Fiocruz investe R$ 365 milhões em compra sem licitação no Rio

Prezados, 

segue a notícia como saiu na Folha de São Paulo.

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24/08/2011 – 12h08

Fiocruz gasta R$ 365 milhões em compra sem licitação no Rio

 

SÉRGIO RANGEL, GUSTAVO ALVES, DO RIO

DIMMI AMORA, DE BRASÍLIA

A Fiocruz, vinculada ao Ministério da Saúde, comprou por quase R$ 365 milhões, sem licitação, um sistema de gestão de dados da empresa portuguesa Alert.

O contrato, que prevê transferência de tecnologia, visa integrar dados da rede pública de saúde e criar prontuários eletrônicos para os pacientes do SUS, que poderão ser acessados pela internet.

Ao menos duas empresas, MV Sistemas e Totvs, oferecem sistemas parecidos no Brasil. O Datasus, empresa do SUS, também fornece serviços de gestão de dados.

O contrato foi publicado no “Diário Oficial” do dia 8. Sua vigência é de cinco anos.

A contratação foi criticada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde, Claudio Giulliano.

Giulliano afirmou que o valor da licitação espanta, por ser inédito no setor de softwares para a saúde.

O diretor da MV Sistemas de Saúde, Luciano Reguz, diz que o sistema da empresa cobre todos os processos, e o da Alert, apenas dois –prontuário eletrônico e classificação de riscos dos pacientes.

Menos de um mês antes, Augusto Cesar Gadelha Vieira, diretor do departamento de Informática do Datasus, e Paulo Ernani Gadelha Vieira, presidente da Fiocruz, viajaram a Portugal para conhecer os serviços da empresa.

Mas ela já fornece serviços para hospitais brasileiros e tem filial em Belo Horizonte.

OUTRO LADO

O vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz, Pedro Barbosa, disse que a Alert foi escolhida por requisitos técnicos e ter a certificação internacional IHE (Integrating the Healthcare Enterprise).

“É a única empresa no Brasil com esta certificação.”

Barbosa alegou que a dispensa de licitação é prevista na Lei das Licitações e na Lei da Inovação Científica. O Datasus não poderia criar o sistema porque o processo seria longo e mais caro, disse.

Ele afirmou que foi preciso ir a Portugal para “ver a estrutura” da matriz da Alert.

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Seguem meus comentários:

– é preciso obter mais dados sobre o que está sendo comprado. Afinal, R$ 365 milhões de reais seria até pouco dinheiro se fosse para atender todo o Brasil, i.e. todos os hospitais que prestam serviços ao SUS. Aparentemente, não é o caso. Então, há que se esclarecer por que todo este dinheiro.

– A Alert tem sistemas de alta qualidade para a área da Saúde. É uma empresa portuguesa (a maior parte do software desenvolvido por ela vem de lá), mas está investindo muito no Brasil. Já tem contratos em andamento com o Governo de Minas Gerais (iniciados na gestão de Aécio Neves). E outros contratos sendo fechados no Brasil. Mas há outros fornecedores (alguns totalmente brasileiros – MV, Totvs; outros de origem estrangeira – GE Healthcare, Intersystems) que oferecem sistemas concorrentes.

– o argumento sobre “certificação IHE” foi um deslize, um uso inadequado do termo “certificação”. IHE é uma instituição internacional (www.ihe.net) que busca criar condições de testar a capacidade de sistemas hospitalares de trabalharem em conjunto. Dá-se a isso o nome de interoperabilidade. O IHE promove “maratonas de teste de interoperabilidade”, chamada connectathons. Qualquer empresa é livre para entrar em um connectathon, desde que tenha aderido aos perfis IHE na implementação de interfaces de seus software para com outros softwares. Pode até mesmo declarar a capacidade de interoperar sob os perfis delineados pelo IHE, sem participar fisicamente de um conectathon.  A Alert tem participado de Conectathons nos EUA e na Europa desde 2006 (os primeiros foram em 2001). Outras empresas que operam no Brasil também participam dos Connectathon

– não existe uma certificação IHE. De fato, segundo o próprio IHE….

 

    “Companies are strongly discouraged from using IHE participation to make unsupportedproduct claims,  including comparisons with other vendors.  Claims using such words as “gold stars,” “certification,” and  “validation” are not appropriate, as the Connectathon is not a certification event and IHE is not a  certifying body. Companies using references to their IHE participation in ways that, in the view of the  sponsoring organizations, violate the spirit of the initiative will risk having their names removed from  the official list of IHE participants.

http://www.ihe.net/Connectathon/upload/NA_2008_Connectathon_Facts_for_Prod_Mgrs_1.pdf

 

por isto, o MS não deveria usar o termo como motivo para não ocorrer a licitação, já que isto poderia até prejudicar a Alert. Duvido que a Alert tenha usado este termo. Seus profissionais são muito competentes e ciosos de sua participação no IHE. No penúltimo, tiveram que ir e voltar de carro porque os vôos na Europa estavam cancelados (era a época do vulcão islândes, o primeiro).

