Projeto de lei prevê prisão de docente que falar sobre “ideologia de gênero”

Em todo país, projetos inspirados no movimento Escola Sem Partido propõem “combate a doutrinação política” dentro do ambiente escolar

Por Caio Zinet

Do Centro de Referências em Educação Integral

Atualmente, tramitam no Congresso Nacional ao menos cinco projetos de lei que têm como objetivo interferir diretamente nos conteúdos abordados nas salas de aula, evitando a “doutrinação política e ideológica”. Na esteira dos debates sobre gênero e sexualidade, presentes nas elaborações dos Planos Municipais de Educação, alguns dos projetos também propõem coibir o ensino, nas escolas, daquilo que chamam de “ideologia de gênero”e outras formas de “ameaças à família”.

De acordo com Fernando Penna, professor-adjunto da Faculdade da Educação da Universidade Federal Fluminense, projetos de lei  com esses teores tramitam em assembleias legislativas de pelo menos nove estados da federação e em outros 13 municípios, incluindo capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.

No Congresso, um dos projetos é o 2731/2015, que altera o Plano Nacional de Educação (PNE), vedando a discussão de gênero dentro das escolas. Hoje, o tema não é mencionado entre as metas, mas tampouco existe proibição. De autoria do deputado federal Eros Biondini (PTB-MG) – que também é cantor de música gospel e foi apresentador da TV Canção Nova -, o PL também prevê pena de prisão para os professores que desrespeitarem a determinação.

Eros defende a inclusão do seguinte trecho no artigo 2º do PNE: “É proibida a utilização de qualquer tipo de ideologia na educação nacional, em especial o uso da ideologia de gênero, orientação sexual, identidade de gênero e seus derivados, sob qualquer pretexto”.

Os professores que não atenderem a esse dispositivo estarão sujeitos às mesmas penas previstas no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê prisão de 6 meses a 2 anos para aqueles que submeterem “criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento”.

Outro texto, de autoria do deputadoErivelton Santana (PSC-BA), é o PL 7180/2014, que pretende alterar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), aprovada em 20 de dezembro de 1996. O parlamentar quer mudar o inciso XIII do artigo 3º, para proibir o ensino daquilo que chama de “ideologia de gênero”.

Saiba +Por que a educação deve discutir gênero e sexualidade? Listamos 7 razões.

Erivelton propõe uma alteração que busca assegurar o “respeito às convicções do aluno, de seus pais e responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, [ficando] vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”.

Erivelton, deputado do PSC da Bahia, quer alterar LDB para proibir discussões de gênero nas escolas

Erivelton, deputado do PSC da Bahia, quer alterar LDB para proibir discussões de gênero nas escolas

Os casos citados acima são apenas dois dos projetos de lei que tramitam naCâmara dos Deputados, inspirados pelo movimento Escola Sem Partido, criado em 2004 com o objetivo de combater o que considera um processo de “doutrinação ideológica” dentro das escolas do ensino básico.

Eles partem do pressuposto de que os estudantes são a parte mais vulnerável do processo educacional. Dessa forma, a educação tem que prezar pelo princípio da neutralidade política e ideológica e os professores não podem “doutrinar” os alunos.

Para a professora da Faculdade de Educação da USP, Lisete Arelalo, projetos de lei desse tipo visam intervir e cercear uma das características essenciais da docência: a liberdade de cátedra.

Ela recorda que a Constituição prevê, entre os princípios da educação brasileira, a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas”.

“Por que esta definição é importante? Porque ela traduz o dever e a responsabilidade da professora ministrar suas aulas a partir de suas convicções pedagógicas e da sua visão de mundo. Essas convicções se expressam a todo o momento: a indicação da leitura de um livro ou artigo, a apreciação de uma obra de arte, a discussão dos valores democráticos desenvolvidos nas suas aulas, o respeito aos direitos humanos que o cotidiano escolar expressa e exige”, afirmou a docente.

izalci

Deputado Izalci apresentou projeto de lei diretamente inspirado no movimento Escola Sem Partido

O movimento também defende o direito dos pais a que seus filhos recebam uma educação moral que esteja de acordo com as convicções da família. O projeto 867/2015, de autoria do deputado federal Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF), determina que os professores entreguem aos pais ou responsáveis um material sobre o conteúdo que ministrarão nas aulas.

“São vedadas, em sala de aula, a prática da doutrinação política ideológica, bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos estudantes”, detalha o documento.

Tais princípios previstos no PL orientariam não apenas o conteúdo das aulas, mas se estende aos livros didáticos e paradidáticos, às avaliações para o ingresso no ensino superior, às provas de concurso para entrada na carreira docente e também faz alterações no currículo das instituições de ensino superior.

Projetos estaduais

Propostas inspiradas no Escola Sem Partido também encontram apoiadores nos estados e municípios. Segundo Fernando Penna, o grupo parte da premissa de que os alunos constituem uma “audiência cativa em sala de aula”. “Esta analogia com um cativeiro é levada ao extremo por esse movimento, que chega a falar em Síndrome de Estocolmo – este é o título de umas das seções do site dessa organização – para se referir à relação emocional estabelecida entre os professores e seus alunos”, relata.

“Os professores seriam os agentes de um ‘sequestro intelectual’ dos alunos, que, por sua vez, se apegariam aos seus captores, a ponto de defendê-los, enquanto seus libertadores – no caso o próprio Escola Sem Partido – estariam tentando resgatá-los”, completa o professor da UFF.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo tramita o PL 1301/2015, que prevê que o “poder Público e os professores não se imiscuirão na orientação sexual dos alunos, nem permitirão qualquer prática capaz de comprometer, direcionar ou desviar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, sob a pena de causar dano moral ao educando e à família, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero”.

De autoria do deputado estadual Luiz Fernando Machado (PSDB), o texto também veda a prática de doutrinação política, partidária e ou ideológica e coloca a escola como a responsável por tomar as medidas cabíveis diante de tais casos.

“O estabelecimento de ensino será responsável pelo material didático adotado e, na hipótese de ter conhecimento da ocorrência de doutrinação ideológica em sala de aula, deverá tomar medidas preventivas para manutenção do direito à consciência e liberdade partidária e ideológica dos alunos, sob pena de ser corresponsável pelo dano moral aos alunos e respectivas famílias”.

Leia a entrevista do professor Fernando Penna na íntegra.

Redação

6 Comentários

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  1. Vinde Jesus e leve duma vez

    Vinde Jesus e leve duma vez esses teus fiscais da pureza que nada de útil fazem por nós. Eles estão no lugar errado. Amém!

  2. um politico dessa  natureza

    um politico dessa  natureza so podia  sair com essa.  É muito mais   facil ele  procurar  tirar  direitos  de  cidadaos  que  tem  todo o  direito de  se  esclarecer  e  o  professor  de  esclarecer  tambem  do  que   ter  a coragem  dizer  que  o  que  se  deveria  propior  em  orientaçao de genero sao  as  NOVELAS  onde  as  criaNÇAS  aprendem a  beijar  e  transar  na  cara  dura  pois  os sinais  de tv  invandem as  casas  de milhoes  de  brasileiros  pervertendo  cabeça  de  criança.  e  oi que  se  vê  é  meninas de  11, 12  anos  parindo  por ai. 

    Va  ser  hipocrita  no reio que  o parta  –  o professor  tem o direito de  da  aula de  sociologia  a todos os  seus  alunos  alias  deveria  ser  obrigado  pois  ajuda o  aluno a  pensar.  e  logico  nao cair  nas  armaçoes  de  midias  terroristas

  3. É uma grande palhaçada. As

    É uma grande palhaçada. As propostas são todas inconstitucionais porque fazem exatamente o oposto do que anunciam fazer. Esses porta-vozes do neo-obscurantismo querem reinventar a inquisição. O único objetivo de todos esses projetos é proteger a ideologia dos grupos sociais dominantes eternizando a marginalização das minorias. É no espaço de convívio da escola que se torna possível oxigenar um pouco as mentes dos alunos. Os deputados fundamentalistas não pretendem evitar nenhuma doutrinação e sim impedir a concorrência da escola no processo de doutrinação familiar.

  4. Uma lei deste tipo, aí que haveria discursos velados …

    Uma lei deste tipo, aí que haveria discursos velados sobre qualquer coisa.

    Ir contra a liberdade de cátedra é um absurdo que regride o país ao século XIX (dezenove, tradução de números romanos para os incultos de direita).

    Um professor se quiser fala qualquer coisa numa sala de aula sem falar diretamente esta coisa, tão querendo amordaçar os professores simplesmente porque proletarizaram a profissão e como classe social os professores estão falando de sua própria classe.

    Se quiserem acabar com discursos mais de vanguarda é simples, é só pagar aos professores da rede pública um salário de procurador da justiça que eles começarão a pensar como tal! 

    Por que não fazer isto? A categoria agradeceria!

  5. A concepção de ideologia…

    … desse pessoal (e da maioria) ainda está no tempo de Altusser e Lucács. Deveriam  se informar com Backitin que – para alé do estrito senso, redutizidamente político, concebe ideologia  como sistema de idéias (visão-de-mundo, mundividência), articulada pela reprsentaçao da linguagem. Neste sentido, parece que querem acabar com a comunicacão, impede-se o conhecimento. Ora, é  necessário debate – livre e aberto, sem fechar a questão.

  6. Projeto de Lei contra “Doutrina Subjetiva”

     É importante atentar as palavras do “Projeto de Lei” , leiam atentamente, pois estão fazendo uma interpretação equivocada, talvez por incapacidade de compreessão ou com a inteção de causar oposição.

              O texto prevê sanção para apresentação de “ideologia”, ou seja manifestação e opinião, não proibibe comentários contra opressão as pessoas. O legislador  “TEME” a influência do docentes, por isso sugere a proibição da ideologia, contudo oferecer aos alunos a compreenssão das diferenças que existem entre as pessoas e estimular a tolerância será permitido e sempre estimulado.

              Deve-se sempre ser lembrado que aos “PAIS” cabe o exclusivo ensino de certas “DOUTRINAS”. A família é a base de toda a sociedade, e “cabe a ela e somente a ela”, a apresentação de doutrinas para seus filhos menores.

             VOCÊ NÃO PRECISA CONCORADAR, MAS DEVE RESPEITAR MINHA OPINIÃO, OU VOCÊ TAMBÉM DESEJA ME DOUTRINAR ? 

              

              

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