Sobre o manifesto de membros do MP pela Escola Sem Partido, por Luis Felipe Miguel

Foto: EBC

Por Luis Felipe Miguel

Li a “Nota técnica” assinada por 116 procuradores do ministério público federal ou dos estados sobre o projeto “Escola Sem Partido”. A nota técnica (leia mais aqui) é tão técnica quanto o Escola Sem Partido é apartidário. É um documento de chocante superficialidade, ideológico a não mais poder, todo ancorado no dogma central do movimento pelo obscurantismo na educação: existe uma “neutralidade” a ser alcançada (mesmo que não plena, como eles timidamente reconhecem) e esta neutralidade consiste na omissão diante das violências do mundo e na reprodução acrítica dos discursos dominantes.

O objetivo é comprovar a constitucionalidade do projeto que está para ser votado na Câmara. O cerne do documento é uma correlação ponto a ponto entre as restrições à liberdade de ensinar e aprender, previstas no projeto, e dispositivos já contidos em outros textos legais, notadamente a Constituição Federal, a nefasta Convenção Americana de Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O projeto do “Escola Sem Partido” seria justificável exatamente por ser, nos termos dos procuradores, perfeitamente inútil: ele só replica legislação existente.

Baseado no fatiamento e descontextualização de textos legais, o argumento é facilmente desmascarado como falacioso. Assim, por exemplo, o princípio constitucional da impessoalidade do serviço público é apresentado como justificativa à proibição de que o professor emita opiniões em sala de aula. No entanto, não é preciso ser um grande pedagogo – um Paulo Freire, por exemplo – para adivinhar que o processo de ensino-aprendizagem é incompatível com a impessoalidade própria da burocracia. Também não é difícil entender que a promoção da reflexão crítica sobre o mundo não equivale à emissão de “opiniões pessoais”. Por isso a Constituição, ainda que exija a impessoalidade do serviço público, também alberga expressamente o princípio da liberdade para ensinar e aprender.

Outro exemplo: a autoridade paterna sobre os filhos é um elemento de proteção às crianças. Retirada deste contexto e absolutizada, como faz o Escola Sem Partido, torna-se instrumento para a negação de seus direitos, tornando-as quase como propriedades das quais os pais dispõem a seu bel-prazer. O mesmo tipo de falácia se repete em todo o documento.

Só consigo identificar três motivos que levariam um procurador – alguém que deveria ter preparo e espírito cívico – a assinar algo assim: profunda estupidez, profunda má fé ou profundo fanatismo.

Tudo indica que o Supremo, em seu renovado papel de garantidor vacilante de algumas liberdades liberais, não vai compactuar com esse absurdo. Não basta. Eles sabem que dificilmente emplacarão a lei, mas isso é detalhe. São pretextos para que continuem sua agitação, para que continuem com o assédio político nas escolas e universidades, para que continuem a jogar a sociedade contra os professores – coletivamente e um a um.

Há iniciativas em construção para a proteção dos educadores. A partir delas, podemos começar a processar os assediadores – pais de alunos, jornalistas, procuradores, juízes, deputados. Hoje caçar professoras e professores é um esporte sem custo. Caso o custo aumente, eles pensarão duas vezes. É a maneira que ainda temos de fazer com que a proteção constitucional que sobrevive deixe de ser abstrata e de fato nos resguarde, ao menos um pouco.

Luis Felipe Miguel

15 Comentários

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  1. Afastamento e demissão

    Estes 116 são funcionários públicos vinculados ao poder executivo e a “nota técnica” viola a constituição, flagrantemente no caso de violar um direito fundamental de qualquer professor, que é o direito de imagem.

    Em minha opinião, seria o caso de afastá-los do serviço público e isntaurar um processo administrativo, com vistas à sua demissão – algo como mais ou menos fez a Turquia, ao prender juízes, militares, promotores e políticos por conspiração e violação das leis daquele país, após a malograda tentiva de golpe de estado.

     

  2. É por estas e outras que

    É por estas e outras que comento aqui há mais de um ano que o ministério público deveria ser extinto.

    Isto não serve para nada. Os maiores inimigos do Brasil estão neste órgão que trabalha dia e noite para destruir nosssas indústrias, empregos e esperanças.

    Neste momento esta “instituição ” é dirigida diretamente de washington. Até sua chefa é empregada dos americanos e seu patrão está dentro de sua própria casa.

    Não dá mais. Tem que fechar.

     

     

  3. Impessoalidade como cortina de fumaça.

    ” Assim, por exemplo, o princípio constitucional da impessoalidade do serviço público é apresentado como justificativa à proibição de que o professor emita opiniões em sala de aula”.

    O principio constitucional da impessoalidade, não tem nada a ver com este debate.  É apenas um bode na sala. Um argumento tentando fazer todos focarem numa  falsa  questão.   Discutir a revolução industrial, discutir os grandes filósofos, de Aristoteles  a  Kant, ou pensadores como  Adam Smith , Marx, Weber, Darwin,  ou Paulo Freire , etc… não tem nada a ver com pessoalidade, ou opinião ou principio constitucional da impessoalidade. Este é um conjunto de saberes criados pela humanidade, e todos tem o direito de conhecê-los.  Dar acesso a um saber, é obrigação constitucional de um professor. Transformar isto num ato pessoal  é apenas uma forma de deslocar a discussão para, de forma manipulatória, enquadrar em alguma coisa que possa justificar uma ação legal ou criar uma lei. Isto, com certeza,  feriria não apenas a  constituição mas todo o processo civilizatório. Estaria  impedindo a população de conhecer  saberes históricamente criados pelo ser humano.

    Sabemos que não se trata da questão de impessoalidade, pois afinal não me parece que considerem  frases de criacionistas ou terra planistas pessoais.  Sabe-se que não atacam a pessoalidade ou impessoalidade, mas sim as idéias que difiram das deles. Sabe-se que estas colocações vão convergir para uma tentativa de dar um fim à sociologia, à filosofia e logo será  à biologia, ou  cosmologia ou  medicina , ( afinal já questionam as vacinas). Os que defendem a escola com partido, defendem de fato a escola sem conhecimento. Alguns  pretendem transformá-las em  madrassas evangélicas. Isto fica explícito quando, aventando questões constitucionais, defendem que quem dá a educação são os pais e à escola cabe o ensino.  Esta é a frase obscurantista para afirmar que a escola é meramente técnica, e que contrariamente a toda a tradição civilizatória, os pais podem constitucionalmente não enviar seus filhos para a escola, para não aprenderem coisas diferentes do que pensam.

    Isto se junta ao movimento ideológico e partidário  de jogar as universidades no Ministério da Ciência e Tecnologia, o  que não esconde o viés, Universidade sem partido. Pretensamente pretendem definir tudo como técnico, pois  sobre  ciência sabem pouco ou quase nada.  Poderíamos aqui discorrer de como esta guerra  ( inclusive no interior da Academia) entre ciências duras e moles desembocaram neste discurso obscurantista.  Esta separação gerou  figuras como nossos economistas, que são sempre chamados ideológicamente de  técnicos e que acham que as questões humanas são apenas blá blá. Para eles,  tudo se resume a uma planilha. O desemprego e a fome são apenas índices, e a realidade economica se joga nos casinos das bolsas e do jogo cambial. Estes economistas  acreditam que o mundo é apenas um discurso escrito  numa planilha. Defendem uma escola sem partido mas  são os arautos de  uma ideologia.  Continuam ideológicamente planejando  um país através dos clichês, definidos por um ser fantasmagórico chamado Mercado, que na verdade é um casino, ou pelo FMI. Acreditam que zerando uma das colunas da planilha, o mundo vai finalmente andar.  Mas este discurso é considerado pelo MP como impessoal e não ideológico.  Isto tudo é irônico, quando se vê que uma parte dos pensadores das humanas despenderam muita energia para dizer que o mundo é apenas discurso e agora podem ser atropelados, pelos que afirmam que o discurso econômico e ideológico deles é o único discurso.

    Um colunista famoso em Santa Catarina pela sua posição partidária, anti-ṔT e pela defesa ideológica do pensamento de direita, usa uma concessão pública, que é o seu jornal,  para questionar a presença de temas como: Hormonização para transgêneros, LGBTfobia  e Saúde, Genero em Debate, Aborto e Atenção primária, num congresso sobre Medicina de Família e Comunidade. Segundo o colunista a presença dos temas  se deve ao esquerdismo e a ideologia. Questionou também  o uso do dinheiro público para a realização do congresso.  Obviamente  este senhor acredita que se fechar os olhos e os ouvidos e não se falar sobre certas coisas do mundo, estas coisas deixam de existir. Parece aquele pensamento infantil: se existe algo que eu não goste  basta fechar os olhos e ouvidos que a coisa vai desaparecer.  Mas infelizmente isto  é infantil mas tem consequências adultas.  Esta  colocação visa impedir que se investigue e se debata a nossa realidade. Visa  censurar e restringir o pensamento.

    Mas evocando a constituição, me parece que as colocações pessoais, ideológicas e partidárias do colunista vão além da pessoalidade e  evocando seus direitos constitucionais  eu defendo o direito dele falar o que quiser assim como meu direito de criticar seus argumentos.  Quanto a pessoalidade nas relações entre professor e aluno, o conhecimento impessoal desenvolvido pelos investigadores e pensadores da Educação, mostram que a impessoalidade de um professor, (principalmente nos primeiros anos da educação ) teria um efeito devastador na psique  de uma criança e ou de um adolescente. Portanto fica em aberto a questão:  estes procuradores estão ou não defendendo os direitos das crianças?

    1. As primeiras providências
       

      de qualquer novo poder, legítimo ou não, e especialmente quando não, é apagar a memória da administração anterior e impor a administração nova, usurpando para si as eventuais benfeitorias.

      Sobre o povo a ser governado, tanto melhor será se ele for cordato, maleável e crédulo.

      Não é com cultura que se faz um governo forte – é com ignorância.

      Povo ignorante faz o que o governo manda, aprende o que o governo determina e vai para onde ele quer.

      Povo que não pensa, não contesta.

      Ademais, um governo que tem como ministros filósofos apedeutas e orientadores educacionais formados em teologia bíblica assembleana só pode oferecer esse cardápio.

       

  4. Penso que devemos ser mais

    Penso que devemos ser mais diretos na identificação dos “motivos” : os procuradores pertencem a uma casta, empoderada na burocracia estatal de um sistema sócio-econômico injusto e qualquer crítica a esse sistema, qualquer visão de mundo ou modo de vida que coloque em risco a permanência desse sistema, são ameaças aos privilégios dessa casta.

  5. SERIA MUITO BOM

    SÉRIA ÓTIMO SE TIVÉSSEMOS, NO BRASIL, IGREJAS SEM PARTIDO E JUSTIÇA SEM PARTIDO……..MAS A CARA DE PAU DOS CAFAJESTES NÃO DEIXA………EXEMPLOS: MAGNO MALTA E SERGIO MORO…….

    1. Boa!No da que tivermos

      Boa!

      No da que tivermos igreja, imprensa, judiciário, forças armadas, etc, sem partido, aí aceitamos a lorota da escola sem partido!

  6. A praga do neoliberalismo

    As escolas, universidades e todos os lugares de debate, público ou privado, de ideias são a última trincheira de liberdade onde o capital não conseguia se impor. O ataque à liberdade de cátedra e de ensino-aprendizagem é uma ofensiva necessária à manutenção da ditadura capitalista. Como disse a professora Lilia Scwarcz – e não sei se era uma citação de terceiros -, “perguntar é desobedecer”, e o capitalismo depende da obediência falsamente percebida como escolha – a servidão voluntária, e no capitalismo, orgulhosa. 

     

    Programa On Contact (canal RT America) – A critic of Neoliberalism, entrevista com o geógrafo marxista britânico David Harvey

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=D-YO5EROH-I%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=D-YO5EROH-I

     

    Sampa/SP, 10/11/2018 – 22:20 

  7. “Só consigo identificar três

    “Só consigo identificar três motivos que levariam um procurador – alguém que deveria ter preparo e espírito cívico – a assinar algo assim: profunda estupidez, profunda má fé ou profundo fanatismo”: são os três juntos, mais a vontade de mostrar serviço ao “chefe”, prá ver se consegue acelerar a carreira. Com o Moro funcionou … 

  8. “Só consigo identificar três

    “Só consigo identificar três motivos que levariam um procurador – alguém que deveria ter preparo e espírito cívico – a assinar algo assim: profunda estupidez, profunda má fé ou profundo fanatismo”: são os três juntos, mais a vontade de mostrar serviço ao “chefe”, prá ver se consegue acelerar a carreira. Com o Moro funcionou … 

  9. Indefensável
    Nas antigas barcas havia uma placa com três orientações: Aqui é proibido vender produtos, pregar qualquer religião e fazer propaganda política. Será que é muito complicado para a cátedra entender isso? Em aula não se vende nada. Não se prega religião. Não se fala de política partidária. Só isso.

    1. Alunos Avestruzes
      Existe politica partidaria mas os alunos em vez de falar de politica partidaria devem enfiar e manter suas cabecas na areia, tal qual avestruzes quando veem o perigo.

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