– mesmo participando do IHE Europe e do IHE America, isto não cria maiores vantagens para interoperabilidade no Brasil, já que a maioria dos padrões europeus e americanos não são adotados no Brasil, e a maioria dos padrões brasileiros não são adotados lá. Infelizemte, não temos ainda um IHE Brasil.

– o MS tem participado (com maior ou menor compromisso, ao longo dos últimos anos) em diversos esforços para aumentar a interoperabilidade entre sistemas. Em uma recente discussão aberta pelo MS, apontou-se para a necessidade de adotarem-se arquiteturas e padrões estrangeiros (que estão alguns anos à frente de nós nestas discussões), depois de devidamente adaptados ao Brasil. Esta adaptação (mais conhecida como harmonização) ainda não se processou. Ela é capitaneada no Brasil por um time de profissionais do MS, do DATASUS, das operadoras privadas, da academia, da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde, da Socidade Brasileira de Computação, …. E está em andamento.

– Deveríamos, antes,  harmonizar padrões brasileiros e estrangeiros, dando chance aos fornecedores de software nacionais de competirem neste mercado. Antecipar os investimentos (vultosos, neste caso) pode resultar em prejuízo. Isto porque os artefatos implementados podem ter que sofrer importantes alterações para se adaptarem aos padrões posteriormente harmonizados.

– é interessante, estimulante mesmo, ver o MS disposto a investir em software para qualidade do atendimento nas unidades da FIOCRUZ. Sem dúvida, um dos locais ideais para começar a fazer pilotos de implantação. É uma instituição séria e dotada de gente muito competente. Mas seria muito bom ver estes recursos sendo aplicados com uma visão de futuro em que múltiplas empresas pudessem participar das próximas concorrências. Da forma em que se desenha, provavelmente não haverá “conversa”, isto é interoperabilidade, entre os softwares da Alert (mesmo sendo excelentes!) e os das empresas brasileiras.

– também vale a pena ressaltar que há outras soluções no país que poderiam ser citadas e que dão resultados semelhantes aos do software sendo comprado…

   – SIGA-Saúde, em São Paulo: http://www.ehealth-connection.org/files/conf-materials/SIGA%20Saude%20-%20Sao%20Paulo%20City’s%20Health%20Information%20System.pdf

      – SOUL MV : http://www.soulmv.com.br/ 

      – sistema desenvolvidos no HCPA, em Porto Alegre, e que foi adotado como base pelo MEC para um programa de desenvolvimento de sistemas de informação para GESTÃO hospitalar paperless (isso lá em 2009…

http://www.sbis.org.br/pep/apresentacoes/HCPA_Mariza.pdf

http://aghu.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=frontpage

– enfim…. o MS tem que ser parabenizado pela coragem. Mas…. seria melhor, do ponto de vista do bom uso do dinheiro público, diminuir a coragem e usar o dinheiro mais parcimoniosamente. Adotar uma estratégia mais “caldo de galinha quente”: um pouco de cada vez. Sem correr o risco de ficar amarrado com um único fornecedor para todo o futuro.

Do site de discussão da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde…


“Para se ter uma idéia como é alto esse valor,

1 – o quadro de detalhamento de despesas da FioCruz publicado em 2008 foi de 863 milhões de reais, http://www.fiocruz.br/diplan/ media/qdd_2008.pdf. Ou seja, o contrato estaria custando mais de 40% desse orçamento ANUAL! É quase tanto quando a Fundação gasta com seu pessoal, incluindo encargos sociais. Detalhe: são 11.000 funcionários (http://cadastro.catho.com.br/ FIOCRUZ/115230/).

2 – As maiores empresas de software hospitalar do Brasil tem receitas inferiores a R$ 60 milhões por ano cada (MV, WPD, Intersystems, Tasy)

3 – O total somado de faturamento anual das 4 maiores empresas brasileiras, que atendem cerca de 1.000 hospitais, equivale à menos que a metade do valor do contrato.

4. O faturamento mundial da ALERT em 2010 foi de 47 milhões de euros. A própria ALERT declarou que pretendia aumentar esse faturamento para 60 milhões de euros em 2011. Pelo valor citado do contrato, as regras de valorização de empresas permitiria comprar a empresa inteira, e ainda sobraria grana.

Fonte: http://www.helplink.com.br/ noticias/?p=1982

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Em tempo: após manifestações diversas na mídia (inclusive na coluna do Elio Gaspari), este investimento sem licitação foi adiado por 120 dias para análise de suas condições. Esperemos que a análise leve a melhores frutos. 

Redação

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