Retirada do termo ‘orientação sexual’ da base curricular é retrocesso, avaliam especialistas

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Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil
 
Jornal GGN – O Ministério  da Educação (MEC) retirou, na semana passada, a expressão “orientação sexual” e o conceito de gênero do texto  da Base Nacional Comum Curricular, que determina as linhas gerais dos currículos  dos ensino infantil e fundamental nas escolas brasileiras.
 
Para especialistas, esta ação do ministério é um grande retrocesso. “Trata-se de uma política de emburrecimento. As discussões em torno da categoria de gênero representam um avanço democrático”, diz Margareth Rago, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. 

 
Para Ivany Rodrigues Pino, presidente do Centro de Estudos de Educação e Sociedade (Cedes) e integrante do Fórum Nacional da Educação, a retirada das referências aos temas “compromete a concepção de educação como direito do cidadão e dever do Estado”, afirmando também que o objetivo da educação é ajudar no desenvolvimento as pessoas, inclusive na formação da cidadania. 
 
Leia mais abaixo:
 
Do Jornal da Unicamp
 
Especialistas veem retrocesso em supressão do termo ‘orientação sexual’ da base curricular
 
Conceito de gênero também foi retirado do texto da BNCC apresentado pelo MEC
 
MANUEL ALVES FILHO 
 
A retirada da expressão “orientação sexual” e do conceito de gênero do texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apresentada pelo Ministério da Educação (MEC) na quinta-feira (6), representa um grande retrocesso. O entendimento é comum entre quatro especialistas entrevistados pelo Jornal da Unicamp. Para a professora Margareth Rago, do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, a medida reflete a intenção de alguns setores “de puxar a roda da história para trás”. A BNCC, que ainda precisará ser aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologada pelo ministro da Educação, estabelece as linhas gerais para a definição dos currículos dos ensinos infantil e fundamental nas 190 mil escolas públicas e particulares do Brasil.
 
Para Claudia Bonfim, pesquisadora colaboradora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (Paideia) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, ao suprimir os dois temas do texto, a BNCC reflete uma visão conservadora. “A escola é um espaço de diversidade por si só. Diversidade de pessoas, raças, pensamentos e sexualidades. Negar isso é negar sua constituição”, considera a especialista.
 
Professora aposentada da FE-Unicamp e presidente do Centro de Estudos de Educação e Sociedade (Cedes), Ivany Rodrigues Pino entende que os estudantes que serão alcançados pela BNCC estão numa fase importante de definições. “A retira de referências a esses temas do documento compromete a concepção de educação como direito do cidadão e dever do Estado, uma vez que a finalidade da educação é trabalhar o desenvolvimento das pessoas, inclusive no âmbito da formação de cidadania”.
 
A posição do MEC, observa Regina Facchini, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu) da Unicamp, se soma a um processo de retirada das questões de gênero e de sexualidade dos currículos escolares, que vem sendo desdobrado desde 2013 e que conta com forte pressão social e de setores conservadores das igrejas católica e evangélica. “O argumento principal em defesa dessa postura é de que caberia à família educar sobre temas relacionados à identidade de gênero e orientação sexual. Quem está na sala de aula sabe, porém, que as famílias são diversas e que muitas vezes constituem espaços para a violação dos direitos das crianças e adolescentes. Além disso, muitos pais têm dificuldades de abordar esses temas. Essa medida intensifica a desresponsabilização dos gestores da educação com assuntos que já estão presentes no mundo escolar. Não considerar isto é desrespeitar o direito das crianças e adolescentes”, pondera.
 
Abaixo, os principais trechos dos depoimentos dados pelas três especialistas acerca da BNCC.
 
Margareth Rago é professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp
 
“A decisão do MEC representa um profundo retrocesso para o Brasil em relação às discussões de gênero, que tiveram início no país no começo dos anos 90. Suprimir a categoria, a palavra, não elimina os problemas aos quais ela se refere. Não significa acabar com as diferenças e as desigualdades sexuais. Trata-se de uma política de emburrecimento. As discussões em torno da categoria de gênero representam um avanço democrático. São experiências que afetam não somente as mulheres, mas também os homens, que já não querem ser como os homens de ontem. Esta postura atende aos interesses de grupos religiosos e de forças da extrema direita, que querem estabelecer um padrão de hetoronormatividade compulsória. Querem que todos sejamos heterossexuais, num mundo diverso. Por que temos que seguir um padrão ditado pela igreja ou pelo Bolsonaro? [Jair Bolsonaro, deputado federal pelo PSC]”.
 
