O maestro e humanista judeu

 

Por Luiz Eduardo Brandão

O Estadão traz hoje um belo artigo de Daniel Barenboim sobre a ofensiva israelense na faixa de Gaza. Incansável militante da paz, o maestro empenhou-se com o intelectual palestino, recentemente falecido, Edward Said, num belo projeto — o Divã Ocidental-Oriental — para promover, através da linguagem universal da música, a fraternidade entre jovens palestinos e israelenses. Um modesto mas precioso tijolo na construção do entendimento e da convivência fraterna entre os povos árabes e israelense. É a palavra de um humanista que se vale do renome que alcançou com sua grande arte para buscar soluções ao imbróglio médio-oriental. O maestro, que arranca aplausos em suas interpretações como regente e pianista, merece também os nossos pelo que aqui deixa dito:

A ilusão da vitória na Faixa de Gaza

Em carta aberta, maestro israelense diz que ofensiva militar é desumana e não garante segurança

Daniel Barenboim*, THE GUARDIAN

Tenho apenas três desejos para o ano-novo. O primeiro é que o governo de Israel se conscientize, de uma vez por todas, que o conflito no Oriente Médio não pode ser resolvido por meios militares. O segundo é que o Hamas se conscientize que não defenderá seus interesses pela violência, e que Israel está aqui para ficar. O terceiro é que o mundo reconheça que esse conflito não é igual a nenhum outro em toda a história.

É um conflito intricado e sensível, um conflito humano entre dois povos profundamente convencidos de seu direito de viver no mesmo pedaço de terra. É por isso que não poderá ser resolvido nem pela diplomacia nem pelas armas.

Os acontecimentos dos últimos dias são extremamente preocupantes para mim por várias razões de caráter humano e político.

Embora seja óbvio que Israel tem o direito de se defender, que não pode e não deve tolerar os constantes ataques contra seus cidadãos, os bombardeios brutais sobre Gaza suscitam profundas indagações na minha mente.

MORTES

A primeira é se o governo de Israel tem o direito de considerar todo o povo palestino culpado pelas ações do Hamas. Será que toda a população de Gaza deve ser responsabilizada pelos pecados de uma organização terrorista?

Nós, o povo judeu, deveríamos saber e sentir mais profundamente do que qualquer outro povo que o assassinato de civis inocentes é desumano e inaceitável. Os militares israelenses argumentam, de maneira muito frágil, que a Faixa de Gaza é tão densamente povoada que é impossível evitar a morte de civis.

A debilidade desse argumento me leva a formular outras perguntas. Se as mortes de civis são inevitáveis, qual é a finalidade dos bombardeios? Qual é a lógica, se é que existe alguma, por trás da violência, e o que Israel espera conseguir por meio dela? Se o objetivo da operação é destruir o Hamas, a pergunta mais importante a ser feita é se esse objetivo é viável. Se não é, todo o ataque não só é cruel, bárbaro e repreensível, como também é insensato.

Por outro lado, se for realmente possível destruir o Hamas por meio de operações militares, que reação Israel espera que haja em Gaza depois que isso se concluir? Em Gaza vivem 1,5 milhão de palestinos, que seguramente não cairão de joelhos de repente para reverenciar o poderio do Exército israelense.

Não devemos esquecer que o Hamas, antes de ser eleito, foi encorajado por Israel como tática para enfraquecer o então líder palestino Yasser Arafat. A história recente de Israel me faz acreditar que, se o Hamas for eliminado por meio de bombardeios, outro grupo certamente tomará o seu lugar, um grupo que talvez seja mais radical e mais violento.

VINGANÇA

Israel não pode se permitir uma derrota militar porque teme desaparecer do mapa. No entanto, a história demonstrou que toda vitória militar sempre deixou Israel em uma posição política mais fraca do que a anterior por causa do surgimento de grupos radicais.

Não pretendo subestimar a dificuldade das decisões que o governo israelense precisa tomar a cada dia, nem subestimo a importância da segurança de Israel. Entretanto, continuo convencido de que o único plano viável para a segurança em Israel, no longo prazo, é obter a aceitação de todos os nossos vizinhos.

