Por que a Boeing precisou muito da Embraer?, por Sérgio da Motta e Albuquerque


Foto: Agência Brasil

Por Sérgio da Motta e Albuquerque 

Ao contrário do que pensam muitos, foram as dificuldades da Boeing e as pressões da competição que a impulsionaram na direção da compra da brasileira Embraer, e não o contrário. Quem acredita na artimanha da “joint-venture” anunciada na imprensa, onde a Embraer só controla 20% da nova empresa, é um ingênuo. Ou alguém que não vem acompanhando o desenvolvimento e a concorrência na aviação comercial regional das aeronaves de médio porte. O mercado onde atuava a “velha Embraer” – a ‘velha’, poderosa e confiável Embraer, nosso único orgulho e glória no mundo industrial de alto valor agregado.

A Embraer era uma empresa “enxuta”, bem administrada e inovadora. A primeira a organizar suas linhas de montagem seguindo o modelo da indústria automobilista. Obra de excelência da engenharia nacional, ela criou seu próprio modo de produção de aeronaves, ao compatibilizar tecnologias avançadas de origem internacional em seus produtos como nenhuma outra neste ramo. Colecionava uma sucessão de grandes vendas, quando foi entregue por 4,2 bilhões de dólares aos ianques da Boeing. O lobby americano é muito forte neste país, especialmente neste momento, de alinhamento incondicional aos ianques. E a nossa imprensa é subserviente a qualquer tipo de poder econômico. Mentiu o tempo todo à população brasileira, e conseguiu convencer muita gente que a Embraer estaria em “graves problemas”, diante do acirramento da competição internacional no mundo da aviação comercial regional.

É certo que a corporação brasileira precisava de parecerias. E poderia enfrentar problemas no futuro sem um bom e poderoso aliado. O problema é que a Embraer tinha poder de mercado para fechar um acordo muito mais favorável com qualquer gigante da aviação mundial. Mas não uma proposta oportunista de um colosso que e engoliria e a expulsaria do mercado de aeronaves de passageiros de porte médio. Foi isso o que aconteceu. A tal “joint-venture” nunca passou de um estratagema para tomar o controle da Embraer em um momento de fragilidade política e econômica do Brasil. Porque a competição começou a dar prejuízo à gigante da aviação americana. Leiam o que vem a seguir e entenderão as dificuldades da corporação ianque.

A Boeing teve problemas quando a Bombardier, depois de uma série de tropeços e avanços por mais de uma década, finalmente lançou sua nova aeronave a “C-Series” em 2016. As dificuldades agravaram-se em 2017, informou o Financial Times (14/1). A Boeing apelou ao Departamento de Comércio ianque. Exigiu medidas protecionistas de até 300% do valor da operação, em 2017, sobre a venda de 75 aviões da Série C da Bombardier para a Delta Airline, a maior vendedora de passagens aéreas do mundo. A Airbus, controladora da Série C , começava a vender os aviões da Bombardier, sob o nome “A-220” em 2018. A Delta foi ameaçada a pagar a multa gigantesca. Até aquele momento, a Boeing não tinha presença no mercado da aviação regional em aviões de porte médio e corredor único – os “narrowbodies”, como são conhecidos no mundo da aviação. E começava a perder terreno para a concorrente. Dentro do seu próprio país.

A Bombardier, por sua vez,  teve dificuldade para desenvolver e entregar sua Série C, a famosa “C-Series”. A série inicial já estava em estudos desde 2004 e envolvia dois aviões, o C110, e o C130 – este último projetado para ser uma aeronave maior. Seu principal objetivo era ocupar o espaço dos velhos jatos 737 da Boeing e outros concorrentes similares de maior peso e tamanho. Depois de uma interrupção de quatro anos, o projeto da nova família de aeronaves foi retomado em 2008. Os aviões foram rebatizados: o menor, o C110, passou a chamar-se CS100. O maior, CS300. O resultado foi o esperado: a fabricante canadense tentou enfrentar as gigantes Airbus e Boeing com o CS300 e quase faliu. Em 2015 o governo canadense salvou o projeto “C-Series”. A empresa parecia ter chegado ao fim, quando o governo canadense investiu U$ 2,2 bilhões de dólares (americanos), na recuperação do projeto, depois desta tentar e fracassar quebrar o duopólio Boeing-Airbus em jatos médios. A injeção estatal de dinheiro salvou a Bombardier e a recolocou em condições de competir no mercado mundial, com as primeiras entregas da aeronave sendo realizadas sem problemas, mas ainda com muitas dúvidas sobre os lucros que poderia gerar a possibilidade da nova união das duas gigantes:

