Reitor desafia Ministério Público e oficializa trem da alegria na UNESP, por João Batista Tavares

Regulamentação vigora desde 1987, e afronta flagrantemente a Constituição Federal que exige, desde 1988, a realização de concurso público para a admissão de Procuradores Jurídicos.

Reitor desafia Ministério Público e oficializa trem da alegria na UNESP

por João Batista Tavares

No último dia 3 de julho, o Conselho Universitário da UNESP reuniu-se virtual e extraordinariamente para discutir a proposta de reorganização da Assessoria Jurídica, cuja regulamentação vigora desde 1987, e que afronta flagrantemente a Constituição Federal que exige, desde 1988, a realização de concurso público para a admissão de Procuradores Jurídicos. Na UNESP, ainda hoje, basta uma simples indicação do Reitor para efetivar a contratação desses agentes públicos.

Esta matéria se encontra em fase de apuração pela Procuradoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, em inquérito civil presidido pelo Promotor de Justiça Dr. Silvio Antonio Marques, sob o número 354/2019. Instada a manifestar-se, a UNESP confirmou a prática, e até mesmo a justificou sob o argumento de que “dentro da sua estrutura criada anteriormente à nova ordem constitucional de 1988, os cargos existentes à época da instituição da Assessoria Jurídica e de sua estruturação, tudo em período anterior à Constituição de 1988 […], permaneceram os mesmos, inclusive em termos quantitativos, sendo os mesmos de livre nomeação e exoneração”.

Diante desse frágil argumento apresentado pela universidade, o Doutor Silvio Antonio Marques, presidente do Inquérito, expediu a seguinte Recomendação ao Reitor da UNESP, Professor Sandro Roberto Valentini para:

  1. a) realizar em até 90 (noventa) dias a adequação de Regulamento Interno da Assessoria Jurídica (Resolução UNESP n. 51/1987), em conformidade com a Constituição Federal de 1988, notadamente ao art. 37, I a V;
  2. b) promover, no prazo máximo de 90 (noventa) dias contados a partir do dia 19.9.2019, a exoneração de todos os Assessores Técnicos-Procuradores comissionados ou que exerçam funções de confiança, excetuando do ocupante do cargo de Procurador-Chefe, por se tratar de função de direção de livre nomeação sob o regime de comissionamento ou de confiança (art. 37, V, da Constituição Federal);
  3. c) providenciar, doravante, nos termos do art. 37, I a V, da Constituição Federal, a nomeação ou contratação de Procuradores autárquicos apenas mediante concurso público; e,
  4. d) informar à Promotoria de Justiça em 20 dias se seria acatada ou não a RECOMENDAÇÃO, evitando a ação civil de improbidade administrativa prevista no art. 11 c.c. art. 12, III, da Lei n. 8.429/1992.

A Recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público por intermédio do qual se expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição. A Recomendação atua, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas (Art. 1º da Resolução nº 164/2019 – CNMP).

Sem que a maioria dos conselheiros tivesse recebido uma cópia da Recomendação do MP, o projeto de Resolução foi aprovado. No entanto, tal projeto foi elaborado pelos próprios integrantes da Assessoria Jurídica da UNESP, numa clara situação de legislar em causa própria; e ele contou com a aprovação do Reitor, que submeteu a matéria ao Conselho Universitário (cuja maioria é leiga em matéria de direito). Ora, não se estranha que a aprovação ocorresse então, mantendo, assim, em exercício os Assessores e Assistentes Jurídicos admitidos sem concurso público, e incorrendo em desobediência à Recomendação, mesmo sob alerta de alguns conselheiros ao Reitor, que lhe informaram que o assunto será levado ao Ministério Público.

Durante a reunião assistiu-se ao uso de artifício tergiversador pela Assessoria Jurídica da UNESP quando esta fundamentou a manutenção do status quo com o argumento que já havia sido repelido pelo MP, de que o Art. 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88 – ADCT, que permitiu aos Estados mantiverem consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, também teria garantido estabilidade àqueles que haviam sido contratados sem o concurso público. Se assim fosse, na lógica da Assessoria Jurídica, isso dispensaria os atuais procuradores jurídicos de realizar o concurso público e lhes permitiria, portanto, se manterem em seus cargos.

Lamentavelmente, ao defender somente interesses próprios, os atuais assessores jurídicos da UNESP não estudaram na integralidade o ADCT, pois caso isso tivesse ocorrido, teriam verificado no art. 18 desse mesmo diploma legal, que o Constituinte estabeleceu:

Art.18/ADCT: “Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo, lavrado a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, que tenha por objeto a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”.

A leitura desse dispositivo permite concluir que os atuais ocupantes dos cargos de Assessores e Assistentes Jurídicos da UNESP estão em situação absolutamente irregular, pois inexiste estabilidade e todos os efeitos jurídicos foram extintos desde a promulgação da Carta da República em 1988, sendo notadamente inconstitucional a Resolução que os mantém em exercício.

Além disso, a Resolução reuniu dois grupos de Agentes Públicos: a) Procuradores de Universidade, que continuariam sendo admitidos em comissão ou confiança e o grupo de Advogados, que seria submetido ao concurso público.

Com essa decisão a UNESP tornou letra-morta a Recomendação do Ministério Público e, adicionalmente, afrontou o princípio da legalidade, uma vez que nos termos da jurisprudência do STF o princípio da autonomia universitária não significa soberania das universidades, devendo essas se submeter às leis e demais atos normativos. [RE 561.398 AGR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 23-6-2009, 2ª T, DJE de 7-8-2009.].

Outro privilégio garantido pela Resolução é a extensão da verba honorária legalmente paga aos integrantes da Procuradoria-Geral do Estado, que atualmente corresponde o valor mensal médio de R$ 25 mil. Importante frisar que a verba honorária dos Procuradores do Estado não é integralmente custeada pelos cofres públicos, pois parcela significativa é proveniente do pagamento de honorários de sucumbência pagos pela parte vencida em juízo nos processos em que o Estado de São Paulo participa. (www.recursoshumanos.sp.gov.br)

Pois bem, sendo a Assessoria Jurídica da UNESP separada constitucionalmente da PGE-SP, entende-se que o mais correto seria atribuir aos seus membros somente o valor da sucumbência correspondente aos processos judiciais em que a Universidade venha a participar e obtenha decisão favorável, justamente em respeito ao princípio da autonomia universitária Os honorários de sucumbência, como se sabe, pertencem à advogada ou ao advogado, quer seja privado, quer público, segundo expressa disposição do Art. 85, parágrafo 19, do Código de Processo Civil.

Por fim, cabe apenas expor o espanto em verificar que uma universidade pública mantida com recursos públicos – que deveria atuar na vanguarda e dar exemplo de obediência às normas constitucionais –, ainda continue proporcionando apoio a alguns poucos que se mantém ilhados, preocupados e defensores de interesses próprios.

Com a palavra, o Doutor Silvio Antonio Marques.

João Batista Tavares – Advogado

Redação

1 Comentário

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  1. “A gente não quer dizer nada”, mas acaba dizendo.
    As Universidades gozam de autonomia administrativa e financeira, justamente para evitar que interesses políticos externos a elas atrapalhem suas funções essenciais.
    Por causa disto, o processo de fiscalização de seus atos acaba atrelado a si. O Ministério Público pode acionar a Universidade, mas ela dá de ombros.
    Mas sejamos justos. Não são todas.
    Usar legislação que afronta a Constituição já foi visto mais de uma vez. A USP, quando se trata de processo disciplinar, usa legislação da época do regime militar.
    Mais ainda quando a festa é em torno de dinheiro. Por exemplo, na USP, cursos de extensão não tiveram suas contas julgadas em tempo certo, mas o setor responsável pela homologação destes cursos é o mesmo que julga as contas. Com uma detalhe: o financeiro da Reitoria não olha o bojo do processo e quem julga a legalidade acadêmica (que gere, na verdade, todo o processo) não olha todo o processo. Conclusão: qual a legalidade de cada prestação de contas feita em atraso de cinco, dez, quinze anos, até mesmo envolvendo fundações?
    Salvo melhor engano, é aí onde eu e o distinto advogado divergimos.
    Justifico. Ele é um defensor de que as Fundações privadas não sejam reguladas pelo Tribunal de Contas do Estado. Os conselheiros são cargos de nomeação e não de carreira. Para atingir a função do Tribunal, ele ataca a estrutura. É o que pude inferir (reitero, salvo melhor engano) a partir se sua página no Facebook e no texto publicado no próprio GGN, como se vê em https://jornalggn.com.br/opiniao/sao-paulo-um-estado-refem-da-ditadura-tecnica-por-joao-batista-tavares/.
    Pessoalmente, estou interessado a quantas anda o caso do Airton Grazzioli, ex-procurador que fiscalizava Fundações na Promotoria Pública e sofreu uma busca e apreensão em sua casa (ver em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/12/17/mp-de-sp-faz-operacao-contra-corrupcao-em-fundacoes-ex-promotor-e-um-dos-alvos.ghtml) e que envolve o Instituto Butantan.
    Se for pra jogar m**** no ventilador, é preciso jogar direito, pra não cair no próprio rosto.

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