Desejo para o ano de 2009 a volta da famosa inteligência que foi sempre atribuída aos judeus. Desejo a volta da sabedoria do Rei Salomão para os estrategistas israelenses, a fim de que a usem para compreender que palestinos e israelenses gozam de idênticos direitos humanos.

A violência palestina atormenta os israelenses e não contribui para a causa palestina. A retaliação militar israelense é desumana, imoral e não garante a segurança de Israel. Como disse antes, os destinos dos dois povos estão inextricavelmente ligados e os obriga a viver lado a lado. Eles terão de decidir se querem que isso se torne uma bênção ou uma maldição.

Luis Nassif

18 Comentários

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  1. Tudo é válido pela paz.
    Tudo é válido pela paz.

    E fico lendo sóbrias considerações.

    E outros bla bla bla.

    É o seguinte:

    Um terrorista deixará de ser terrorista depois do desejo alcançado?

    Ou ele terá outras motivações pra aterrorizar outras partes do mundo?

    Numa analogia barata,bem barata, quando CHE ajudou a invasão de Cuba,tentou outras invasões.E foi morto( é evidente o fim)

    Mas não é essa a questão.

    quando um terrorista ”’vence”,ele quer continuar ”vencendo” em outros paises.E depois conquistar o MUNDO através de seus ideias( que na cabeça dele é o certo)

    Ouseja,impor na marra seu pensamento.

    Pra não me alongar muito:

    CADA TERRORISTA MORTO,É UM PEDACINHO DE PAZ QUE SE ANUNCIA.

    Que morram todos,pra que a paz seja estabelecida.

  2. Luis,enfim uma voz sensata em
    Luis,enfim uma voz sensata em meio á barbárie que se arrasta a décadas,naquele pedaço de chão, que a despeito da “aura” de sagrado,só tem causado mortes e sofrimento.parabéns pela matéria e pela certeza de que ainda a esperanças se se ouvir vozes como essa do Sr.Daniel,abraços

  3. Luis , acrescente rapidinho
    Luis , acrescente rapidinho mais uma voz a ser ouvida e seguida,Gideon Levy ,de quem acabei de ler um artigo em outro tópico do seu blog.abraços

  4. Aqui do Alto Xingu, os índios
    Aqui do Alto Xingu, os índios alertam quanto ao perigo do raciocínio simplista do Anarquista: quando somos nós que qualificamos alguém de terrorista, temos o direito de matá-lo. Tudo bem. Agora, e o reverso: E se alguém considerar que nós é quem somos terroristas? Não terá o mesmo direito de nos matar? Aonde iremos com raciocínios estúpidos como esse? Quanto à solução do conflito no Oriente Médio, tem de haver o reconhecimento do direito à autodeterminação dos judeus em alguma coisa como o Estado de Israel, assim como tem de haver o direito à autodeterminação dos palestinos em alguma coisa como um Estado Palestino. Todos sabem que esse Estado palestino abarcaria a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, mais ou menos conforme as fronteiras que existiam antes da Guerra dos Seis Dias, de 1967. Essa solução óbvia tem sido simplesmente bloqueada pelos Estados Unidos há décadas, que apóiam aquilo que Henry Kissinger, nos anos 1970, chamou de “irresolução”, ou seja, o bloqueio de uma solução política. Venceu a política da linha-dura: deixar as coisas como estão, manter o sistema de opressão e o genocídio israelense. Ter um Israel aguerrido e militarista é parte da estratégia norte-americana no Oriente Médio. Mas, não nos enganemos, os Estados Unidos não dão a mínima para Israel: se ele entrar pelo cano ou não, não há nenhuma obrigação moral norte-americana nisso. Mas, para eles importa o controle dos enormes recursos em petróleo do Oriente Médio, varável-chave para o controle norte-americano do mundo. Tal como destacou um Memorando do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, de 1958, o principal inimigo daquele país no Oriente Médio é o nacionalismo. Traduzindo: independência, ou seja, países buscando um outro rumo que não a submissão às necessidades do poder norte-americano. Israel, junto com a Arábia Saudita — com a maior produção e as maiores reservas de petróleo do mundo — e o Irã, na época do Xa, serviram e servem a esse poropósito. Israel, como a terceira força armada do mundo, é o “Guardião do Golfo”. A novidade é que, ultimamente, tem atuado como Estado mercenário para os Estados Unidos, como denunciou ninguém menos que Noam Chomsky, intervindo em questões da África, em apoiuo a ditaduras no Terceiro Mundo, motivo pelo qual recebe um auxílio tão extr5aordinário do Império. Daqui ouvimos os sinos das igrejas palestinas. Não perguntem por quem eles dobram. Eles dobram por nós.

  5. Discordo plenamente das
    Discordo plenamente das afirmações de Anarquista. Quem inventou o terrorismo moderno foram os judeus, na campanha para que os ingleses deixassem a Palestina. Depois os lideres do grupo se tornaram pessoas imporatantes no Estado de Israel, sem que tenham se tornado pessoas que queriam “conquistar o mundo”.

  6. Ateh o momento as poucas, se
    Ateh o momento as poucas, se eh que existiram, conquistas palestinas se deram atraves de conflitos. Nao me refiro a atos terroristas cometidos a partir de 1948 mas, principalmente a primeira intifada, que forcou inclusive a Fatah a mudar de tatica.

    A formacao do estado de Israel, tambem nao pode, creio eu, ser considerada como obra dos terroristas judeus do Irgun e Stern, entre outros, que levaram ao Oriente Medio essa nova ” tecnologia ” nao apenas como metodo como tambem se superaram nas varias formas: assassinatos de mulheres gravidas, criancas, etc. Mesmo estes crimes sendo denunciados ja na epoca por alguns jornalistas, politicos e diplomatas ocidentais, a midia em geral e a opiniao publica nunca se indignaram por estes crimes contra a humanidade.

    Estes, entre outros motivos, que tornam tao importantes os pensamentos e as pessoas como Daniel Barenboim, que nao apenas faz parte da populacao envolvida diretamente como pertence ao lado vencedor ateh o momento.
    E, mesmo assim, eh uma voz contra a violencia. Contra assassinatos. Contra assassinos.

    Somos bilhoes de seres humanos. Diferentes uns dos outros, com pensamentos e valores proprios de cada individuo e grupo social.

    Obras, gestos e palavras com as de Said Barenboim sao importantes, mesmo que pequeno(a)s porque servem de contraponto a tantos fascitas, nazistas e outros tantos patifes que defendem criminosos atraves de justificativas morais. Sempre encontrarao a quem defender, pois tambem sempre havera aquele perpetrador que comete as barbaries que aqueles que os defendem, gostariam de cometer. Apenas nao o fazem por nao terem ou a oportunidade ou a coragem.

  7. Eu gostaria de perguntar ao
    Eu gostaria de perguntar ao maestro humanista e judeu se ele, longe da comodidade que lhe é justa , estando fora dela , por exemplo lá mesmo naquele território da diáspora , de brutal sofrimento e passando pelos martírio daquele mesmo povo a quem o saudoso Edward Said atribuiu uma mesma origem , faria referéncia de “Radical ” a quem tem como arma de defesa apenas a indignação e o atalho da morte brutal e covarde de um Estado criado sob a mesma lógica do pensamento colonialista europeu .

    Obrigado ,
    Paulo Sérgio

  8. Caro Nassif,

    É preciso muita
    Caro Nassif,

    É preciso muita coragem para escrever o que o Daniel Barenboim escreveu, justamente por ser judeu e ficar à mercê de grupos sionistas (opa, posso ser enquadrado aqui) que tendem a enterrar quem não reza pela cartilha da guerra.

    Pelo menos um fato importante foi distorcido no texto: Israel não está se defendendo: é uma força invasora na Palestina (não estou negando o fato do estado de Israel ter o direito de existir onde está, estou falando dos territórios ocupados). Este argumento (o de estar se defendendo) Israel poderá usar quando voltar a ocupar o seu espaço geográfico determinado pela ONU.

    Mas o fato de uma figura tão conhecida e judia se colocar contra esta violência imoral deve ser saudada e louvada. Precisamos urgentemente de pessoas sóbrias em relação ao tema, o que com certeza, não passa pelos líderes religiosos e políticos (em minha opinião os principais responsáveis pela matança).

