A abstinência dos sentidos é uma grande ilusão propagada pelas religiões, por Marcos Villas-Bôas

A abstinência dos sentidos é uma grande ilusão propagada pelas religiões

por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Tudo na vida é imensamente complexo. Um grande equívoco de religiosos e espiritualistas é absorver jargões e saírem repetindo sem conseguirem unir aquelas mensagens a várias outras, muitas vezes defendidas por eles mesmos, mas que caminham em direções não necessariamente iguais. Complexidade também é isso: multiplicidade de direções que precisam ser postas em coerência.

O mais comum entre religiosos é não por em prática o que pregam de forma teórica e superficial, mas isso não é necessariamente hipocrisia, pois esta acontece quando a pessoa tem consciência dessa discrepância entre pregação e ação. A maioria dos religiosos não tem consciência, tendo em vista que são doutrinados. Em meio a várias portas que poderiam abrir e descobrir coisas novas, expandindo sua capacidade de compreender e sentir o mundo, pararam à frente de uma e julgam todas as demais inferiores. 

Outro caso muito comum entre religiosos e espiritualistas é o de repetir termos como gratidão sem, de fato, sentir o que aquela expressão da língua quer nominar. Só o autoconhecimento e o conhecimento bem direcionado permitem entender o que quer dizer cada termo, cada expressão, e comparar o conceito com aquilo que se sente em profundidade. Do contrário, é mera verbalização desacompanhada das vibrações, que são aquilo que realmente define o grau de ascenção e, portanto, felicidade do espírito. 

Para que haja o encontro com o Eu superior, com o espírito puro, é preciso que o indivíduo passe, na maioria das vezes, por um processo de “desmaterialização”, uma vez que a maior parte dos humanos está muito apegada à busca por prazeres materiais. Isso não quer dizer, contudo, que seja o caso de todos, nem que o trabalho de domínio dos impulsos materiais deva se transformar em repressão ao gozo de uma boa vida material.

O problema de muitos é exatamente não gozar dos prazeres materiais e viverem em crise interna, reprimidos, recalcados, apesar de se venderem como santos ou como mestres em completa paz de espírito.

Outra hipótese ainda muito comum é haver uma oscilação de fases nas quais o indivíduo goza excessivamente dos prazeres materiais e, após alguns reveses, decide deixar tudo para trás e “se encontrar com Deus” ou “com Jesus”. Com frequência, esse encontro não dura por tanto tempo ou causa distúrbios talvez até piores dos que ele tinha antes no período de vícios.  

Isso não significa que as religiões sejam ruins. É a forma como elas têm sido, muitas vezes, pregadas e praticadas o que causa males aos adeptos. Por outro lado, muitos também são ajudados por elas.  

Tudo na vida é equilíbrio, e o equilíbrio não é “jogar na coluna do meio”. Em cada situação, o equilíbrio estará num ponto diferente em meio a um ou mais paradoxos. O equilíbrio de um também não é igual ao do outro, pois, como gostamos de enfatizar, cada espírito é único, assim como cada encarnação. Todo humano vem à Terra regido por energias determinadas, com fins de aprendizagem e de servidão (missão) específicos. Cada um tem sua capacidade de resistir mais ou menos aos prazeres materiais ou, colocado de outro modo, cada um tem uma necessidade maior ou menor dos prazeres.

Para uma parte dos religiosos e dos espiritualistas, e isso é muito forte no cristianismo, ascensão espiritual significa não ter prazeres, viver uma simplicidade representada pela negação do material e viver feliz com isso. É como se a ascensão só tivesse um caminho, como se todos já fossem muito parecidos e como se, quando ascensionados, os indivíduos se tornariam todos iguais, sendo normalmente esse “igual” idealizado segundo o arquétipo de um santo, messias ou mestre adorado pelo pregador. 

É uma ideia singela e inocente, que fazia mais sentido até décadas atrás, quando o conhecimento era mais superficial e a moralidade era basicamente definida em matar ou não matar, roubar ou não roubar, ser ganancioso ou não ser.