 

É certo temer a nova combinação (Airbus-Bombardier). Apesar de a Airbus ter perdido terreno nos aviões “jumbo” de corredores duplos, enquanto atualiza seu alcance, a gigante europeia já agarrou metade do mercado para aviões regionais de porte médio, como a “C-Series”. Analistas pensam que a união aprofundará o controle da Airbus. A Boeing agora terá que gastar dezenas de bilhões de dólares para lançar um novo jato regional para competir, muito antes do panejado”(Grifo meu).

A Boeing estava em problemas, graças à aliança Airbus-Bombardier. Ela não tinha um produto para competir no mercado, neste setor. Desembolsar “várias dezenas de bilhões de dólares” não era uma boa opção. A corporação ianque foi astuta e não precisou gastar tanto dinheiro para abalar a concorrência da Airbus dentro dos Estados Unidos. Nem comprar apenas uma aeronave para concorrer com o A-220 – o produto da Bombardier. Por uma quantia modesta, a Boeing comprou todo o setor de aviação comercial e de serviços da Embraer. E ainda adquiriu 49% de participação no cargueiro militar KC-390, o maior avião já projetado e construído no Brasil. Tudo isso por apenas 4,2 bilhões de dólares. A compra veio em boa hora. Para a Boeing, não para o Brasil ou para a Embraer. Foi um presente para Trump, e seu projeto de “fazer a América grande novamente”.

Em 14 de janeiro de 2019, o Financial Times informou que o governo americano negou o pedido da Boeing de taxar em 300% a Airbus e sua linha de montagem atual do A-220, o antigo “C-Series”, ainda situada fora dos Estados Unidos. Mas a gigante norte-americana agora estava preparada para a competição. Com toda a bem-sucedida linha comercial da Embraer sob seu controle, ela poderia respirar aliviada. Sem nenhum avião na para competir com o A-220 da Airbus em 2018, a Boeing agora em 2019 é dona de uma das maiores e bem-sucedidas fabricantes de aviões regionais de maior porte do mundo.

A agência de avaliação de risco Fitch (15/1) imediatamente rebaixou a nota da empresa brasileira depois da “joint-venture”. O que restou da Embraer, o setor de aviação executiva e a aviação militar, não bastam para o prosseguimento das operações de uma grande empresa de aviação. O jornal “Valor econômico” publicou (15/1):

Segundo a Fitch, o perfil de negócios da joint-venture que será formada entre Embraer e Boeing será mais fraco, refletindo a concentração das operações nos segmentos de aviões de defesa e executivo, a forte concentração de clientes e o desafio em aumentar a lucratividade e o fluxo de caixa operacional”.

Os lucros na aviação executiva são pulverizados por uma grande quantidade de fabricantes. E o setor militar dependia da aviação comercial da Embraer, agora vendido aos norte-americanos. Nossas forças armadas e suas encomendas não bastam para a sobrevivência da Embraer Defesa.

A Bombardier fez, talvez, seu melhor negócio em sua história. Vendeu apenas uma família de aviões, e permaneceu na competição do mercado de aviação regional. A Embraer, não. Perdeu seu filão mais lucrativo, em pleno apogeu de vendas da empresa. Apenas ela, entre as quatro grandes na produção de aviões comerciais, a nossa ex-Embraer, sobrevive sem ajuda do governo brasileiro. A Boeing, a Airbus e a Bombardier são corporações pesadamente financiadas pelo Estado. Fizemos a lição de casa, privatizamos a Embraer, e a tornamos independente e dominante no mercado em poucos anos. Apenas para entregá-la quase de graça aos americanos. Porque ela “precisa da ajuda do Estado”, e o nosso governo não pode mais alavancar empresas deste porte, dizem as vozes do neoliberalismo. Mesmo quando sua propriedade total representa interesse estratégico fundamental para o desenvolvimento deste país.

