Boicotes, apartheids e artistas – I

Por Walnice Nogueira Galvão

Músicos de rock sempre se salientaram na defesa dos perseguidos. Aproveitam sua própria visibilidade pop, organizando e capitaneando, entre outros, o movimento contra o apartheid na África do Sul, a que aderiram muitos artistas.

Uma ocasião exemplar foi o show realizado em Londres para reivindicar a libertação de Nelson Mandela, em seu aniversário de 70 anos. Este, como se sabe, ficou 27 anos preso na cadeia de Robben Island fazendo trabalhos forçados, ou seja, quebrando pedras.

Tratou-se de um megaevento que durou 11 horas em 1988, no gigantesco Estádio de Wembley, em Londres, repleto em sua lotação de 127 mil. O alvo era a libertação de Mandela, àquela altura preso há mais de 20 anos. Era crucial a retransmissão pela TV, para fazer o planeta inteiro saber quem ele era e o que era o apartheid – regime até então resguardado pelo sigilo.

O maior show político da história foi televisionado em 67 países e alcançou audiência de 600 milhões. Proibido na África do Sul, causou escândalo internacional. Juntamente com um boicote generalizado, acarretaria a soltura do líder, dois anos depois.

Foram voluntários muitos artistas africanos e não africanos, alguns pouco e outros mais conhecidos. Reuniram-se em Londres, porque nenhum artista que se preze iria apresentar-se na terra de Mandela, um país racista em que vigora uma guerra interna contra um oprimido étnico. Entre eles, Harry Belafonte, que abriu as cerimônias, em homenagem a uma vida inteira de ativismo pela causa negra. Outro foi Sting, que já se destacou na defesa do meio ambiente. E ainda outro o inglês Richard Attenborough, diretor de um dos primeiros filmes de denúncia do apartheid.

Participaram ainda a cantora sul-africana Miriam Makeba, expulsa de seu país, que se casaria com o Pantera Negra Eldridge Cleaver. Este, autor de um dos mais importantes livros do Black Power, Soul on ice, só conseguiu escapar ao extermínio nos Estados Unidos porque se  refugiou na Argélia. E mais: artistas brancos de prestígio como Eric Clapton, Richard Gere, Daryl Hannah, ou negros como Stevie Wonder, Whoopi Goldberg, Whitney Houston. Bandas como Dire Straits e Simple Minds. A grande cantora de ópera Jessye Norman – e muitos outros.

Cativava o ouvido a canção-tema de estribilho inesquecível, entoado em uníssono pela multidão: “Free! Free! Free! Nelson Mandela!”

A organização coube a Tony Hollingsworth, que já vinha de uma iniciativa de amplo alcance, o show-monstro Live Aid de 1985, que levantara fundos para ajudar as regiões pobres do planeta.

Para quem se interessar, há diferentes DVDs com versão resumida do famoso megaevento, cujos títulos variam:  The Nelson Mandela 70th Birthday Tribute ou Freedomfest ou Free Nelson Mandela Concert ou ainda Mandela Day.

O cinema tampouco ficou indiferente, ajudando muito na campanha de divulgação das infâmias do apartheid e no boicote contra ele.

Até mesmo um filme de ação massificado como Máquina mortífera  mostraria os protagonistas engrossando uma manifestação em favor do boicote, às portas do consulado da África do Sul nos Estados Unidos. Puseram em cena diplomatas sul-africanos envolvidos no narcotráfico, o que era uma ousadia para o cinema, sempre disposto a pôr panos-quentes em tudo. Estrelavam Mel Gibson e Danny Glover, este um destacado ativista do movimento negro, em cuja defesa já falou no Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Foi um raro filme de entretenimento (aliás, um não: quatro) com partido tomado contra o racismo.

Há inúmeros outros de ficção ou documentários versando a biografia de Nelson Mandela, admirável condutor de povos e estadista. Também há vários sobre os demais aspectos terríveis do apartheid, com suas lutas clandestinas ou públicas, com lances inacreditáveis de heroismo e dedicação. Tantos deram a vida pela causa da liberdade, perecendo sob tortura ou por assassinato puro e simples: num país totalitário, não há a quem recorrer e nem contas a prestar.

Como não boicotar um regime que pratica o apartheid?

Redação

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