O que está por trás das elevadas tensões sino-americanas no mar do Sul da China?

Atualmente, o mar do Sul da China tem sido palco de tensões entre os EUA e a China, com as duas potências realizando manobras militares e expressando acusações mútuas.

© AP Photo / Li Gang/Xinhua

mar do Sul da China vive um momento delicado, que pode ser inflamado a qualquer momento, já que a região está “militarmente povoada” em um jogo de poderes entre grandes potências mundiais.

Em meio às crescentes tensões no mar do Sul da China, a Sputnik explica o que estaria em jogo entre as duas potências, destacando a disputa entre EUA e China, bem como o envolvimento de países que aparentemente possuem seus próprios interesses nesse conflito na região asiática.

Após o mundo sofrer um abalo econômico devido à pandemia de COVID-19, as economias nacionais e a capacidade de recuperação seriam fatores determinantes para definir o futuro cenário geopolítico. Com isso, as farpas entre os EUA e a China, que vão além das divergências comerciais, vêm se agravando. Na disputa ainda surgem países coadjuvantes, que de alguma forma tentam elevar o grau de influência na região através de alianças.

Os indicadores econômicos mostram que Pequim está rapidamente saindo da crise provocada pelo coronavírus, revertendo um cenário de caos. Tal fato lhe permitiria aproveitar para reforçar sua presença no mar do Sul da China.

Os EUA, por sua vez, seguem lutando para coibir o caos econômico e tentar retomar sua influência, além de recuperar a hegemonia global, que foi fortemente abalada.

Importância do mar do Sul da China

O mar do Sul da China é uma região estratégica, responsável por aproximadamente 20% do PIB chinês devido às exportações, já que estas passam pelas rotas marítimas que saem de seus portos no leste e no sul.

Além disso, cobre uma área de aproximadamente 1.500 quilômetros, sendo considerada o principal corredor de escoamento, o que a torna uma hidrovia estratégica.

Entretanto, a região não é importante apenas economicamente, mas também na estratégia de defesa da China, que poderia ser bloqueada pelo mar interrompendo suas vias marítimas.

Neste ponto, vale ressaltar que na capacidade global de projeção de poder, criada por Washington desde a Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos contam com aliados militares na região, como Japão, Taiwan, Austrália e Filipinas, enquanto a China tem apenas a Coreia do Norte como aliada.

Postura e interesses dos EUA

O presidente norte-americano Donald Trump e sua administração informaram, no dia 13 de julho, que tomariam medidas, indicando o endurecimento da postura dos EUA no mar do Sul da China e pretendendo se reafirmar como potência regional.

De acordo com Brian P. Klein do South China Morning Post, o presidente dos EUA está usando a região como uma de suas linhas de ataque para fazer campanha eleitoral, já que Trump está tentando de todas as formas sua reeleição.

Em uma tentativa de recuperar sua credibilidade, Trump segue “provocando” a instabilidade na região, enviando seus navios de guerra ao mar do Sul da China alegando “liberdade de navegação”, enquanto ao mesmo tempo impõe sanções contra o país asiático.

No dia 14 de julho, um navio de guerra dos EUA navegou por águas reclamadas pela China. Na ocasião, o destróier Ralph Johnson, da Marinha dos Estados Unidos, conduziu “operações de segurança marítima e esforços de cooperação em segurança para um Indo-Pacífico livre e aberto”.

Em outra oportunidade, no dia 17 de julho, a Marinha norte-americana realizou exercícios militares na região com dois porta-aviões escoltados por navios de apoio, liderados pelo Grupo de Ataque do USS Nimitz.

Já no dia 20 de julho, os EUA e a Índia realizaram um exercício de passagem com um grupo de ataque dos EUA, também liderado pelo porta-aviões nuclear USS Nimitz, pouco depois de uma missão operacional de “liberdade de navegação” no mar do Sul da China para mostrar apoio a seus aliados na região.

Além da presença de seus navios de guerra, os EUA também contaram com a presença e o apoio de bombardeiros, que sobrevoaram a região disputada ao longo das últimas semanas.

Os EUA também encontram outras formas de pressionar o gigante asiático, como é o caso das sanções. No dia 20 de julho, o Departamento de Comércio dos Estados Unidos adicionou a sua lista de sanções econômicas 11 empresas chinesas envolvidas no que chamou de violações de direitos humanos, devido ao comportamento da China com os uigures na região de Xinjiang.

Com isso, as empresas serão incapazes de comprar componentes de empresas norte-americanas sem a aprovação do governo dos EUA.

No dia 9 de julho, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos anunciou sanções contra quatro cidadãos da China e também contra o escritório de Segurança Pública de Xinjiang.

Os EUA estão seguindo sua cartilha na tentativa de alcançar seus interesses, e tentam isso de todas as formas, incluindo através de sanções por desentendimentos em questões como a pandemia de COVID-19, o comércio, a Huawei e a lei de segurança nacional abrangente imposta a Hong Kong.

