O abismo entre Dilma e o setor privado, por Claudia Safatle

Entre Dilma e o setor privado há um abismo

Por Claudia Safatle, do Valor Econômico

O Palácio do Planalto está ciente de que se estabeleceu um diálogo de “surdos e mudos” entre o governo da presidente Dilma Rousseff e parte do setor privado. Acredita que as maiores críticas e desconfianças são fomentadas pelo mercado financeiro e atribui isso aos interesses contrariados dos banqueiros, que teriam perdido o ganho fácil da alta taxa de juros que sustentava os elevados lucros do sistema. “Há, de fato, uma enorme má vontade do mercado financeiro com o governo”, admite uma fonte próxima à presidente. Mas há, também, uma grande “incompreensão” quanto à gênese da administração Dilma, aponta.

“A presidente não é estatizante. Ela é pragmática e esse é um governo “pró-mercado”. Embora queiram carimbar que esse é um governo Cristina Kirchner (da Argentina), ele não é”, assegurou a fonte.

Há um ano, Dilma foi aconselhada pelo ex-ministro Delfim Netto a se aproximar dos empresários, principalmente os da indústria, que desde 2010 têm tido um desempenho sofrível, ouvir suas dificuldades e queixas e remover os entraves ao investimento.

Sem investimento não haverá crescimento

O governo selecionou um grupo de 30 empresários – dentre eles três banqueiros – e começou a ouvi-los sistematicamente. Do primeiro encontro, em março, saiu uma lista de problemas a serem atacados: sobrevalorização da taxa de câmbio, elevada taxa de juros, custo de energia dos mais altos do mundo, pesada taxação da folha de salários, parcos investimentos em infraestrutura, dentre outros.

Dilma determinou a seus auxiliares que dessem respostas a cada um desses problemas. O real se desvalorizou, os juros caíram, a desoneração da folha de salários foi ampliada, o governo retomou as concessões de serviços públicos para o setor privado, preparou o corte na tarifa de energia e adotou medidas protecionistas para proteger alguns segmentos. “O Banco Central entrou no mercado de câmbio, porque 30 empresários vieram aqui e pediram isso à presidente”, explicou a fonte.

Mesmo depois de atender a essa demanda, particularmente da indústria, não há expansão notável dos investimentos e as desconfianças de uma parcela dos empresários só cresceram. Algo está errado.

Na Presidência, a avaliação é que as coisas não estão tão ruins como parecem. A produção industrial começa a reagir e estaria em curso uma tênue recuperação do investimento. Pode não ser uma performance brilhante para o segundo ano da gestão, “mas também não é o desastre que os economistas de bancos preconizam”, rebate a fonte.

Entre economistas e operadores do mercado financeiro e alguns setores da indústria, as críticas se avolumam. Fala-se do “intervencionismo”, da “mão pesada do Estado”, da forma “voluntarista” que o governo imprime às suas ações. Faz-se censura aos ideólogos do governo, um pequeno grupo de assessores que tem o respeito de Dilma, mas que estariam “assessorando muito mal a presidente”, aprofundando, com seu viés estatizante, o fosso que a separa hoje de parte relevante do setor privado.

A influência desse núcleo ficou clara no debate que se instalou por ocasião da elaboração do modelo de concessões dos aeroportos – ainda hoje sem definição – e se consagrou na maneira como o governo decidiu e anunciou as novas medidas do setor elétrico.

O pacote de energia elétrica anunciado no dia 11 de setembro trouxe uma boa e justa notícia – a redução da conta de luz – e uma solução importante para as concessionárias, cujas outorgas vencem entre 2015 e 2017. O governo decidiu antecipar a prorrogação das concessões, pagar indenização às empresas e beneficiar os consumidores que param de pagar por ativos já amortizados.

Quando anunciou as medidas, o mercado reagiu muito mal. Quando divulgou as indenizações, as ações da Eletrobras quase viraram pó, num movimento que o Planalto avalia como de ataque especulativo do mercado contra a empresa estatal.

A distância entre o que as concessionárias contabilizaram como indenização provável e os valores que o governo divulgou na véspera do feriado do dia 2 de novembro é abissal. A Eletrobras esperava cerca de R$ 30 bilhões e vai receber, em princípio, algo como R$ 14 bilhões.

Nesta semana, depois de muita discussão e divergências profundas entre o governo federal e as companhias elétricas, os técnicos federais constataram que há erros nas contas. No caso da usina Três Irmãos, da Cesp, por exemplo, o erro estava na data de início da operação da hidrelétrica. Três Irmãos entrou em operação em 1992, e não em 1983, como considerou o governo na hora de calcular a indenização. Só esse equívoco deveria elevar o valor do ressarcimento dos R$ 985 milhões originais para algo mais próximo a R$ 2 bilhões. Ontem saíram os novos valores, muito aquém do que esperavam as empresas e um banho frio nas expectativas.

Há inúmeras provas de que o governo Dilma é “pró-mercado”, citam seus colaboradores: a presidente quebrou o monopólio da Infraero; compreendeu que o Estado tem limitações para alavancar investimentos e está substituindo o PAC pelo regime de concessões; e, agora, está também revendo o que imaginava para os aeroportos.

“Dilma está atendendo o que foi sugerido pelos empresários, mas a forma perturba”, constatou fonte ligada à indústria. Criou-se, nessa concepção, uma desconfiança entre setor público e setor privado, que precisa ser resolvida. O receio de que ela continua prisioneira dos velhos pensamentos da esquerda estaria no centro dessa desconfiança.

O Planalto tem consciência da dimensão e dos efeitos dessa “incompreensão” por parte do setor privado em relação ao governo e admite que é preciso traçar uma estratégia para enfrentar o problema, principalmente junto ao mercado financeiro que não tem interlocução em Brasília. Mas se houver correção de conduta, ela terá que ser bilateral.

Por trás dessa preocupação está a percepção de que, enquanto prosperar a desconfiança, não haverá a expansão dos investimentos e, portanto, não haverá crescimento sustentável. Dilma terá só 2013 para apresentar bons resultados na atividade econômica. Em 2014, estará em campanha pela reeleição

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

Luis Nassif

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