecimento de parcerias entre departamentos de pesquisa de empresas. Em comparação com o modelo tradicional, no qual predomina o sigilo empresarial, a inovação aberta busca distribuir o processo de inovação numa rede externa de parceiros, onde há lugar para universidades, parceiros próximos ou de outros países, fornecedores e até mesmo concorrentes e clientes, cada qual ajudando de acordo com sua expertise. Em seus livros, Chesbrough mostra que, até meados dos anos 1990, as empresas buscavam fazer tudo por conta própria, como se pudessem inovar de forma autossuficiente (ver infográfico). Aos poucos, as companhias perceberam que poderiam aproveitar melhor as ideias vindas de fora, trazidas por universidades e outras empresas. “Elas viram que dessa forma poderiam reduzir custos e também ter mais tempo para se dedicar à sua especialidade, além de poder dividir riscos”, diz Bruno Rondani, fundador da Wenovate, associação dedicada a incentivar e promover projetos de inovação. Isso não significa que tudo seja compartilhado. As empresas abrem seus processos de inovação para captar e oferecer novos conhecimentos, mas os fecham quando desejam se apropriar de algo. Algumas empresas, por exemplo, só licenciam tecnologias depois que seus produtos estão há um tempo no mercado.

Nas últimas duas décadas, várias multinacionais, como IBM, Xerox, P&G e Philips, passaram a envolver clientes, fornecedores, pesquisadores e outras empresas em seus processos de inovação, tornando-se referência para que outras companhias apostassem na inovação aberta. De acordo com um estudo publicado em 2012 pelo instituto norte-americano Forrester Research, 77% das maiores empresas do mundo adotam o modelo como principal estratégia de inovação. A pesquisa, que ouviu dirigentes de mais de 220 empresas localizadas nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, mostra que a maioria (81%) das iniciativas de inovação aberta acontece na forma de redes de colaboração.

No caso do projeto Polynol, o laboratório da multinacional Novozymes, em Curitiba, foi escolhido para avaliar as possibilidades de extração de açúcares de diferentes tipos de biomassa, entre eles galhos e folhas, num processo conhecido como hidrólise enzimática. Já o centro de tecnologia da brasileira Fibria, em Jacareí (SP), está debruçado sobre a logística e os custos de produção das novas matérias-primas. “Dessa forma, podemos ter uma visão do todo e fazer análises mais completas dos problemas”, diz Paulo César Pavan, presidente do comitê do projeto no Brasil e gerente de processo e produto do Centro de Tecnologia da Fibria.

Segundo Rondani, uma tendência que aos poucos ganha impulso é a interação entre grandes companhias e empresas nascentes de base tecnológica, também chamadas de startups. Um estudo realizado em 2012 pela Flanders DC, uma fundação de apoio à inovação ligada ao governo da Bélgica, sugere que grandes companhias deveriam interagir mais com pequenas e médias empresas. Segundo a pesquisa, que analisou casos na Europa, as grandes companhias ainda preferem colaborar com universidades e outras empresas maiores, deixando de colaborar com as menores, que dependem desse tipo de iniciativa para sobreviver no mercado. Rondani reconhece que a interação com empresas menores e startups ainda é uma faceta recente da inovação aberta, especialmente no Brasil. “Muitas empresas nascentes têm a competência necessária para ajudar grandes firmas a solucionar um problema”, diz ele.

No Brasil, programas criados por grandes companhias com o objetivo de absorver tecnologias e conhecimento gerados em outras empresas começam a ganhar força. Um deles é o Wayra, programa de aceleração de startups da Telefônica. A iniciativa começou em 2012 e já selecionou mais de 30 empresas, que durante 10 meses se tornam sócias da Telefônica e dividem o mesmo espaço num prédio na cidade de São Paulo.  Lá, os donos das startups têm contato direto com executivos da empresa, que prestam consultoria nas áreas de negócios e marketing. Boa parte das startups escolhidas pela Telefônica atua no desenvolvimento de aplicativos e softwares, um mercado em ascensão no mundo.

De acordo com Carlos Pessoa, diretor da Wayra, a Telefônica se beneficia de duas formas. “A longo prazo, investindo em startups com potencial tecnológico inovador, a empresa pode ter um retorno econômico considerável”, diz ele. No curto prazo, a Telefônica pretende se aproximar de novos negócios e se diversificar no mercado com tecnologias e serviços que nunca fizeram parte do portfólio da empresa. “Além disso, as startups podem oferecer produtos e serviços preferencialmente para uso interno na Telefônica antes de atender a outros clientes”, diz Pessoa.

Uma das empresas instaladas na Wayra é a Proradis, criada em 2013 por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Especializada no desenvolvimento de softwares para diagnóstico médico, a empresa aprimorou, dentro do programa, uma ferramenta baseada na computação em nuvem, que organiza e armazena dados de exames clínicos na internet que podem ser acessados simultaneamente de diferentes lugares. “Dentro da Wayra, tivemos contato com o cotidiano de uma grande empresa, o que nos colocou a par de novas ferramentas administrativas e de uma maior rede de clientes e investidores”, diz Haissan Molaib, um dos sócios da Proradis. Outra startup selecionada pela Wayra é a BovControl, que desenvolve softwares para ajudar o produtor de gado a gerenciar informações sobre o gado.  “A Telefônica facilita nosso relacionamento com possíveis parceiros ou clientes, promovendo um ambiente favorável para que possamos crescer”, diz Danilo Tertuliano Leão, sócio-fundador da BovControl.

Outra companhia que resolveu atrair startups tecnológicas foi o Bradesco. O banco lançou este ano o InovaBra, um programa de interação entre a inovação fechada e a aberta voltado ao apoio de startups que apresentam soluções aplicáveis à área de serviços financeiros. O programa terá início em 2015. A diferença em relação à iniciativa da Telefônica é que a do Bradesco recorre à inovação aberta como forma de complementar a inovação feita internamente, como o desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar a interação entre o banco e seus clientes, enquanto a Telefônica investe em startups que não necessariamente atuam no setor de telecomunicações. “Estamos pensando no nosso horizonte estratégico para os próximos 10 anos”, diz Fernando Moraes de Freitas, gerente-executivo do departamento econômico do Bradesco e coordenador do InovaBra.

Novas iniciativas desse tipo também vêm sendo criadas por empresas brasileiras que já têm familiaridade com o conceito de inovação aberta. Uma delas é a Braskem, que desde quando foi criada, em 2002, adota o conceito em suas estratégias de inovação. Em junho, a empresa inaugurou um novo laboratório de biotecnologia em Campinas (SP), para pesquisas com novas matérias-primas renováveis. Também mantém centros de tecnologia em Triunfo (RS) e em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Embora invista em laboratórios internos, boa parte dos 270 projetos de inovação atualmente em curso na empresa é desenvolvida de forma aberta com universidades e outras empresas. “Investir numa equipe própria faz com que possamos estabelecer metas e estratégias mais seguras com nossos colaboradores”, explica Patrick Teyssonneyre, diretor do centro de tecnologia da Braskem em Triunfo.

Algumas parcerias firmadas recentemente pela Braskem com startups estrangeiras mostram que um dos méritos da inovação aberta é facilitar a colaboração internacional. Uma delas foi estabelecida em setembro com a norte-americana Amyris e a francesa Michelin para o desenvolvimento de tecnologia voltada à produção de isopreno de fonte renovável, insumo químico utilizado pela indústria de pneus. As três empresas trabalharão unidas para acelerar os estudos bioquímicos que utilizam açúcares oriundos da cana-de-açúcar e de insumos de celulose. A Amyris vai compartilhar com a Braskem os direitos de comercialização da tecnologia do isopreno renovável a ser desenvolvido. Já a Michelin terá direito de preferência não exclusivo no acesso à tecnologia do isopreno verde.

Essa necessidade de articular colaboradores em torno de um projeto não é mero capricho. Sem isso, muitos projetos ambiciosos dificilmente sairiam do papel. Um caso emblemático no mundo é a plataforma Watson, um sistema de computação cognitiva lançado pela IBM em 2011. O computador, ainda em desenvolvimento, interage na linguagem do usuário, com voz, e pode processar grandes quantidades de dados e adquirir conhecimento conforme é usado. Mas, para que isso ocorresse, foi preciso envolver dezenas de universidades e startups, que ajudaram a criar softwares capazes de fazer o computador aprender linguagens e vocabulários específicos.

Num futuro breve, o sistema poderá servir como um gerente eletrônico de banco ao indicar os melhores investimentos de acordo com o perfil do cliente. Em hospitais, onde já é utilizado nos Estados Unidos, ele colabora no diagnóstico e tratamento de câncer. “Não podemos subestimar a capacidade das outras empresas. Nossos parceiros e clientes são tão bons quanto nós”, diz o brasileiro Jean Paul Jacob, pesquisador emérito da IBM e professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, onde vive há mais de 40 anos. “Identificando o talento de um fornecedor, podemos resolver um problema mais rápido, sem precisar contratar esse profissional”, diz Jacob.

Buscar em fornecedores possibilidades para se diferenciar no mercado é uma das motivações que levaram a Embraer a anunciar, em maio, uma iniciativa para consolidar a cultura de inovação aberta no setor aeroespacial brasileiro. Em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve-SP), a empresa lançou um fundo de investimento com patrimônio inicial de R$ 131,3 milhões, para apoiar projetos colaborativos envolvendo empresas e startups do setor e a Embraer.

“Se a inovação for promissora, o fundo aporta recursos e apoia a empresa, sendo que a Embraer pode se tornar cliente, incorporando essas inovações em seus produtos, serviços e negócios”, diz Peter Seiffert, responsável pelo setor de planejamento estratégico da Embraer. Para ele, o conhecimento gerado nas universidades precisa ser materializado em novos produtos e serviços. “As ideias precisam sair da academia e ir para o mercado, para que a Embraer, como cliente, possa incorporar tais inovações em seus negócios”, explica Seiffert.

Um exemplo histórico de como a Embraer despertou para a inovação aberta é o desenvolvimento do jato ERJ-145, criado a partir da colaboração com outras quatro empresas. Nos anos 1990, o projeto do avião havia emperrado por questões econômicas e só poderia ser concluído com ajuda externa. Graças às colaborações, o jato foi lançado em 1995 e se tornou um sucesso comercial. A partir daí, outros modelos foram desenvolvidos colaborativamente, sendo que a concepção deles é feita somente pela Embraer.

Mas nem sempre foi assim. Há alguns anos, as criações da Embraer eram protegidas preferencialmente por segredo industrial – modalidade que atendia à necessidade de proteção no desenvolvimento de um produto específico. Com o aumento da competição no setor, as pesquisas ficaram mais complexas, exigindo competências que muitas vezes não eram dominadas pela Embraer. A empresa, então, começou a articular redes de conhecimento, no âmbito da pesquisa pré-competitiva, ou seja, restrita à ciência básica. Nessa etapa, empresas do setor aeroespacial realizam pesquisa em conjunto, com o objetivo, por exemplo, de estudar novos materiais. À medida que o projeto fica próximo de ter aplicação industrial, cada empresa desenvolve internamente o seu produto ou tecnologia, que depois são protegidos por patentes.

Com isso a Embraer passou a registrar cada vez mais patentes em solução de produtos e processos de manufatura no Brasil e no exterior. Por meio do licenciamento de patentes, a empresa consegue ampliar as possibilidades de faturamento. “O modelo de inovação aberta coloca a propriedade intelectual como produto vendável”, explica Henry Suzuki, consultor na área de propriedade intelectual. Como exemplo, Suzuki cita o Instituto Fraunhofer, na Alemanha, criado para atender às necessidades tecnológicas de empresas na Europa. O conhecimento gerado a partir da parceria com uma empresa é licenciado para outras companhias, para resolver problemas em comum.

No Brasil, um dos exemplos que ilustram essa prática é a parceria entre a Petrobras e a Pipeway, empresa brasileira que fabrica e opera ferramentas para inspeção de dutos de óleo e gás, com o objetivo de identificar amassamentos, corrosões e vazamentos. Em 1998, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobras desenvolveram uma nova ferramenta para o gerenciamento de dutos. Até então, o serviço era contratado de empresas estrangeiras, que cobravam caro por ele.

Embora tivesse desenvolvido a tecnologia, a Petrobras não tinha condições de executar, ela própria, o serviço internamente. A empresa resolveu então licenciar a tecnologia que havia sido elaborada com a universidade para os pesquisadores, que em seguida criaram a Pipeway. “A empresa se tornou fornecedora da Petrobras, e além de prestar o serviço também aperfeiçoou novas soluções a partir do projeto inicial”, conta o engenheiro Ivan Janvrot, vice-presidente da Pipeway e pesquisador aposentado do Cenpes.

Hoje, o conceito de inovação aberta está presente em vários projetos de pesquisa executados pela Pipeway. Um deles foi realizado recentemente em parceria com a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com apoio da Finep, para o desenvolvimento de um equipamento que mapeia a trajetória do duto subterrâneo e integra as informações com o Google Earth.

Até a década de 1970, a Petrobras realizou pesquisas em conjunto com empresas, especialmente no desenvolvimento de tecnologias de refino. Com a descoberta de grandes reservas de petróleo na bacia de Campos em águas profundas, nos anos 1980, a companhia passou a intensificar cooperações com outras empresas. A razão disso foi a necessidade de desenvolver tecnologias para operar em águas profundas, já que a bacia tem profundidade de mais de mil metros, e na época não havia oferta de tecnologias comprovadas  para extrair petróleo nessas condições. “A estratégia foi de não desenvolver tudo internamente, e sim estabelecer redes de parcerias nacionais e internacionais”, diz José Paulo Silveira, diretor associado da Macroplan, que presta consultoria em inovação aberta para empresas. Nos anos 1980, ele foi superintendente do Cenpes da Petrobras. No caso do programa de águas profundas da bacia de Campos, foram executados 109 projetos com 61 parceiros nacionais e 42 estrangeiros, ao longo de seis anos. Foram investidos US$ 70 milhões em projetos. “Nessa escala, foi um esforço de inovação aberta pioneira no país”, diz Silveira.

Redação

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