Afastar-se dos prazeres materiais é, muitas vezes, uma ferramenta para fugir às tentações, enquanto que a encarnação num planeta como a Terra tem como uma de suas funções principais encarar as tentações e ser equilibrado perante elas. Fugir, quando se quer algo, significa repressão interior e um atestado da incapacidade momentânea de lidar com os desejos. Dizemos “momentânea” pois todos estão fadados a ter domínio sobre si algum dia. Quanto antes, melhor. Se os desejos estão causando grandes desequilíbrios, contudo, às vezes é melhor mesmo fugir por um tempo, mas eles precisarão ser encarados em algum momento, nesta ou em outra encarnação.   

Como dizem Moore e Gillete, no brilhante livro “Rei, Guerreiro, Mago, Amante: a redescoberta dos arquétipos do masculino”:

“Na história das nossas religiões e das nossas culturas que delas fluem, podemos ver a tensão entre o amante e os outros arquétipos do masculino amadurecido. Cristianismo, judaísmo e islamismo – as religiões chamadas morais, ou éticas –, todas perseguiram o amante. O cristianismo vem ensinando, de forma mais ou menos coerente, que o mundo – o próprio objeto de devoção do amante – é mau, que o Senhor desse mundo é Satanás e que ele é a origem dos prazeres sensuais (sendo o sexo o mais importante deles) que os cristões devem evitar” (p. 71).

O referido livro trata muito bem dos arquétipos masculinos do “menino” e do “homem”, demonstrando as sombras de cada arquétipo e permitindo-nos identificar como é comum ver adultos revelando características fortes de arquétipos do “menino”.

Os autores atribuem tal fato, dentre outras causas, à falta de uma figura paterna mais equilibrada e à falta de claros rituais de passagem da infância para a fase adulta, como havia no passado e ainda há em sociedades tribais.

Em países como o Brasil, onde não é tão comum os jovens saírem de casa ao entrarem na universidade, algo que vem mudando aos poucos, é ainda mais difícil enxergar o momento da iniciação, quando ele passa a ser adulto, de modo que continua se enxergando, e os seus pais mais ainda, como a mesma criança de antes, porém com um pouco mais de experiência. 

No caso do adulto amadurecido, ele deveria revelar, pelo menos, 4 principais arquétipos que se complementam entre si: Rei, Guerreiro, Mago e Amante. O Rei é o arquétipo central, aquele da liderança, da experiência, das sábias decisões e da serenidade. O Guerreiro é aquele da agressividade bem conduzida, da impetuosidade, da força. O Mago é a sabedoria, o conhecimento, o consultor. O Amante é a vivacidade, o gozo, a alegria.

Estando o Amante podado, como fazem muitas religiões e filosofias, o indivíduo tende a ficar amargurado, perde energia, vive cansado, ranzinza, rabugento, entra em depressão. Estando o Guerreiro podado, o indivíduo tende a ser usado pelos outros, fica fraco, diminuído, pode ter a auto-estima afetada. Muitos religiosos e espiritualistas pregam e buscam para si tornar-se um adulto puramente mago, aquele que é – supostamente, neste caso – sábio e unido com Deus.   

O sexo, por exemplo, muito visto como pecaminoso e sensual, é uma movimentação de energias importante, que costuma deixar, quando praticado com sabedoria, a grande maioria das pessoas com uma saúde muito melhor. É comum ver pessoas, sobretudo mulheres, que chegam a ter mudanças na pele, nos cabelos e, é claro, no brilho dos olhos quando encontram um parceiro sexual que lhes preenche e que não necessariamente precisa ser dentro de um compromisso formal.  

Segundo Osho, aliás, o sexo está muito relacionado com a respiração e, por causa da repressão a ele, os humanos teriam menos olfato do que os animais em geral. Sendo a respiração a base da meditação e da serenidade da mente, a repressão ao sexo ao longo de séculos, especialmente no mundo ocidental, colaborou para que fosse moldada a atual sociedade agressiva, gananciosa e estressada. É uma boa teoria. 

Outra história é a promiscuidade. O sexo sem tanta afinidade, realizado com diversas pessoas ou realizado com alguém mas com outra pessoa na mente, é um grande risco, pois, sendo uma forte troca de energias, além do perigo de receber energias ruins de outrem, a mistura de energias com vários parceiros pode causar problemas.

Repita-se: tudo depende de um equilíbrio individual, de encontrar o balanceamento de acordo com as necessidades, energias, capacidades e objetivos daquele ser específico. Isso vale também para a gula, a preguiça e todos os demais chamados pecados capitais.

Mas, o que se deve fazer? Descansar e aproveitar demais os gozos materiais é sinal de preguiça, gera apatia, diminui a produtividade; é um atentado ao Guerreiro. Descansar e aproveitar de menos tende a reduzir o bom humor, a energia, o entusiasmo; é um atentado ao Amante.

Se a pessoa não ama a vida, não ama a si, não acorda ávida por mais um dia de aprendizado, de experiências, como ela poderá amar os outros? Já tratamos excessivamente do tema neste blog. Sem auto-amor, o amor puro e incondicional por tudo e todos não existe.

Osho, citando o brilhante pensador inglês Bertrand Russell, a quem ele dedicava grande admiração, afirma o seguinte no livro Compaixão – o florescimento supremo do amor:

“Com a condenação, não existe nenhuma possibilidade de transformação. Por isso os seus santos são absolutamente destituídos de compaixão; nos olhos você não vê nenhuma compaixão. Eles são secos, não têm nenhum sumo. Viver com um santo durante 24 horas é suficiente para saber como é o inferno. Talvez as pessoas tenham consciência desse fato, por isso elas tocam os pés do santo, e correm dali imediatamente.

Um dos maiores filósofos da nossa era, Bertrand Russell, declarou enfaticamente: ‘Se o céu e o inferno existem, eu quero ir para o inferno.’ Por quê? Só para evitar os santos, porque o céu vai estar cheio desses santos mortos, apáticos, desinteressantes. E Bertrand Russell pensava, ‘Eu não vou tolerar a companhia deles nem por um minuto. Como imaginar toda a eternidade, para sempre, passada em meio a esses cadáveres, que não conhecem o amor, não conhecem a amizade, que nunca tiram um dia de folga…!?”

Há uma falsa ideia dos santos que é transmitida pelas religiões, que tenta torná-los parecidos, sinais de pureza, de perfeição, que não existe na Terra, e sob uma falsa visão de que todos devem caminhar para chegar a uma mesma posição na qual terão as mesmas características. É a falsa ideia de que há um modelo único de espírito ascensionado, de santo ou de anjo.

A história conta que São Jerônimo, apesar de muito inteligente, dedicado e preocupado com o próximo, era bastante nervoso e irritado. Santo Antônio foi um homem aguerrido, que esbravejava por justiça e criticava a nobreza corrupta da sua época.

São Francisco de Assis, apesar de se falar muito na cena dele dando as roupas, viveu um bom tempo o luxo da família e, segundo se diz, em festas com amigos. Quando houve guerra, lutou nela e, somente depois, despertou para sua missão principal.

Por fim, Jesus, o Cristo, ao adentrar o templo onde se comercializava peças sob o nome de Deus, derrubou as tendas e expulsou os vendedores dali.

Essa ideia do santo encarnado completamente pacífico, morno, que vive sem qualquer gozo material etc. é uma construção do inconsciente coletivo pautada em distorções de histórias e em partes verídicas de histórias que tiveram a sua razão de ser naquele dado momento.

O novo homem do século XXI, o espírito em franca ascensão, é aquele que Osho denomina de Zorba, o Buda, ou seja, uma mistura do personagem Zorba, o grego, um curtidor sadio dos prazeres da vida, com Gautama Buda, um sereno meditador em paz de espírito. Estando presente apenas um dos lados, a tendência é que o espírito ainda careça de desenvolvimento.

Não estamos fazendo o mesmo que criticamos em boa parte dos religiosos e espiritualistas, ou seja, criando um modelo de homem perfeito, de salvação. Muito pelo contrário, estamos pontuando, com base na ciência, na filosofia e na experiência, alguns traços psíquicos que são importantes para que o ser humano possa viver com plenitude, mas é evidente que a manifestação desses traços e os pesos das características se darão das mais variadas maneiras. 

Pelo pouco que se conhece da história de Saint Germain, o mestre ascensionado que rege esta era, ele andava pelas cortes da Europa, foi amigo e conselheiro de reis e rainhas, demonstrava ter posses materiais, mas, mesmo assim, foi um sábio ocultista, um mago equilibrado que influenciava decisões de governantes segundo princípios do amor e da fraternidade. Saint Germain balanceava o Rei, o Guerreiro, o Mago e o Amante.  

De certo modo, Osho, da forma dele bem humorada, diz o mesmo que Moore e Gillete: se não houver um equilíbrio sadio entre os 4 arquétipos em análise, a tendência é que desequilíbrios psíquicos sejam gerados e, portanto, a ascensão espiritual estará sob risco.  

Não é, contudo, repetindo as noções moralistas que vêm perdurando há séculos que se entenderá com mais profundidade a psique humana e o caminho de ascensão espiritual. 

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Falando em vibracao… 

    Falando em vibracao…  Maocos, tem uma familia inteira na minha cidade que nao tem sequer uma vibracao, nao foi poder dar detalhes, e tenho certeza absoluta que does sao perigosissimos.  Eh certeza absoluta2que eventualmente eles vao se enfiar em sociopatia grupal.  Como eu aviso a policia?  Eh so entrar nacdelegacia e dizer que a familia inteira eh sociopatica porque eu o disse?

  2. Babouseiras proselitistas
     

    Babouseiras proselitistas ditas por quem quer defender e anunciar as suas verdades particulares, pessoais, em detrimento das verdades dos outros. Em suma, um religioso/espiritualista sendo religioso/espiritualista na defesa da sua própria ideologia.

  3. aviso aos navegantes

    Bertrand Russell foi ateu, defensor intransigente do humanismo secular, do ceticismo e da ciência. Gente como o “Osho” causariam ojeriza a Russell . Tratava o misticismo com ironia e um humor fino sempre lembrando o papel idiotizador das religiões e das pseudociencias. 

    A profunda trapaça intelectual deste texto pode levar algum desavisado a imaginar que exista alguma relação entre “Osho” e Bertrand Russell. Russell foi matemático, lógico,  discorria sobre a história da filosofia  e nunca tolerou embustes e descontextualizações interesseiras. Este texto se constitui num verdadeiro achaque à memória de Bertrand Russell.

    ” Até onde me lembro , não há uma palavra nos evangelhos  em louvor da inteligência. A ignorancia é chamada de fé, a fé de virtude, e o questionamento, uma ofensa”.

     

    1. “Bertrand Russell foi ateu,

      “Bertrand Russell foi ateu, defensor intransigente do humanismo secular, do ceticismo e da ciência”:

      Tudo irrelevante ao que o autor disse e citou.  Quer um mapa de copiar e colar ou quer que eu te feche a matraca mais uma fez?

    2. Puta que pariu, Marcelo, voce

      Puta que pariu, Marcelo, voce eh um “comentarista” tao complexado que So conseguir Lee suas proprias palavras-chave!!!

      Via enfiar “atheismo” no rabo, ok?  Releia o primeiro paragrafo, meu Caro.  Ele se aplica a VOCES tambem, ok, seu clichee ambulante de perna de pau?  Nao estamos aqui pra limpar suas bundas.

      Muito menos sobre interpretacao de texto.

       E essa eh somente mais uma fez que eu fechei çua matraca publicamente.

    3. Bertrand Russel era tao

      Bertrand Russel era tao analfabeto como voce, que igualmente nao sabe que os conceitos de ENTENDIMENTO e SABEDORIA ainda nao estavam devidsmente separados hac 2 mil anos atraz?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador