A lei de contratos com ONGs, a Santa Casa e as Organizações Sociais

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – A parceria público-privada sempre foi mira de polêmicas e debates. Nesta semana, três fatos que envolvem as Organizações Sociais tomaram conta dos noticiários: foi sancionada a lei do marco regulatório de parcerias federativas com as ONGs; levantou-se o problema de gestão da Santa Casa de São Paulo, e o advogado Rubens Naves realizou o lançamento do seu livro sobre as OSs.

Marco regulatório de ONGs

O projeto de lei sancionado pela presidente Dilma Rousseff, nesta quinta-feira (31), estabelece normas para as parcerias voluntárias da União, estados e municípios com as ONGs (Organizações Não Governamentais). Um dos objetivos do texto é evitar o favorecimento de entidades e a escolha sem critérios determinados.

Com a lei, as Organizações serão selecionadas por chamadas públicas, com a inscrição dos projetos, e a entidade precisará existir há pelo menos três anos, ter experiência prévia no objeto do convênio, e ter capacidade técnica e operacional para o cumprimento das propostas, além de exigir ficha limpa para as ONGs e seus dirigentes.

O Marco entrará em vigor em novembro deste ano, três meses depois da publicação no Diário Oficial da União, que ocorreu hoje (1º).

“A legislação cria um ambiente muito mais adequado para a atuação das organizações da sociedade civil e reconhece nelas parceiras fundamentais do Estado na implementação de políticas em favor dos nossos cidadãos”, disse a presidente Dilma Rousseff, durante a sanção.

Entretanto, é justamente neste ponto que o campo de práticas distorcidas ocorre. A visão de regulamentação de serviços de assistência social como prática privada ganha contexto histórico desde as primeiras iniciativas de Organizações Sociais.

Organizações Sociais

A princípio, a definição de OSs pode ser entendida, pelo pesquisador Gustavo Henrique Justino de Oliveira, como “o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por organizações privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações ou fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e privados)”.

Entretanto, a iniciativa que surgiu como alternativa à falta de políticas públicas e sociais tornou-se, aos poucos, finalidade. No final dos anos 90, com a reforma gerencial do Estado, a exceção que a filantropia agregava às demandas transformou-se em regra, diante do inchaço da máquina administrativa. O modelo de transferência de recursos da União para o Terceiro Setor foi consolidado na lei n° 9.637, em 1998.

Do outro lado, o advogado Rubens Naves entende que as OSs são a “quarta tentativa de encontrar uma forma mais ágil e expedita de lidar com as realidades sociais, com as demandas dos cidadãos e com a necessidade de evolução da sociedade brasileira”.

Naves tem experiência como diretor da CESP, presidente da Fundação Abrinq, membro do Conselho da OAB-SP e da Fundação SEADE, fundou a Transparência Brasil, é consultor da ABERJE (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) e membro do Conselho Editorial do jornal Le Monde Diplomatique Brasil. Nesta semana, lançou o livro “Organizações Sociais – A Construção do Modelo”, no qual é coordenador e coautor, ao lado de oito escritores.

Com forte embasamento jurídico, entre leis e avanços no campo legislativo, Rubens Naves teve um objetivo: “desmistificar a teoria de que esse modelo é uma privatização dos órgãos públicos”.

Santa Casa

Mas um terceiro fato acendeu que, além de teorias e seguranças constitucionais, problemas de gestão e de prestação de contas são presentes nas parcerias público-privadas.

“O aperfeiçoamento da gestão por parte das OSs é fundamental e também a transparência nos custos, essas planilhas precisam ser mais bem elaboradas. Hoje, todo cidadão com o desenvolvimento da tecnologia tem condição de aferir custos e é importante. O dinheiro tem tantas demandas para serem atendidas e tem que ser uma preocupação permanente das Organizações Sociais”, disse Rubens Naves.

Na semana passada, o pronto socorro da Santa Casa Misericórdia de São Paulo ficou fechado por 30 horas, por uma dívida com fornecedores de R$ 50 milhões. A unidade que é o maior hospital filantrópico da América Latina contabiliza uma dívida atual de R$ 400 milhões, sendo a maior parte de empréstimos bancários. O caso gerou embate na esfera política, em um desentendimento dos governos federal e estadual.

Com o fechamento do pronto socorro, o Ministério da Saúde analisou as contas de repasse e constatou que o estado de São Paulo, por meio da Secretaria Estadual da Saúde, não transferiu R$ 74 milhões destinados à Santa Casa. “Que o recurso [da pasta] saiu, saiu. Que chegou a São Paulo, chegou a São Paulo. Que ele não chegou integralmente na Santa Casa, não chegou”, afirmou o ministro da Saúde, Arthur Chioro.

O secretário estadual de Saúde, David Uip, rebateu. Explicou que o Ministério contabilizou duas vezes um valor de incentivos não mais existentes. Tratam-se do FIDEPS, financiamento de ensino e pesquisa, e a expansão da oferta, um incentivo ampliado, em 2011, para sanar dificuldades financeiras da Santa Casa e aumentar atendimentos. De acordo com o secretário, esses recursos foram incorporados a outros repasses, que são os valores de produção, ou seja, o total de procedimentos realizados no hospital.

Em contrapartida, o Ministério da Saúde informou, em nota, que “os valores do FIDEPS ficam como memória de cálculo e devem ser alocados como incentivos de custeio e, não, vinculados à produção. O recurso, portanto, é um repasse a mais em relação à tabela SUS”. A pasta também lembrou que, mesmo se a ampliação da oferta fosse incorporada aos valores de produção, o aumento do repasse deveria ser constatado nas contas, “o que não se verifica”.

Na última terça-feira (29), Chioro disse que solicitou à secretaria estadual de São Paulo informações sobre as contas da Santa Casa.

Nos documentos enviados do Ministério da Saúde para a secretaria estadual, pode ser verificado um valor de repasses de R$ 293,954 milhões, em 2013, e R$ 127,334 milhões, em 2014. (anexo 1)

Já na mesma tabela da Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, os valores são R$ 291,390 milhões e R$ 126,375, respectivamente. (anexo 2)

“Eu acho que estamos em um momento da nossa democracia que a questão de diferenças partidárias, como o governo federal ter uma atitude, o estadual ter outra e o municipal ter outra atitude, precisa ser superada. Nós temos que tratar algumas coisas como questão de Estado e o caso da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo é um bom exemplo da ausência e da necessidade de uma retomada do que chamamos de diálogo institucional. É uma crise, é uma situação emergencial, os poderes têm que dialogar, têm que sentar e buscar uma forma flexível de uma intervenção”, concluiu o advogado Rubens Naves.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Esta história das Santas Casas precisam ser melhor contadas

    Neste caso do repasse do estado de SP para elas, a exemplo da  SCM da capital paulista. Só que tem algo muito mais podre e que poderia estar ajudando as SCM. Não sei se a lei ainda é tosco como a que ouvi faz anos. Acontece que muitas famílias deixam propriedades para elas e parece que tem uma lei que menciona que os proprietários sem herdeiros que falecem, tem seus bens deixado para instituições como USP, UniCamp e Santas Casas. Tem cidades onde já ouvi dizer que a SC do município é proprietária de inúmeros imóveis e no entanto não pode comercializá-los para investir no que é a sua área. Coisas assim fazem abrir espaço para casos como o da SCM do Rio de Janeiro onde o provedor, o advogado e jornalista Dahas Chade Zarur, de 87 anos, é acusado de ter acumulado um patrimônio expressivo que repassou para o filho, a nora e as duas netas. Em 20 anos foram 35 imóveis, num total de 42 transações, conforme o globo publicou em 08/2013. A SCM de SP, salvo engano, é dona do endereço mais conhecido da capital. É difícil alguém que more ou passou por SP não o conheça: o prédio onde muito tempo foi o Mappin, na praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal. A SCM de SP conta com cerca de 700 contratos de locação de imóveis residenciais e comerciais.

    http://oglobo.globo.com/rio/dahas-zarur-provedor-da-santa-casa-negociou-35-imoveis-em-20-anos-9344861

    http://oglobo.globo.com/rio/policia-investigara-patrimonio-do-provedor-da-santa-casa-9350476

    http://www.sinmedrj.org.br/informativos/index.php?id=1360

    http://www.abradilan.com.br/noticias_detalhe.asp?noticia=19053

    http://vejasp.abril.com.br/materia/eleicao-polemica-na-santa-casa

    http://spfc.terra.com.br/forum2.asp?nID=257313

  2. Só sei de uma coisa: eu não sei de p… nenhuma!

    Caros Senhores,

    Vamos deixar de conversa mole! Vamos direto ao ponto! 