Contudo, os ataques de Trump contra políticos e empresas chinesas, bem como as acusações contra o país asiático, estão afetando as empresas norte-americanas que dependem da China e são diretamente afetadas pela guerra comercial criada pela administração Trump.

De acordo com um relatório do escritório de Nova York da Reserva Federal (FED, na sigla em inglês) e da Universidade de Colúmbia, a guerra comercial entre os dois países reduziu o valor de mercado das empresas norte-americanas em US$ 1,7 trilhão (R$ 9,1 trilhões).

Trump continua a busca por uma vitória nas próximas eleições e, para isso, existe a possibilidade de ele elevar cada vez mais a pressão sobre a China, mesmo que isso possa resultar em um conflito na região, o que aparentemente Trump acredita ser um trunfo em sua corrida eleitoral.

Papel dos EUA no conflito entre China e Índia

Após os conflitos do dia 15 de junho entre militares indianos e chineses na região de Ladakh, que faz fronteira com a China, que resultou na morte de ao menos 20 soldados indianos e um número não identificado de chineses, os ânimos entre os dois países voltaram a ficar acirrados.

Os EUA teriam visto mais uma oportunidade para tirar seu “concorrente” do caminho, afirmando que a China estaria “provocando e pressionando seus vizinhos” e que os EUA deveriam intervir para “proteger” seus aliados. Como é o caso da Índia que, após o conflito com a China, aproximou-se dos norte-americanos em busca de apoio econômico e militar.

Muitos países da região, como Taiwan, Índia e Filipinas, acreditam que os EUA são a melhor “proteção” para garantir seus interesses estratégicos na região.

Envolvimento dos líderes asiáticos

Os líderes do Sudeste Asiático demonstram sua insatisfação contra as ações chinesas no mar do Sul da China e afirmam que o tratado dos oceanos da ONU deve ser a base dos direitos soberanos na região.

No dia 27 de junho, as dez nações que compõem a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês) tornaram pública sua posição, conforme a agência de notícias AP.

“Reafirmamos que o tratado da ONU de 1982 é a base para determinar os direitos marítimos, soberanos, de jurisdição e de interesses legítimos sobre zonas marítimas”, ressalta comunicado da ASEAN.

A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, acordada em 1982, define os direitos das nações nos oceanos e demarca espaços, as chamadas zonas econômicas exclusivas, onde os Estados costeiros têm direito exclusivo de explorar a pesca ou recursos naturais.

Há solução para a disputa territorial?

As recentes investidas norte-americanas no mar do Sul da China e as declarações contra o gigante asiático dificultariam qualquer tentativa de chegar a um acordo sobre a situação na região.

Contudo, no dia 27 de junho, o porta-voz da embaixada chinesa na Malásia afirmou que o país se compromete com uma abordagem de via dupla e que defende o princípio de igualdade entre os países.

Além disso, o porta-voz Wang Wenbin, citado pela rádio Bernama, reiterou que a China está comprometida a resolver as diferenças na região através de negociações e consultas amistosas com as partes relacionadas, a fim de garantir a paz e a estabilidade e para solucionar de maneira adequada quaisquer questões relevantes sobre o mar do Sul da China.

Já os EUA seguem com sua política de “provocações” e pressão econômica na região, enquanto alegam estar protegendo a “liberdade de navegação” e que a situação deveria ser resolvida através das leis internacionais.

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, acredita que os interesses comuns foram ameaçados por Pequim, que tenta “intimidar” e “violar os direitos” dos Estados costeiros do Sudeste Asiático.

Contudo, Pompeo ressalta que Washington está tentando manter a paz e a estabilidade, garantindo a liberdade de navegação e “resistindo a qualquer tentativa de coerção ou uso da força para resolver as disputas”.

Redação

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  1. Blog do Roberto Moraes
    61 anos, engenheiro e professor titular “sênior” do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ). Pesquisador atuante nos temas: Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia; Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (RELAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.

    quinta-feira, julho 23, 2020

    Compra de petróleo pela China bate todos os recordes nos últimos meses: o que isso quer dizer?
    As importações chinesas de petróleo bateram todos os recordes nos últimos dois meses. Fato que contribuiu para o aumento da demanda global e para a recuperação, em parte, do preço do barril no mercado internacional. Há cerca de uma década, a China se tornou o maior importador mundial de petróleo, sendo os EUA, o maior consumidor global.

    Em abril passado, a demanda global chegou a cair próximo de 20 milhões de barris de petróleo por dia (bpd), por decorrência, o preço chegou a ficar negativo, por excesso de produção e limitada capacidade de estoque nos reservatórios, em sua maior parte instalados junto aos terminais portuários. Ontem (22/07) o barril de petróleo tipo brent alcançou US$ 44.

    Os volumes de importação de petróleo chinesas foram colossais. Em maio a importação da China chegou a 11,34 milhões de barris por dia (bpd) de petróleo bruto. Em junho avançou para 12,9 milhões de bpd, mais de quatro vezes toda a produção (só de petróleo) do Brasil.