    O fato é que o sentimento de impotência está batendo em quem, como eu, fica chocado com a barbárie e vê que Israel não se pauta em nenhum tipo resposta de opinião pública que não seja eleitoral ou religiosa.

    Decepcionante é ver que os países mais importantes do mundo compraram (ou fingem comprar) a tese de que Israel está apenas se defendendo.

    Enquanto é isto convivemos com este tipo de pensamento que o anarquista colocou como comentário, não sei se de brincadeira, mas tristemente coerentes com as ideias que ele tem expressado na comunidade. Uma pena!

    Cada pessoa morta no mundo é um pedacinho da paz que foi embora para sempre, seja judeu, palestino, brasileiro, gringo, favelado, empresário, terrorista ou … anarquista.

    Tovar

  9. A lucidez do judeu Daniel
    A lucidez do judeu Daniel Barenboim, além do seu imenso, imensurável talento musical, nos desarma quanto a qualquer acusação contra a população de Israel.
    Resta a percepção que o Estado de Israel não está à altura do seu povo.

  10. A única reação digna que se
    A única reação digna que se pode esperar de um povo sob ocupação é a resistência. Isto é o que os palestinos estão fazendo contra inimigos muito mais poderosos (Israel e EUA) há décadas. Infelizmente o povo judeu foi envolvido pela lógica imperialista e está apoiando esse neocolonialismo. Deveria lembrar que as mesmas forças que hoje defendem a expansão das colônias negociaram com os nazistas a libertação de judeus ricos, “esquecendo” dos trabalhadores…

  11. Há cerca de 15 dias assisti a
    Há cerca de 15 dias assisti a um documentário sobre este projeto de Baremboim-Said. A impressão que ficou é que a paz é um alvo muito difícil de ser alcançado.
    Para uma simples (para nós mortais) apresentação da orquestra com palestinos e israelenses na Palestina,uma operação de guerra teve de ser montada com ambos viajando com passaporte diplomático do governo espanhol e em grupos diferentes.
    Infelizmente a paz parece não interessar a nenhum dos lados.

  12. Anarquista,
    Meus parabéns,
    Anarquista,
    Meus parabéns, você é o ser político mais original da face da Terra.

    Eu nunca havia conhecido, nem tido notícia da existência de anarquistas de direita.

  13. Uma pergunta muito
    Uma pergunta muito impertinente.
    O mundo aparentemente passa por uma tremenda crise econômica. Todo mundo cortando investimento, governos, empresas, famílias.
    Aí Israel, um paisinho de m…. que vive de esmola de Gringolandia decide fazer uma tremenda guerra.
    Aí tem treta, verdade? Quanto os degenerados vão gastar nesta carnificina? Certamente muitos bilhões de dólares, talvez chegando a trilhão. Não sou economista, mas LN pode até calcular quanto pode custar uma guerra como esta. E aí, de onde vem a grana????? Pigland (USA) fornece ou passou o chapéu nos seu cães de guarda árabes (como Arábia Saudita e outras tiranias medievais)?
    Bush tem grana para isso? Sem autorização de Congresso? Ou Obama já acertou que paga a fatura? Ou parte do dinheiro que desapareceu na crise foi desviado para Telaviv? Será que o povo de Gaza é bastante rico para que o saqueio pague a guerra? Vamos fazer como o Kamel, testanto hipóteses…

  14. Tirando o PDBS…A(Partido
    Tirando o PDBS…A(Partido dos que Babam Sangue…Alheio), é bom ver que vem a tona, lenta mas cristalinamente, que a solução militar só irá se traduzir em uma ação de extermínio(êpa…prá quem não admite, ainda, comparações com o nazismo, já estamos perto) o que , diz o bom senso, pôde ser, até a um certo ponto, o direito à legítima defesa de Israel. Os judeus que queriam um estado binacional, e os houve, estavam certos mas foram voto vencido, que novidade…

  15. nassif, pare de ser racista,
    nassif, pare de ser racista, os palestinos podem fazer atentados , os israelenses por sua vez não devem se defender?
    pense bem..??

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