Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
[email protected]

Lucy Kellaway, please be back soon, por Rui Daher

Lucy Kellaway, please be back soon, por Rui Daher

Em 1967, fui à rua Martins Fontes, ao lado do edifício do Estadão, em São Paulo, para tirar minha primeira carteira de trabalho. Estudava no período noturno, o que me permitia ser um celetista, carteira assinada por uma empresa da família Maluf. Museus aceitam doações.

Nestes cinquenta anos, trabalhando em chãos de fábricas, galpões, escritórios, campos de lavouras, vi de tudo e a todos. Volta e meia, passagens e pessoas do período vêm-me à lembrança. Alguns me assustam, a maioria faz-me rir. Causos e gentes. Tristeza e saudade pelos que trilharam caminhos diversos ou caíram em combate, que trabalho é sempre isso. Nunca mais os vi.

Em 2004, quando o falecido amigo, jornalista e escritor Fritz Utzeri me convidou para escrever em seu jornal eletrônico, o Montbläat, a primeira ideia foi retratar as patacoadas que presenciava no ambiente de trabalho. Um batalhão de paspalhões. Seria moleza. O arsenal verdadeiro era farto e o ficcional imenso. Não lembro por que mudei de ideia. O anzol da política, talvez.

Lucy “In The Sky With Diamonds” Kellaway é a inglesinha típica de quando por lá andei nos anos 1970 e 80. Bonita, cabelo curtinho, olhar arguto e mordaz, lábios finos, como os textos que publica no Financial Times (FT), onde trabalhou por 32 anos.

Nesta semana, escreveu sua última coluna para o jornal: “Estou indo, mas vou sentir falta de todos os meus leitores”. No Brasil, seus excelentes textos semanais eram traduzidos pelo Valor. Recentemente, a Folha entrou nessa de gaiata.

Às segundas-feiras, era a primeira coisa que lia no Valor. Admirava sua verve, ironia, percepção fina e, principalmente, a coragem de, nominalmente, esculachar CEOs, discursos de presidentes, campanhas publicitárias, mensagens internas, programas de incentivos, enfim, toda a maçaroca de bobagens que sabemos ser uma enorme e hipócrita forma de enganar quem faz o trabalho.

Lucy Kellaway, 58 anos, é divorciada de David Godard com quem teve 4 filhos. Estudou na Camden School e em Oxford. Depois de trabalhar em empresas financeiras e publicações econômicas, em 1985, entrou no FT, onde escreveu durante 22 anos uma coluna que autopsiava a “cultura moderna nas corporações”. Sua forma, sempre satírica; seu conteúdo sempre consistente.

Neste ano, optou por ser professora de matemática para alunos de 13 a 15 anos, numa escola secundária de Londres, a “NewTeach”, obra educacional de caridade de que é cofundadora.

Manteve com o FT um compromisso de 12 colunas anuais. Sua compulsão por escrever, sua mordacidade, as asnices de que tomará conhecimento do mundo corporativo, a porra-louquice dos adolescentes ingleses, a farão logo voltar ao jornalismo. É uma aposta e um desejo.

“Come back soon, Lucy!”

Nota 1: Moro, Temer, Lula, Janot, pronto, falei deles, mereço leitura;

Nota 2: Com exceção da nota anterior, traduzi este texto para o inglês e enviei para a querida Lucy. Espero convite para um chá no “Tea House”. Se for para um “pint” no “The Princess Louise”, chego quinta.

https://www.youtube.com/watch?v=3AVWJzHvhFE]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=mgNYK96lQOg

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Dependendo do conteúdo, que

    Dependendo do conteúdo, que não pode ser chá, se for convite para um copo em qualquer lugar, me leva junto Rui ?

        1. Se precisar

          Indico aqui em BH onde tem um ótimo. Eu, que não sou cervejeiro, tomo dois fácil. E tem até um fish and chips.

  2. Todos têm suas razões…

     Falando nessa “causa perdida” que é a vida e o jornalismo [mas a gente pode ganha-a ao fim e cabo), lembrei de uma cena de “Ascensor para o Cadafalso” de 1958, em que o jovem personagem Louis ao ler nos jornais que o crime que cometeu e todas as contravenções tinham sido atribuidas à outra pessoa (no filme, o personagem Julien Tavarnier), replica “Os jornais dizem muita bobagem”. Então, quando algum bom cronista ou reporter se vai, ficamos com a sensação de que aumentam as bobagens dos jornais. Bom dia.

  3. Adorávamos os textos do

    Adorávamos os textos do Fortune, que o JB trazia traduzido, por dois motivos: primeiro, literário. Identificávamos algo diferente, talvez uma verve fecunda que nos faltava. Depois, por arejar-nos de um ambiente medíocre no qual vivíamos (época FHC).

    Contudo foi só isso. Desde que também a BBC apoiou invasão do Iraque, a partir de uma grande mentira, nossa visão foi se alargando. Hoje somos mais críticos e não conseguimos mais trocar uma Eliane Brum (ainda que conservadora politicamente) por uma inglesinha (quase) iconoclasta. E olha que ambas despertam nossa libido!…  

    1. Baader,

      nenhuma iconoclastia. Há muitos elogios e boas práticas de gestão em seus artigos. Eu, mais zombeteiro, gosto mais das gafes. Além do que, em termos literários, ela é ótima.

      Abraços

    1. Omar,

      já foram publicados alguns livros dela lá fora. Alguma editora no Brasil deveria fazer isso. Seria quase um livro de piadas.

      Abraços

  4. O “pujante” setor do besteirol corporativo

    É de se impressionar a quantidade imensa de dinheiro em que as empresas investem em papagueações motivacionais para, simplesmente, integrar os nossos colaboradores e cativar os nossos stakeholders.

    Tratam-se, nada mais e nada menos, que custos afundados que não levam a lugar nenhum, a não ser inflar as remunerações e os egos de ditos consultores de capital humano (para mim, gente loroteira, do discurso razo, superficial e vazio). Aqui nestas bandas temos inúmeros exemplos de como o inútil tranforma-se em necessidade. Consultores-show, midiáticos e faladores que, do nada (e, no limite, não são nada mesmo!), viram ícones do mundo corporativo, servindo para alimentar uma indústria de publicações, de eventos, enfim, de inutilidade. 

     

     

     

    1. Caro Eden,

      Esse um dos principais fatores que trava a economia brasileira, nos planos macro e micro. No primeiro, através de uma imbecilização por cima que tira a acapacidade de raciocínio próprio dos funcionários, com bordões de auto-ajuda, dancinhas patéticas, exposições públicas daqueles que se acham tímidos. É um horror regiamente pago. Na micronomia, vira pecado, sobretudo porque tira-se dinheiro de quem não tem, pensa que agora a empresa vai melhorar e, em meses, todo mundo já esqueceu tudo e ferrou. As empresas do Sistema S são mais sérias. O SEBRAE pode muito bem ser usado sem cobrar absurdos.

      Talvez, tenha mais raiva desses caras do que dos políticos, pelo menos, mais explícitos.

      Me revelando “consultor”, acredite, não faço isso.

      Abraços 

      1. As ideias e os vocabulários desde os anos 90

        Rui,

        Uma satisfação imensa interar-me com você. Leio os seus posts e os seus causos aqui com muita relevo, Tem um que ficou em minha memória, o dos “bacuris” do empregado fábrica de adubo que vc cuidava no ABC, onde deu pra sentir a sua angústia, diante de uma situação de trabalho muito complicada. 

        Lembro-me que, nos idos dos 90, a onda das teorias de administração de empresas fazendo fortunas mundo afora e que, por aqui, chegando sem nenhum filtro mais ponderável. Foi um período em que se pavimento terrerno para que, especialistas motivacionais corporativos de toda tipo. Até mesmo escolas consagradas  de administração resolveram imiscuir nesse campo, com os seus “PEC”s e cursos executivos de curta duração. O resultado é que, hoje, espraiou-se de vez, influenciando, até mesmo, na linguagem e no modo de ser das empresas. 

        Fica aqui um abraço para você.

         

         

         

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador