Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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A permanente acusação de antissemitismo como arma do Apartheid, por Bruno Beaklini

Se compreendermos a condição mitológica de “semita” como também pertencendo aos povos árabes, o Estado de Israel é “essencialmente” antissemita.

Manifestação de apoio a Israel em Washington, Estados Unidos da América, em 18 de julho de 2014 [Ministério das Relações Exteriores de Israel]

do Monitor do Oriente

A permanente acusação de antissemitismo como arma do Apartheid

por Bruno Beaklini

Recentemente escrevemos um artigo abordando as instituições centrais de apoio ao projeto colonial israelense. São elas a Organização Sionista Mundial, fundada em 1897; Fundo Nacional Judaico (JNF), fundado em 1901; Agência Colonial, fundada em 1929 e o Comitê de Relações Americano-Israelense. Existem outras estruturas permanentes que valem ser observadas com atenção. Uma delas, infelizmente, é a Liga Antidifamação (ADL na sigla em inglês, adl.org). Afirmo isso porque nem toda a atuação da ADL é passível de crítica, mas se trata de um instrumento fundamental para legitimar o apartheid colonial israelense dentro do guarda-chuva dos “direitos civis” e do liberalismo político do Partido Democrata dos Estados Unidos.

Fundada em 1913, nas suas primeiras décadas de existência, não estava diretamente vinculada ao sionismo e sim à defesa da comunidade judaica nos Estados Unidos. Considerando o ideal racista de “pureza” do país criado pelas treze colônias de peregrinos, puritanos e outras minorias professantes de um sionismo protestante, imigrantes eurojudeus eram muito mal vistos, em especial pela intensa e gloriosa participação no movimento socialista internacional desde os primórdios. Criada para proteger da calúnia, do estereótipo e da difamação vinda de grupos de mídia, políticos profissionais e aparelhos de Estado (como o manual do exército imperialista), a ADL teve relevante papel na luta em conjunto com a comunidade afro-americana e contra o extremismo da direita branca. Como a extrema-direita dos EUA é assumidamente antissemita, a Liga Antidifamação tem muito trabalho e adversários na política doméstica. “Curiosamente”, trata-se do mesmo campo de alianças para sustentar o projeto colonial de Israel, apoiado de forma incondicional pelo Tesouro da superpotência e seu complexo industrial-militar.

Propositadamente, a ADL “confunde” o antissemitismo proferido nos países ocidentalizados com a posição anti-imperialista de críticas ao Estado de Israel. Afirmam, de forma cínica, que as campanhas nos campus universitários contra os estrangeiros que ocupam a Palestina formam uma preocupação permanente, e colocam esse ato legítimo no mesmo potencial de ameaça que os comícios da Klu Klux Klan e outras agrupações semelhantes. O cinismo é do tamanho do financiamento militar do império para Israel. Se hoje a maior ameaça doméstica dentro dos EUA é o extremismo racista branco, o apoio incondicional deste setor à administração Trump, o papel nefasto de Jared Kushner, a mudança da embaixada do império para Al Quds ocupada e a escalada da tensão no Oriente Médio jamais incomodaram esta instituição.

LEIA: Israel e EUA: uma aliança essencial

A projeção internacional da Liga é ainda pior. Ao fazer um mapa global do antissemitismo, a instituição é cínica o bastante de acusar a povos semitas e camitas como sendo contra si mesmos. Seria uma espécie de inconsciente coletivo, caso de tratamento psiquiátrico em escala societária, ao afirmarem que 74 por cento da população do Oriente Médio e do Norte da África professa alguma espécie de “antissemitismo”. Beira o absurdo que europeus e seus descendentes, coletividades étnico culturais convertidas ao judaísmo, denominem de “antissemitas” populações árabes, arabizadas ou que culturalmente se expressam na língua árabe; assim como países islamizados como Turquia e Irã. Segundo a ADL, cerca de dois terços da cidadania do Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia, Egito, Iêmen, Omã, Emirados Árabes Unidos, Catar, Arábia Saudita, Jordânia, Palestina Ocupada, Líbano, Síria, Irã e Turquia manifestam alguma forma de odiar ou a si mesmos ou a seus vizinhos milenares. Ainda segundo esta mesma instituição, dos 275.147.371 adultos destes países, ao menos duzentos milhões estariam sob o alvo ou reproduziriam o “antissemitismo”. Tal afirmação seria apenas ridícula se não escondesse o fato, concreto, de que o Estado Colonial de Israel, país inventado por potências imperiais, invasores europeus e anglo-saxões, simplesmente importa população para impor o apartheid na Palestina. As denúncias a este absurdo, a Liga denomina de “antissemitismo” ou críticas contra Israel que ultrapassem o limite. Qual limite? Quais seriam os limites toleráveis para criticar o regime semelhante implantado na República Sul-Africana a partir de 1949, incluindo a ocupação militar da atual Namíbia além da aliança racista com a antiga República da Rodésia (Zimbabwe)?