    As organizações sociais NASCERAM INCONSTITUCIONAIS no Brasil na década de 1990. Depois, num ato de mágica, deixam de ser inconstitucionais!  Ora, ora, ora, pacto é pacto. Podemos até mudar o pacto, mas de forma ORIGINÁRIA! Sem essa de  REFORMA!

    Apertando-se , espremendo-se os termos  “contrato de gestão”e termo de parceria,   chega-se à uma das  FAJUTAS teses da  gerencial  administração pública com seu plano diretor!

    O incrível de tudo isso, mas é incrível demais mesmo, é que a COISA ( “OS e  pior ainda, Oscips, PPP , consórcios etc)) nasce em busca de desburocratização, da “confiança” e do controle ex post, da busca de uma finalidade maior e pública, e demais BABOSEIRAS, outroras tentadas e que NÃO COLAM na terra  do patrimonialismo e da federação às avessas!

    Com o passar do tempo, novas regulamentações vão surgindo exatametne para se regulamentar a FARRA patrimonialista! E na sequência, o Weber se movimenta   no sarcófago. Eis que surge novamente em cena,  a NECESSÁRIA dominação legal-institucional e IMPESSOAL, mais conhecida como burocracia , sobretudo, para tratar de RECURSOS PÚBLICOS, oriundos de contribuições pecuniárias compulsórias levadas aos cofres públicos! Diga-se de passagem, hipóteses  de caráter INDIRETO retirada da massa dos otários trabalhadores.

    Francamente, só estúpidos e imbecis como eu conseguem engolir mais essa baboseira de flexibilização da “supremacia dos interesses públicos.

     

     

     

  3. O que dói é escutar o Boris

    O que dói é escutar o Boris Casoy, inimigo número um dos garis que classificou como rabeira na sua classificação social, dizer que o problema é do governo federal! É um energúmeno um sujeito desse que como âncora de um jornal televisivo (Band), antes de divulgar com sua boca de caçapa um monte de mentiras, deveria procurar saber da verdade sobre os fatos. Quando ele abre a boca de mochila  para dizer: “Isso é uma vergooonhaaa…” Deveria ter vergonha de sua cretinice.

  4. Uma pequena grande

    Uma pequena grande omissão:

    PLS – PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 649 de 2011 Autor(a): SENADOR – Aloysio Nunes Ferreira Ementa: Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a Administração Pública e as entidades privadas sem fins lucrativos para a consecução de finalidades de interesse público.Explicação da ementa: Clique para abrir / ocultar a explicação da ementa Clique para abrir / ocultar a explicação da ementaAssunto: Administrativo – Licitação e contratosData de apresentação: 24/10/2011Situação atual: Local: 22/07/2014 – SECRETARIA DE EXPEDIENTESituação:  19/02/2014 – REMETIDA À CÂMARA DOS DEPUTADOSMatérias relacionadas: RMA – REQUERIMENTO DA COMISSÃO MEIO AMBIENTE, DEFESA DO CONS., FISC. E CONTR 79 de 2012 (Senador Rodrigo Rollemberg)RMA – REQUERIMENTO DA COMISSÃO MEIO AMBIENTE, DEFESA DO CONS., FISC. E CONTR 10 de 2013 (Senador Rodrigo Rollemberg)VET – VETO 21 de 2014 (Presidente da República)Outros números: Origem no Legislativo: CD  PL.  07168 / 2014Indexação da matéria: Ver a indexação da matéria Clique para ver/ocultar a indexação da matéria

     

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