O Brasil e a Embraer saíram perdedores, nesta etapa da competição mundial no setor da aviação regional comercial para até 130 passageiros. Airbus e Boeing são as grandes favorecidas. O acordo Boeing-Embraer foi péssimo para o Brasil e para a Embraer. E a Bombardier ainda tem muito a provar aos especialistas em aviação. Nada garante sua participação no longo prazo, na aviação regional. A tendência da Airbus é ampliar o seu controle sobre o setor de aviação comercial da Bombardier.

Quanto ao impacto no Brasil, perderemos receitas de exportações industriais de alto valor agregado e na arrecadação de impostos. Todo o embrião do complexo industrial-militar construído a partir do ITA em São José dos Campos corre o risco de desaparecer. Hoje, os ianques prometem deixar a produção das aeronaves no Brasil. Mas a partir de 2020, quando a Airbus em Mobile, Alabama, começar a fabricar e vender o A-220 (o “C-Series” da Bombardier), dentro dos Estados Unidos, como produto norte-americano, vai ser muito difícil enfrentar a concorrência pesada da Airbus com um produto fabricado fora dos Estados Unidos.

A tendência de médio, longo prazo, é a transferência de toda a linha de montagem da aviação comercial para os Estados Unidos. As consequências serão devastadoras. A Embraer não existe só, no espaço vazio. Ela traz consigo toda uma cadeia produtiva de pequenas e médias empresas que orbitam em torno dela. A transferência da linha comercia da Embraer para os Estados Unidos completará a total desindustrialização do Brasil.

 

 

Redação

17 Comentários

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  1. Uma coisa não fecha a Embraer deve aproximadamente 13 bilhões Us

    Na lista publicada dos maiores clientes do BNDES, a EMBRAER está atrás só da PETROBRÁS.

    Deve aproximadamente 13 Bilhões de dólares (13 Bi US$) ao BNDES. Ou seja, o BNDES aplicou uma forturna na EMBRAER,

    mas como a EMBRAER foi vendida por 4,2 Bilhões de doláres?

    A EMBRAER foi vendida ou foi roubada?

    Tá na cara que roubaram um patrimônio público (a Embraer era Estatal)?

    Ou seja, a mídia do país é criminosa, utiliza o poder de imprensa para enganar e omitir do povo brasileiro

    as principais desgraças que acontecem no país. 

    Esse país é uma piada, o brasileiro é um povo mal, burro e estupído.

    1. O fato de afirmar que a
      O fato de afirmar que a Embraer era estatal, demonstra claramente seu nível de informação e conhecimento sobre a área, por sinal , sabe quantos E2 a Azul encomendou recentemente para substituir sua frota de E190 e E195 ? Nenhum …

      1. Equívoco…
        Francisco, poderia por favor me informar de onde você tirou esta informação? Aqui eu tenho um exemplo de um site renomado sobre informações na aviação que diz totalmente o contrário do que você afirmou:
        “https://airway.uol.com.br/azul-encomenda-mais-21-jatos-embraer-e195-e2/”.

        1. ANAFALBETO METIDO A ASTUTO É EFE!

          O sujeito te dá a informação, faz uma ironia bem bestinha, vocês não entendem, não entendem a implicação do que ele falou (de que o empréstimo era para concretizar a venda, portanto muito bem lastreado) e ainda vêm chamar o cara de desinformado. Pobre metido a experto (com X mesmo neste caso, ANIMAL) é uma desgraça. Esse país não tem solução, essas desgraças têm mesmo que tomar no lombo, como dizia o raul, VAMOS ALUGAR O BRASIL.. os animais acharam que raul estava dando conselho. Ô raça essa de analfabeto metido a astuto. 

        2. Nem sempre esses 13 bilhões significam acréscimo em patrimônio, maioria das vezes é dinheiro de financiamento de negócios simples assim, giro pode ser alto mas em valores absolutos não mudam, maioria desses aviões são pedidos financiados pelo dinheiro do BNDES, assim funciona com aviões militares, armas e equipamentos.

      2. Francisco Neto, lamento…

        Sr. Francisco Neto,

        considerei sua afirrmação sobre vendas de aeronaves, particularmente a palavra “nenhum” muito forte.

        Fui verificar e, ao entrar no Google com  “Embraer vendas E2” recebi vários “links”, entre eles este logo abaixo, do G1 da Globo:

        https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2018/12/19/embraer-confirma-venda-de-21-aeronaves-a-azul-por-us-14-bi.ghtml

        Não é preciso ir ver a matéria, pois o próprio endereço do sítio deixa claro, não? P título só não especifica que as aeronaves são da série E2, mas o texto esclarece.

        Lamento, Sr.Neto, o senhor está mal informado ou mal… .

  2. Boeing+EMBRAER
    Tens toda razão, não se trata de um simples Johny Ventura, e sim de um grande engodo para assumir nossa empresa, pois é uma empresa eficiente e eficaz e vinha ganhando o mercado mundial. O futuro me assusta pois é incerto para o que sobrar de nossa empresa.

  3. Não adianta culpar Bolsonaro,

    Não adianta culpar Bolsonaro, Sérgio Moro, famílias  e outros “cucas mongas” por aí. No nosso país muita gente admira aquele país na mesma proporção em que despreza o próprio país, fica encantada com cursos em Harvard, acha linda a música da Lady Gaga e do Frank Sinatra, se dobra ao “soft power” e acha fino depreciar a própria cidadania, nacionalidade… Gente para quem quanto menos próspero for seu próprio país, melhor, baseado na idéia de que “em terra de cego quem tem um olho é rei”.

    E se não fosse os EUA talvez a submissão desses vira-latas se desse em relação a outro país qualquer. Acontece que são os EUA, mesmo, o país que mais terrorismo de estado pratica contra outros países no mundo todo, um dos mais hostis, agressivos e fora-da-lei dos estados nacionais de hoje. E o pior, o que mais cidadãos doentes, aliciados, entorpecidos por absurdos como “o meu país é o melhor país do mundo” ou o tal “Destino Manifesto”, franco-atiradores civis, desempregados e sem-teto amortecidos tem.

    Enquanto nós, pessoas, humanidade, tivermos que conviver com aqueles loucos agressivos e delirantes não teremos paz para prosperar…

  4. Balanços
    O comentário é tão superficial, pois NUNCA analisam balanços, falam só de “estratégia”

    As vendas da Embraer estão estagnadas desde 2006 (na ordem de 5-6 bi USD), enquanto as da Boeing passaram de 60 vi para 100 bi USD….. Fora a comparação de lucro líquido….

  5. A nossa desvantagem começou
    A nossa desvantagem começou quando Santos Dumont liberou a sua patente para domínio público. Não devia, mas o fez. O que se seguiu já sabemos e ele deu cabo da sua vida por isso. “Dar” a EMBRAER, certamente encheu as “burras” de muita gente. Os norteamericanos não são burros, Deus DÓLAR acima de todos. Desprezar a nossa tecnologia, dentro do nosso próprio país, e vende-la a troco de bananas é obra de traidores vendidos, gente da pior espécie que deveriam ser degradadas pro resto da vida.

  6. Bem esse tipo de negócio é a longo prazo, para leigos e quem não tem negócio e dinheiro lá é fácil meter o pau e tagarelar qualquer coisa, esse mercado de aviões é muito volátil, crescimento absurdos das concorrentes volume de vendas de uma linha só das gigantes superam qualquer coisa dá totalidade da Embraer, Boeing não teria problema algum em ser uma terceira concorrente no âmbito de aviões médios, investidor e quem coloca dinheiro não pensa com paixão, não pensa com ideologia mas com seu próprio dinheiro, esses caras colocam os olhos daqui dez anos simples assim.

  7. Minha pergunta /dúvida é direta:
    a EMBRAER consegue competir com a AIRBUS consolidando a Bombardier? Colocando os preços lá embaixo? Por que vocês acham que a EMBRAER não vendeu nenhum KC-390 ainda?
    Simplesmente é a lei do mercado.

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