[Charge Latuff]

O jogo duplo da ADL

Outra atribuição clássica da ADL é perseguir intelectuais judeus que não apoiem o colonialismo de Israel. O professor Noam Chomsky, intelectual judeu socialista e antissionista, foi alvo de espionagem da Liga Antidifamação já na década de 70. Ao mesmo tempo, o próprio Chomsky aponta o trabalho de denúncia da ADL “antirracista” (por conveniência diria):

“Algumas indicações sobre o ‘racismo na era Trump’ são fornecidas pelo registro de violência racialmente motivada. De acordo com a Liga Antidifamação, em 2016, antes da posse de Trump, essa maldição representava 20% das mortes relacionadas ao terrorismo nos EUA. Em 2018, o número subiu para 98%. E continuou nesse nível desde então. O diretor do FBI, Christopher Wray, relatou que extremistas com motivação racial e étnica eram a principal fonte de incidentes e violência letais motivados ideologicamente desde 2018, e que 2019 marcou o ano mais mortal da violência supremacista branca desde o atentado a bomba em Oklahoma City em 1995, relata a Foreign Affairs”.

Noam Chomsky, justamente em função de seus posicionamentos públicos contra a política expansionista de Israel, foi impedido de entrar na Palestina Ocupada em 2010.

“Segundo o próprio Chomsky, em entrevista à televisão al-Jazeera, o motivo seria o convite a dar uma palestra na universidade palestina Birzeit e no Instituto para Estudos Palestinos, em Ramallah, na Cisjordânia. Depois de ter sido interrogado durante mais de três horas, Chomsky teve o seu passaporte carimbado com a frase ‘entrada recusada’”, registra o site Sul 21.

Trata-se de mais uma comprovação de que o apartheid persegue inclusive judeus antissionistas, além de acusar a todas e todos de “antissemitas”, mesmo quando se trata de semitas defendendo-se da agressão de europeus.

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Israel é um Estado colonial baseado no antissemitismo

Se compreendermos a condição mitológica de “semita” como também pertencendo aos povos árabes, o Estado de Israel é “essencialmente” antissemita. Considerando que as colônias judaicas foram povoadas basicamente por pessoas com origem europeia, a perseguição antissemita e de apostasia islamofóbica, além de promover pogroms e limpeza étnica no território, trata-se de uma política semelhante ao da “reconquista Ibérica” e mitos semelhantes. Não há uma “santa” inquisição para queimar “hereges” judeus e árabes; mas temos europeus financiados por anglo-saxões perseguindo semitas e expulsando uma população de suas terras ancestrais.

O objetivo estratégico é a diplomacia pública do sionismo

ADL afirma:“..está preocupada com quantas campanhas anti-Israel, como o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções), fornecem respostas simplistas, injustas e não construtivas para o complexo conflito israelense-palestino, sem dar importância ao avanço do diálogo israelense-palestino, reconciliação e paz”.

Desta forma, sem meias palavras, se posiciona a favor de um Estado de apartheid e classifica iniciativas legítimas como o BDS como retórica extremista que leva ao antissemitismo. Pura guerra de propaganda e jogo cínico de palavras, indo ao encontro de redes alinhadas com o Ministério de Assuntos Estratégicos e suas campanhas difamatórias em escala global.

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Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

1 Comentário

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  1. Meu comentário é só sobre um detalhe do texto, que nao li inteiro. É sobre o pretenso argumento de que a palavra antissemta incluiria a discriminaçao de todos os povos semitas, árabes incluídos, e nao só os judeus. Gente, nem para defender uma causa justa se devem usar argumentos inválidos. Essa é a etimologia da palavra, mas etimologia nao é significado (a palavra professor, por ex., nao significa quem professa algo, mas sim quem ensina). A palavra antissemita nao é usada com esse sentido, ela nomeia apenas a discriminaçao contra judeus. Até porque só se dá nome ao que existe (pode existir apenas na imaginaçao ou na cultura, claro, como fadas ou sacis), e o único movimento histórico que incluiu perseguiçao a judeus e árabes juntos foi a Inquisiçao, que nao era baseada em questoes étnicas e sim religiosas. Daí a palavra antissemita ser aplicada apenas à discriminaçao/perseguiçao contra os judeus, que essa sim existe secularmente. Hoje há perseguiçao sobre palestinos também, nao estou negando isso, claro, mas ela nao se dá a qualquer semita conjuntamente.

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