Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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A Nova República Bananeira: os EUA, o peso da demografia e o desafio da diversidade, por Jorge Alexandre Neves

O que está acontecendo nos EUA que leva a tal rebaixamento inédito de sua centenária democracia? É a demografia, estúpido!

A Nova República Bananeira: os EUA, o peso da demografia e o desafio da diversidade

por Jorge Alexandre Neves

Escrevo estas linhas enquanto assisto, em tempo real, a invasão bárbara ao Capitólio. Salta aos olhos a homogeneidade racial dos invasores, brancos e aloirados, como também os eram, esmagadoramente, os bárbaros invasores da velha Roma latina. Troco mensagens instantâneas com meu amigo Fabrício Fialho, grande pesquisador da desigualdade política inter-racial no Brasil, nos EUA e na África do Sul, hoje trabalhando em terras britânicas, que concordou de imediato com minha observação e adicionou a questão central de um artigo publicado no site da Universidade Harvard (1): “ser americano = ser branco?”. A identidade nacional nos EUA tem um claro viés de raça! Só brancos podem ser reconhecidos como “patriotas”, é o que mostra o artigo.

O que está acontecendo nos EUA que leva a tal rebaixamento inédito de sua centenária democracia? É a demografia, estúpido! Não é a primeira vez na história que vemos uma elite étnico-racial demograficamente majoritária se sentir acuada com o crescimento demográfico de grupos minoritários. Já vimos casos no passado (ex.: Líbano) e ainda veremos muitos outros no futuro (na Europa já vemos processos semelhantes se iniciando).

No caso dos EUA, embora os negros, enquanto grupo étnico-racial, estejam lá há muito mais tempo do que alguns grupos étnicos brancos (como os italianos, entre outros), eles não foram incorporados à identidade nacional “americana” como os grupos brancos. Vimos o que aconteceu no Líbano (poucos sabem disso, mas há mais “libaneses” no Brasil do que no próprio Líbano). O que acontecerá nos EUA? Difícil prever. Uma coisa, contudo, é possível afirmar: a mudança na estrutura demográfica – em termos étnico-raciais – dos EUA, que fará com que, inexoravelmente, os brancos percam seu status de grupo majoritário em algumas décadas, está aproximando frações significativas dos brancos estadunidenses dos valores autoritários (golpistas) e exclusivistas típicos das elites brancas latino-americanas. Fica o desafio para nós cientistas sociais: como conciliar democracia, desenvolvimento econômico e equidade social (características típicas dos “países ocidentais”) com uma real diversidade étnico-racial? Arregacemos as mangas, colegas. Ao trabalho… Enquanto isso, vamos dar boas-vindas aos estadunidenses no clube das repúblicas bananeiras.

1 https://sites.fas.harvard.edu/~mrbworks/articles/manuscripts/devos_american.pdf.

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

6 Comentários

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  1. Dentre os poucos cenários que imaginei possível, um deles era esta tragédia de hoje, pois o meu querido Trump é o que é, um fanfarrão nota 10 a quem deram o poder do maior país do planeta através do KKK Steve Bannon e Robert Mercer e o Facebook de Zuckerberg, um trio de luxo bem à altura de Trump e seu belíssimo penteado que custa a usa mais de 200 mil dólares anuais.
    O meu querido Trump hoje rasgou inteiramente a fantasia, mostrou a usa e ao mundo como ele sempre foi, inclusive enquanto esteve na Casa Branca, onde imaginou estar naquele programa de televisão em que atuou, porque foi all fired pra todos os lados.
    Agora, imagino que aquela imagem de maior das democracias foi pro brejo, e cabe lembrar a milenar
    sabedoria chinesa, cujo ministro preferia o tarado autoritário em mais 4 anos, situação que beneficiária a China como um todo.

  2. É um país com uma História muito complicada – e muito pouco resolvida. Há por lá uma série de problemas estruturais jogados para baixo do tapete. O racismo, p.ex. Por aqui, então, nem se fala. O potencial de dano de um lunático na presidência é ainda maior. Sabe-se lá o que o tal do Doido Jair tem na cartola para quando for derrotado em 22. Muita gente fala na Polícia Militar fazendo o papel desses invasores do Capitólio.
    Brasil e EUA se irmanam, com suas particularidades, claro, no racismo e no ódio às classes pobres. Ódio e medo. O meramente remediado daqui – nem falo em rico – tem um pavor tremendo de que, um dia, o povo tome pé da situação em que vive e resolva reagir. Talvez venha daí a obsessão pelo combate ao “comunismo”. Por “comunismo” as elites entendem tudo aquilo, por mínimo que seja, com potencial para melhorar um pouquinho a vida das classes baixas. Paulo Freire, com sua educação para a autonomia? “Comunista, claro.” Bolsa família? “Coisa de comunista. Mulher com três filhos tem mais é que ser doméstica sem carteira assinada e ganhando mera fração de salário mínimo. E precisa dormir na casa do patrão, de segunda a segunda. Direito trabalhista? Coisa de comunista.” E por aí vai.
    Aqui (e lá), o cara que come três vezes por dia já acha que tem a história de sucesso de um Donald Trump (ou de um Luciano Huck). E fala como patrão. É o ilusionismo da literatura de autoajuda potencializado pelas redes sociais…

  3. (…)
    Tu sabes,
    conheces melhor do que eu
    a velha história.

    Na primeira noite eles se aproximam
    e roubam uma flor
    do nosso jardim.
    E não dizemos nada.

    Na segunda noite, já não se escondem:
    pisam as flores,
    matam nosso cão,
    e não dizemos nada.

    Até que um dia,
    o mais frágil deles
    entra sozinho em nossa casa,
    rouba-nos a luz, e,
    conhecendo nosso medo,
    arranca-nos a voz da garganta.

    E já não podemos dizer nada
    (…)

    Eduardo Alves da Costa – No Caminho com Maiakovski

  4. Jorge Neves

    Pelo meu conhecimento, há tempos, o segundo maior grupo étnico nos EUA são os “chicanos”, que superaram os negros. São igualmente desprezados e marginalizados pela maioria branca.

    Acontece que a sociedade americana é uma sociedade doentia, acossada por desejos insaciáveis, veiculada pela mais infernal máquina de propaganda e manipulação da sociedade.

    Recomendo verem o documentário da BBC de Adam Curtis “O Século do Ego”, disponível na Netflix e outras plataformas de mídia.

    Desde os anos 80, gestão Ronald Reagan e seu neoliberalismo, o país está em decadência social, inclusive a maioria branca.

    Entre países da OCDE, os EUA são o país com maior percentual de pobres e miseráveis.

    Há muito tempo, a dita Democracia americana é apenas uma bela fachada, a esconder que a disputa de fato se dá apenas entre dois partidos, ambos cooptados pelo dinheiro dos financiadores de suas campanhas eleitorais.

    Hoje, neste jornal GGN, fiz alguns comentários sobre a redução do desemprego e aumento da renda das famílias na gestão Trump, como fator explicativo para a fidelidade de quase metade da sociedade, e da maioria branca, aos apelos extremados do atual presidente.

    Mais informações podem ser vistas no livro de Noam Chomsky, “Réquiem para o Sonho Americano”, leitura indispensável para “nosotros” que desejam falar sobre a sociedade do Tio Sam.

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