    A China nem todo o 1º semestre de 2020, a despeito da redução das atividades econômicas e da consequente demanda de petróleo no mundo, aumentou em 10% suas importações de petróleo, em relação a 2019, ficando na média do semestre, num volume de 10,95 milhões de bpd.

    Como a demanda por petróleo e derivados se reduziu em todo o mundo neste 1º semestre, esses recordes de importação precisam ser explicados. Há pistas. Evidentes que essas razões não exclusivas e nem conclusivas, porque em se tratando de geopolítica energia e seus interesses estratégicos econômicos e especulativos, nada se situa no nível das certezas. Há sim, muitas hipóteses, com as quais se dialoga em busca da realidade.

    Segundo a colunista do site Oil Price, Tsvetana Paraskova, as refinarias chinesas, gigantes estatais e independentes, na província de Shandong, se aproveitaram do petróleo barato em abril para entrega em maio, junho e julho, para estocar grandes volumes. Fazendo com que as importações chinesas de petróleo batessem esses extraordinários recordes.

    Clyde Russell, colunista da Reuters, por outro lado, afirma que a China acumulou petróleo a uma taxa de 1,88 milhão de bpd entre janeiro e maio, um aumento de cerca de 670.000 bpd em relação ao mesmo período do ano anterior de 2019, quando o volume era estimado em 1,21 milhão de bpd. Em junho, essa taxa pode ter chegado a 2,77 milhões de bpd.

    Reservatórios (tanques) de armazenagem de petróleo em Zhuhai na China.
    Fonte: Reuters. Foto: Aly Song.
    Esse aumento dos volumes atuais de estoques de petróleo cru da China, sugere que ela tenha sido bem ampliada. Tanto em termos de reservatórios (tanques), quanto de estoques em cavernas submarinas. A China não informa os seus níveis de estoque nem em termos de armazenamento comercial, nem quanto as suas reservas estratégicas, ainda mais diante do atual e crescente conflito com os EUA.

    Paraskova também afirma que as refinarias chinesas também processaram em junho, uma quantidade recorde de 14,08 milhões de bpd de petróleo bruto (bem próximo do seu limite em torno de 15 milhões de bpd), o que pode também sugerir grandes estoques de derivados e combustíveis, até porque as exportações chinesas se reduziram em 29%, em junho de 2020, quando comparado ao mesmo período de 2019.

    A China tem o 2º maior parque de refino do mundo, refletindo o fato de ser o maior importador de óleo cru e segundo maior consumidor mundial. Os EUA tem o maior parque de refino do mundo com capacidade para processar 18,5 milhões de bpd.

    Voltando às hipóteses do recorde de compra de petróleo pela China nos últimos meses, mais uma última hipótese deveria ser investigada. A China como maior importadora do mundo de petróleo, pode estar repetindo com essa commodity, o que há alguns anos passou a fazer com o minério de ferro, em que ela consome mais da metade de tudo que é produzido no mundo.

    A grande capacidade de armazenagem de minério junto aos seus portos, permitiu à China com uma economia planejada, atuar como regulador de preços, imputando uma sazonalidade, tal o seu volume de negócios deste mineral. Uma sazonalidade tipo aberta, ou variável no tempo, conforme os preços internacionais, suas estratégias e o seu consumo interno país, para sustentar o crescimento da produção de aço internamente e para exportações.

    Quando a China começa a comprar mais minério de ferro, os preços vão subindo, quase na mesmas proporções dos seus aumentos de estoques. Quando fecha a torneira (mesmo parcialmente das compras) o preço cai, porque os 50% restante da demanda mundial é bem pulverizada, apesar do setor siderúrgico – que gera demanda de minério de ferro – ser bastante oligopolizado e concentrado em alguns países.

    É possível, que a China esteja aproveitando essa fase de colapso de preços do ciclo petro-econômico, com pequenas oscilações desde 2015, para avançar nessa mesma estratégia de aumentar bastante sua capacidade de estoque.

    Um outro motivo, a cada dia mais real, é em relação às precauções da ampliação dos conflitos com os EUA. Eles podem vir a exigir reservas estratégicas maiores de energia (e petróleo é a melhor para ser estocada), considerando inclusive, a sua condição de maior importador mundial.

    Portanto, a China é hoje, bastante dependente em termos de energia das compras de outros países, que podem também vir a ser pressionados a reduzirem, ou mesmo cortarem as vendas de petróleo aos chineses, por um esquema de bloqueio comercial, prática cada vez mais comum da atuação geopolítica dos EUA em várias regiões do mundo.

    Há sinais, que a mesma preocupação norteiam setor de alimentos, tendo em vista a segurança alimentar de sua enorme população e o grande volume de compras de soja, carne e outros de produtores externos, incluindo os EUA.

    PS.: Com informações do site OilPrice.

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