Recife desrespeita resultado da Conferência da Cidade

Do Direitos Urbanos | Recife

Prefeitura tenta aprovar PL que desrespeita resultado da Conferência da Cidade

Por Leonardo Cisneiros*

A Prefeitura da Cidade do Recife, por meio da Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano, enviou, no dia 18 de junho, um projeto de lei para a Câmara Municipal, o PLE 25/2013, que deve entrar em votação nos próximos dias, reformulando o Conselho de Desenvolvimento Urbano da cidade, com a ampliação do número de conselheiros e o realinhamento do Conselho sob o nome da nova secretaria. O PL, por conter tão pouco, parece inocente, mas a mera proposta de uma reformulação do Conselho para a sua continuidade conflita com uma das principais e mais noticiadas resoluções da última Conferência da Cidade: a extinção do CDU e a incorporação das suas atribuições ao Conselho da Cidade.

A principal razão para a adoção do modelo do Conselho da Cidade ao invés do modelo do CDU, abstração feita dos nomes, é a recomendação, a ser nacionalizada quando da implementação do Sistema Nacional da Política Urbana, de concentrar em um único conselho, com ampla participação da sociedade civil, todas as políticas urbanas setoriais que hoje em dia estão espalhadas em conselhos e secretarias distintas, como as de habitação, de saneamento, mobilidade etc. Essa fragmentação, típica da condução da política urbana em Recife, é o que faz com que, por exemplo, se discuta mobilidade de forma divorciada do planejamento do uso do solo e da conveniência de grandes empreendimentos ou que se discuta habitação sem se falar de como a verticalização excessiva pressiona os preços e afasta a população mais pobre das áreas centrais da cidade. É a falta de uma visão integrada da cidade, de um planejamento de longo prazo, que faz com que a cidade seja construída lote a lote, que o problema da mobilidade seja sempre resolvido em gambiarras de curto prazo e que o problema da habitação seja respondido com conjuntos habitacionais de péssima qualidade urbana. A necessidade de planejamento urbano de verdade sempre um item central da pauta do Direitos Urbanos e, com o aumento dos debates sobre a cidade no ano passado, foi incorporado ao discurso do atual prefeito pelo menos na hora de fazer campanha eleitoral e de prometer um Plano Recife 500 Anos, para planejar a cidade pelos próximos 24 anos. Mas não tem sentido pensar na cidade a longo prazo se a destruirmos no curto prazo.

CDU tem sido um símbolo dos erros da condução do desenvolvimento urbano do Recife, o que explica o destaque dado na imprensa à notícia de sua extinção. Na letra morta do Plano Diretor nunca aplicado, o Conselho de Desenvolvimento Urbano teria parte das atribuições de planejamento da cidade a longo prazo citadas acima. Porém, na prática, o CDU tem sido bem menos que isso. Tem se limitado a um avaliador de projetos de empreendimentos de impacto e mesmo nisso tem seus poderes bastante reduzidos: limita-se a propor mitigações para projetos que, antes de qualquer outra questão, deveriam ser avaliados em seu interesse para a cidade; essa análise não tem sido informada pelos instrumentos legais de avaliação de impacto previstos na lei, como o Estudo de Impacto de Vizinhança e o Estudo de Impacto Ambiental, nem por uma ampla escuta da população em audiências públicas; e, por fim, como já dito, os projetos são avaliados caso a caso, lote a lote, sem a perspectiva de um planejamento integrado da cidade e isso faz com que a coletividade acabe arcando com os custos públicos de empreendimentos que são privados. O caso da aprovação pelo Conselho do Projeto Novo Recife, combatida pelo grupo Direitos Urbanos pelo seu desrespeito à legislação urbanística e ao princípio da participação popular, deveria ter servido como o ato final da decadência de um conselho que já tinha minado a sua legitimidade na aprovação de projetos irregulares como as Torres Gêmeas e o Shopping RioMar.

Mas a Prefeitura, além de atrasar o início do processo de implementação do Conselho da Cidade, envia, em regime de urgência, um Projeto de Lei que ou é desnecessário, porque reforma um conselho que deveria ser extinto dentro de poucos meses, ou revela a intenção de manter o CDU atuando ao lado do Conselho da Cidade, como era a idéia do secretário João Braga antes da Conferência. O plano de manter dois conselhos paralelos, um meramente consultivo para o planejamento urbano e o outro deliberativo para o controle urbano, é radicalmente conflitante com tudo o que foi dito acima sobre como deveria ser a condução do desenvolvimento de uma cidade e, ao criar dois conselhos paralelos enfraquecidos, somente serviria para que as construtoras pudessem avançar sobre o que ainda resta do Recife com ainda menos controles do que o pouco controle atual. As intenções da Prefeitura com esse projeto de lei ficam ainda mais duvidosas quando resgatamos uma nota do colunista de economia do JC, datada de 13 de junho (ao lado), informando que a reformulação do CDU foi apressada e motivada por demandas do setor imobiliário, preocupado com a demora na aprovação de VINTE E OITO empreendimentos de impacto propostos na cidade.

Colunista do JC revela que a reformulação do CDU é por uma pressão para aprovação de grandes empreendimentos imobiliários

Colunista do JC revela que a reformulação do CDU é por uma pressão para aprovação de grandes empreendimentos imobiliários

Ora, a proposta de extinção do Conselho era justamente por sua incapacidade de fazer essa análise na perspectiva de um planejamento urbano integrado, mas essa nota endossa a suspeita de que esse CDU reestruturado continuará sendo um carimbador de projetos, um mero aprovador de planos da iniciativa privada. Mas o mais imoral ainda é que nossa cidade sofre com um inquestionável caos urbano causado por leis que não foram revisadas para a realidade atual e, em particular, por causa de um Plano Diretor que nunca foi regulamentado e completamente implementado. Dentre diversos outros instrumentos, sofremos com a não aplicação do Estudo de Impacto de Vizinhança para empreendimentos que podem acabar com a mobilidade de setores inteiros da cidade, destruir o comércio local, gerar inflação nos imóveis e vários outros efeitos. E diante desse imenso rol de leis não regulamentadas, a Prefeitura do Recife decide regulamentar não o que permitiria um controle social maior do desenvolvimento urbano, mas somente aquilo cuja falta de regulamentação está sendo colocada como um entrave ao apetite do mercado imobiliário!

Por fim, é preciso lembrar que ignorar e bater de frente com a resolução da Conferência da Cidade, a mais alta instância de participação popular na discussão do desenvolvimento da cidade, é afrontar o princípio da gestão democrática da cidade, cujas raízes remontam à Constituição. E tanto isso é importante que o Estatuto da Cidade, em seu artigo 52, inciso VI, elenca como caso de improbidade administrativa do prefeito “impedir ou deixar de garantir” a participação da população no processo de elaboração e implementação do Plano Diretor. Como o CDU é um Conselho definido no Plano Diretor, o presente Projeto de Lei deve ser considerado parte de sua implementação e, portanto, deveria, sob pena de improbidade, ser objeto de extenso debate com a sociedade. Mas esse debate já ocorreu — foi a V Conferência — e nele foi decidido que o CDU deveria ser extinto.

*Leonardo Cisneiros é filósofo e professor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco).

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador