Pontal: porque São Paulo falhou e o Paraná acertou

Por Fábio Lúcio

Uma rara oportunidade para verificar a diferença que faz a gestão, na prática. Uma pesquisa apoiada pela Fapesp comparou como se desenvolveu, ao longo dos anos, a região onde se encontram três estados da Federação, São Paulo (Pontal do Paranapanema), Mato Grosso do Sul e Paraná. Incrível as diferenças que encontrou. Nesse ambiente específico, por diversos motivos que têm relação não só com geografia, mas principalmente com gestão (articulação entre prefeituras, por exemplo), o Paraná está séculos à frente de São Paulo.

A matéria foi divulgada pela Agência Fapesp:

http://www.agencia.fapesp.br/materia/12551/linhas-nada-imaginarias.htm

Especiais

Linhas nada imaginárias

30/7/2010

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Na confluência entre os rios Paraná e Paranapanema se encontram também os limites de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Toda aquela região pode ter sido geograficamente homogênea no passado, mas, ao longo do tempo, a gestão e as políticas públicas próprias de cada Estado resultaram em diferentes dinâmicas socioambientais e em distintos estágios de desenvolvimento econômico, social e urbano.

As divisas interestaduais, originalmente formadas por linhas imaginárias – eventualmente arbitrárias –, transformam-se em limites entre realidades efetivamente distintas.

A fim de compreender e descrever esse tipo de processo, um grupo de pesquisadores está trabalhando, desde 2006, no Projeto Temático “Dinâmicas socioambientais, desenvolvimento local e sustentabilidade na raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul”, apoiado pela FAPESP.

Coordenado por Messias Modesto dos Passos, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Presidente Prudente (SP), o projeto tem a colaboração de pesquisadores de diversas outras instituições brasileiras e estrangeiras.

De acordo com Passos, a região das divisas estaduais fornece um modelo interessante para a compreensão do processo. As reflexões feitas pela equipe poderão posteriormente ser aplicadas para a análise de outros casos nos quais ocorrem diferentes formas de integração em parcelas territoriais pertencentes a âmbitos regionais distintos.

“O trabalho também tem o objetivo de contribuir para que as três parcelas se articulem, de modo que as experiências bem-sucedidas em cada uma delas sejam inseridas na política territorial de geração de renda e de desenvolvimento socioambiental”, disse à Agência FAPESP.

Para compreender esses processos, os pesquisadores abordam a discussão por diferentes perspectivas, que incluem estudos sobre meio ambiente, desenvolvimento rural, planejamento urbano e dinâmicas socioambientais e territoriais.

Um dos elementos centrais do projeto é a noção de raias divisórias: áreas de intergradação nas quais os processos se manifestam segundo uma lógica de descontinuidade objetiva da paisagem.

O conceito começou a nascer, segundo Passos, durante a elaboração de sua tese de doutorado “Pontal do Paranapanema: um Estudo de Geografia Física Global”, defendida no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), em 1988.

“Durante os estudos sobre o Pontal do Paranapanema, percebi que os limites do oeste paulista são válidos para alguns fenômenos, mas não para todos. Naquele momento, grandes usinas hidrelétricas estavam sendo construídas nos dois grandes rios e esses processos e impactos eram extrapolados para os Estados de Mato Grosso do Sul e Paraná”, disse.

A insatisfação do geógrafo com as limitações dos conceitos tradicionais de fronteiras políticas voltou à tona quando, a partir de 1994, começou a participar de programas de estudos conjuntos das universidades de Salamanca, na Espanha, e de Coimbra, em Portugal. Com apoio da União Europeia, o programa sediado na cidade portuguesa de Guarda passou a se dedicar a estudos transfronteiriços nos dois países ibéricos.

“As discussões sobre as regiões transfronteiriças, embora aplicadas a limites internacionais, foram um molde para a elaboração de uma alternativa conceitual que contemplasse estudos sobre aquelas três parcelas territoriais do noroeste do Paraná, oeste de São Paulo e sudeste de Mato Grosso do Sul”, disse.

Com formação de geógrafo, Passos se dedicou também ao longo da carreira a estudos sobre biogeografia. A interface com a biologia forneceu a ideia de raias divisórias a partir de artigos do biólogo Paulo Vanzolini a respeito de especiação biogeográfica.

“O conceito se aplicava a essas cisões sem caráter de divisão administrativa. Eu diria que as raias divisórias podem ser vistas também como uma impermeabilidade acentuada entre as parcelas do território submetidas às definições e redefinições territoriais mais ou menos independentes”, afirmou.

Em 2004, a Pós-Graduação da Unesp em Presidente Prudente propôs ao pesquisador a criação de um projeto de estudos em conjunto com o Instituto Florestal de São Paulo sobre um parque florestal localizado na região. A partir daí, o Projeto Temático começou a nascer com o envolvimento de equipes de consultores internacionais ligados a universidades de Portugal, Espanha e França.

“Na equipe brasileira, temos pesquisadores dedicados às temáticas de recursos hídricos – ligados a comitês de microbacias da região –, dinâmica atmosférica, clima local e cenários paisagísticos. Fomos costurando todas essas particularidades para formar um projeto que contemplasse a gestão social, as dinâmicas territoriais e o uso da terra”, disse.

O objetivo fundamental, segundo Passos, é fazer diagnósticos dos contrastes e conflitos socioambientais nos municípios dos três Estados e chegar a prognósticos que permitam subsidiar políticas públicas no futuro. O projeto envolve o diálogo com as prefeituras e câmaras municipais e a participação de estudantes de diversos níveis – da iniciação científica ao pós-doutorado.

“Trata-se de um projeto muito aberto dedicado especialmente às questões ligadas ao meio ambiente do território. No entanto, não falamos do meio ambiente de forma abstrata e setorizada, mas sim na perspectiva da complexidade e da gestão territorial. Isto é, estudamos o meio ambiente em toda sua diversidade não apenas natural, mas também social, econômica e de políticas públicas”, afirmou.

Diferenças marcantes

A região se tornou praticamente um laboratório ao ar livre. No Pontal do Paranapanema, no lado paulista da região, os pesquisadores verificaram que há uma rede urbana muito pobre, com sérios problemas de gestão. No Mato Grosso do Sul, a característica predominante é a da grande propriedade pecuária. Do lado paranaense, há uma intensa articulação de políticas públicas, com a formação de consórcios de municípios.

“No Paraná, é comum que cinco ou seis municípios criem consórcios para lidar com os problemas e programar políticas públicas. Mas a rede urbana existente é densa e favorece isso. Outra característica que diferencia muito as duas parcelas é que, no Paraná, a gestão de políticas públicas é trabalhada em parceria também com a iniciativa privada, o que não ocorre em São Paulo. As cooperativas paranaenses têm um papel muito importante na gestão do território e na motivação econômica”, disse Passos.

A história da estrutura fundiária paranaense ajuda a explicar por que a parcela paranaense permite hoje associações políticas mais elaboradas. A cultura do mundo rural no Estado é mais diversificada, com grande presença da economia urbana, envolvendo frigoríficos, indústria de laticínios, múltiplos usos do solo, policultura e um mercado de compra mais estável.

“No Pontal do Paranapanema o cenário é de uma pobreza muito maior. A região tem uma estrutura fundiária muito mais concentrada, com pouquíssima participação da iniciativa privada. Há a atuação importante de organizações não-governamentais na gestão de políticas públicas, mas elas concorrem umas com as outras e agem sem integração. Entre as prefeituras, a desarticulação é total”, explicou o professor da Unesp.

Do lado sul-mato-grossense, uma das características marcantes é a expansão do capital gerado a partir do noroeste paranaense e do oeste paulista – não do próprio Pontal do Paranapanema, mas de regiões como a de Araçatuba. “Muita gente se desloca de outros pontos do Mato Grosso do Sul para explorar as fazendas de pecuária na área próxima à divisa com São Paulo e Paraná”, afirmou.

Atualmente, uma característica comum às três parcelas é o impacto da expansão da cultura de cana-de-açúcar e das usinas de álcool. Nos três Estados há grandes projetos de expansão da cultura canavieira, com verticalização da produção de álcool, açúcar e energia. Tudo isso tem impactos socioambientais de grande escala, segundo ele.

“A cana-de-açúcar, em um primeiro momento, fixa-se em propriedades médias e grandes. Mas, em uma segunda etapa, seduz os pequenos proprietários, modificando de forma muito profunda a questão fundiária, as formas de uso da terra e o desenvolvimento social”, afirmou Passos. 

Luis Nassif

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