 
Ivany Rodrigues Pino é professora aposentada da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, presidente do Centro de Estudos de Educação e Sociedade (Cedes) e integrante do Fórum Nacional da Educação
 
“A BNCC apresenta vários problemas. Um deles é propor um curriculum único para todo o território nacional, sem considerar as enormes desigualdades entre regiões, Estados e municípios. A questão da retirada do conceito de gênero e da expressão ‘orientação sexual’ do texto também é problemática. Os estudantes que serão alcançados pela legislação estão numa fase importante de definição. A retirada de referências a esses temas do documento compromete a concepção de educação como direito do cidadão e dever do Estado, uma vez que a finalidade da educação é trabalhar o desenvolvimento das pessoas, inclusive no âmbito da formação de cidadania. Não sei se ainda será possível corrigir essas falhas. O Conselho Nacional de Educação informou que vai convocar cinco audiências públicas para discutir o documento, mas não sabemos quem serão os convocados para essa discussão. No caso da formulação da proposta do BNCC, as entidades representativas do empresariado da educação foram privilegiadas em detrimento das entidades científicas”.
 
 
Regina Facchini é antropóloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu) da Unicamp
 
“O argumento principal em defesa dessa postura é de que caberia à família educar sobre temas relacionados à identidade de gênero e orientação sexual. Quem está na sala de aula sabe, porém, que as famílias são diversas e que muitas vezes constituem espaços para a violação dos direitos das crianças e adolescentes. Além disso, muitos pais têm dificuldades de abordar esses temas. Essa medida intensifica a desresponsabilização dos gestores da educação com assuntos que já estão presentes no mundo escolar. Não considerar isto é desrespeitar o direito das crianças e adolescentes. Identidade de gênero e orientação sexual não são temas que interessam somente à comunidade GLBT. Interessa também aos heterossexuais porque envolve questões importantes como a gravidez indesejada, entre outras. O que nós avaliamos é que é importante dar visibilidade aos transexuais e à comunidade GLBT para poder reduzir o grau de isolamento e preconceito a que eles são submetidos e que leva à violência, ao isolamento e até mesmo ao suicídio. É importante destacar, ainda, que os estereótipos são danosos para todos, não apenas para os transexuais e o segmento GLBT. Os atuais padrões de masculinidade e feminilidade são noviços para qualquer menino ou menina, em qualquer segmento social. Não é à toa que os homens morrem mais cedo que as mulheres por causas violentas ou por falta de cuidado com a saúde. Também não é à toa que a gente ainda tenha que se preocupar com a violência doméstica, o estupro e a desigualdade no mercado de trabalho, problemas que afetam diretamente as mulheres. Estas são questões sociais muito sérias que merecem a atenção e a intervenção das políticas de educação”.
 
 
Cláudia Bonfim é pesquisadora Colaboradora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (Paideia) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, docente da Faculdade Dom Bosco, em Cornélio Procópio (PR), e autora do livro “Desnudando a Educação Sexual”
 
“Falar sobre sexualidade é falar sobre a integralidade da vida. A BNCC é um retrocesso. Enquanto os PCNs [Parâmetros Curriculares Nacionais] deram a abertura formal para se tratar de um tema inerente à subjetividade, em um local privilegiado para isso, a Base reflete uma visão conservadora, pautando-se na formação de conhecimentos técnicos e específicos. Volta-se a pensar a sexualidade como mero conhecimento biológico. É lamentável que as pessoas ainda se assustem tanto em falar sobre sexualidade. Somos seres sexuados e sexuais desde que nascemos. Se não se trata disto em casa ou na escola, onde aprenderemos a vivenciar uma sexualidade emancipada, qualitativa, responsável corporal e afetivamente, pautada no respeito e em valores éticos e estéticos? A escola é um espaço de diversidade por si só. Diversidade de pessoas, raças, pensamentos e sexualidades. Negar isso é negar a sua constituição. Esta postura reflete a falta de conhecimento científico do que é sexualidade na sua totalidade, de como ela se desenvolve, de como nossa identidade sexual é construída. Na falta de conhecimento está a origem de muitos preconceitos”.
 
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Redação

1 Comentário

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  1. Meu lombo a chicotadas

    Que venha essa discussão. Mas acredito sinceramente que poucos conhecem a realidade do professorado de ensino fundamental Brasil afora. Com o pouco que vi pelo interior de Minas, somando ao que colega, com muito mais bagagem, me apresentou, esta é uma discussão que envolve uma elite urbana atingindo um percentual mínimo de professores. Ou realmente sou eu que ainda não vi a “fala” das professoras envolvidas?

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