Relatório da Agenda 2030 aponta retrocessos do Brasil em todas as áreas no governo Bolsonaro

Documento analisa implementação dos ODS no Brasil e mostrou um aumento das violações aos direitos sociais, ambientais e econômicos por Bolsonaro

Jornal GGN – O Relatório Luz, que analisa a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil, mostrou um aumento das violações e o desrespeito aos direitos sociais, ambientais e econômicos no governo de Jair Bolsonaro. Uma vez que o governo brasileiro desistiu de se apresentar no Fórum Político de Alto Nível, das Nações Unidas, em julho, em Nova York, o relatório do Grupo de Trabalho passa a ser o documento oficial sobre as políticas do país para a Agenda 2030.

E em todas as áreas, desde pobreza, fome, desemprego, infraestrutura precária, acesso e direitos ambientais, o cenário desenhado pelo relatório é de retrocesso: “o governo federal tem acirrado os conflitos existentes agravando, principalmente, a vida das mulheres negras, das quilombolas e das indígenas, sem apresentar soluções para pacificar o país; diminui a transparência e os espaços de diálogo; favorece forte tendência de que a judicialização se firme como estratégia para a garantia de direitos e, no geral, tem mantido ou criado novas políticas contrárias ao desenvolvimento sustentável”, apontou o documento.

“Temos 15 milhões de pessoas em extrema pobreza, 55 milhões de pobres, 34 milhões sem acesso à água tratada, mais de 100 milhões sem serviço de coleta de esgoto e quase 600 mil domicílios sem energia elétrica. Quase 50% da flora está sob ameaça radical, o campo e a saúde se veem ameaçados pela liberação de 239 novos tipos de agrotóxicos. O cenário é tenso, com desemprego alto (13 milhões de pessoas) e persistente”, informa o III Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável.

Para as facilitadoras do GT Agenda 2030, Alessandra Nilo, da Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero e Carolina Mattar, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), o contexto do atual governo prejudicou todas as políticas sociais, econômicas e ambientais no país, quando as “iniciativas ultraliberais e aquelas baseadas em fundamentalismos religiosos ganham força, apesar de serem comprovadamente ineficazes e danosas, em nada contribuindo para responder às atuais crises”.

Ainda, o estudo chama a atenção para os retrocessos como o desmonte do Ministério do Meio Ambiente; a proposta de reforma da Previdência; a tentativa de usurpar os direitos dos povos originários e tradicionais; o pacote anticrime que agrava injustiças sociais e raciais; a liberação recorde de novos agrotóxicos; os cortes na educação.

Traz também um estudo prático, com as consequências dos desastres de Brumadinho, ocorrido em janeiro deste ano, e o registrado em Mariana, em 2015, ambos em Minas Gerais, para todos os 17 compromissos estabelecidos na Agenda 2030, sem respostas reais do governo.

Confira a íntegra do Relatório Luz 2019 ou acesse aqui:

relatorio-luz-portugues-19-download-v3

 

E, abaixo, acompanhe alguns dos pontos analisados pelo relatório:

Aumento da pobreza

O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), em sua Síntese dos Indicadores Sociais divulgada em dezembro de 2018, com os dados referentes a 2017, adotou pela primeira vez a linha de pobreza proposta pelo Banco Mundial: de rendimento de até US$ 5,5 por dia (cerca de R$ 406 por mês). Por esse critério, a proporção da população pobre no Brasil, que era de 25,7% em 2016, subiu para 26,5% em 2017. Em números absolutos, esse contingente variou de 52,8 milhões para 54,8 milhões de pessoas no período e a proporção de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos que viviam com rendimentos de até US$ 5,5 por dia cresceu, neste ínterim, de 42,9% para 43,4%.

Por sua vez, o contingente de pessoas na extrema pobreza – com renda inferior a US$ 1,90 por dia (R$ 140 por mês), de acordo com a linha do Banco Mundial – passou de 6,6% da população do país em 2016 para 7,4% em 2017, o que em números absolutos significa que esse contingente aumentou de 13,5 milhões para 15,2 milhões de pessoas em 2017.

A pobreza não pode ser caracterizada apenas por meio da renda. Ela reflete um conjunto de carências, entre elas a indisponibilidade de serviços públicos. Portanto, no Brasil, alcançar o ODS 1 – Erradicação da Pobreza exige enfrentar as desigualdades raciais e étnicas, de gênero, geracionais e regionais, entre outras. Como evidenciam os dados:

Proporção de pessoas residentes em domicílios permanentes com restrições de acesso a determinados serviços, segundo sexo e raça – 2017

Total (1000

Pessoas)

À

educação

À proteção

social

A condições

de moradia

Ao saneamento

básico

À

internet

Homens Brancos 42.908 23,8% 8,6% 9,4% 29% 19,1%
Homens Pretos ou Pardos 56.343 33,1% 20% 15,8% 46,3% 30,9%
Mulheres Brancas 47.471 23,5% 8,4% 9,4% 27% 19%
Mulheres Pretas ou Pardas 58.438 30,8% 20,3% 16% 44,3% 29,3%

Fonte: IBGE – PNAD Contínua 2017

Fome e alimentação não-saudável

Nas edições anteriores do Relatório Luz (RL), demonstramos que, desde 2015, o Brasil se afasta do cumprimento do ODS 2 – Erradicação da Fome. Os grandes retrocessos no direito a uma alimentação suficiente, adequada e saudável são causados pelo crescimento da pobreza e da extrema pobreza e pelo desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional nos últimos três anos. Os efeitos são vários e os mais contundentes recaem sobre populações em maior condição de vulnerabilidade, como os povos indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais.

Segundo o Ministério da Saúde, após uma ligeira inflexão na tendência de redução da desnutrição (magreza acentuada e magreza) entre crianças de 0 a 5 anos, nos anos 2016 e 2017, em 2018 os índices voltaram a retroceder. Mas requer atenção a situação de sobrepeso nesta faixa de idade, em tendência de elevação. Em 2014 havia 17,74% crianças neste grupo com risco de sobrepeso e 7,48% com sobrepeso já diagnosticado. Os números passaram em 2018 para 18,23% e 7,70%, respectivamente.

Entre os adultos a situação é mais grave. O problema do excesso de peso mostra-se ainda mais preocupante já que, em 2018, o sobrepeso e as diversas modalidades de obesidade (graus I, II e III) já atingiam o índice perto de 62% dessa população, observando-se tendências crescentes.

Também se vê com maus olhos a intensa e questionável liberação de agrotóxicos para comercialização, inclusive alguns proibidos em vários países, que dificultam o atingimento da meta de garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo.

A liberação foi recorde nos três primeiros meses deste ano, em comparação com igual período dos últimos 5 anos.

Liberação de agrotóxicos nos primeiros 100 dias de 2015 a 2019

Ano Número de liberações
2015 36
2016 39
2017 95
2018 117
2019 152

Fonte: Diário Oficial da União

Redução de recursos em Saúde e Educação

De acordo com o Relatório Luz, o direito à atenção integral à saúde por toda a vida, que deve ser viabilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), está sob ameaça e impactado, por exemplo, pela Emenda Constitucional 95, que estabeleceu teto para os gastos. Atualmente, o gasto total com Saúde no Brasil é de cerca de 8% do PIB, mesmo com o nosso sistema de saúde público universal, o gasto privado em saúde no Brasil (55% do total) é superior ao gasto público (45% do total), diferentemente do padrão de países desenvolvidos com sistemas similares. Isso deixa o Brasil mais distante de alcançar o ODS 3 (Saúde de Qualidade).

O país registrou aumento da mortalidade materna. E ela foi maior nas regiões Norte-Nordeste com predominância sobre as mulheres que vivem em áreas rurais e comunidades mais pobres. As negras, por sua vez, são as que mais morrem no parto, conforme dados do período 2008-2017. Segundo dados do Ministério da Saúde, que apresenta a taxa de mortalidade a cada 100 mil partos, no ano de 2017, as pretas responderam por 28 mortes; as pardas, 14; as brancas, 17 e sem informação sobre a cor, 17. A análise pontua também aumento na taxa da mortalidade infantil em 2016.

No tocante à Educação, ela foi atingida pela mesma medida que contingenciou recursos na Saúde. A Emenda Constitucional (EC) 95/2016 continua como obstáculo para a universalização do acesso à educação de qualidade e para implementação do Plano Nacional de Educação (PNE) com vigência até 2024 e, se continuar, poderá impactar negativamente também o plano seguinte (2034). O PNE é a principal política pública do país para alcance do ODS 4 (Educação de Qualidade) e ambos estão ameaçados.

Com isso, dispositivos para a melhoria desta área previstos no Plano Nacional estão longe de ser cumpridos. Por exemplo, o que previa a universalização do acesso à escola para as crianças de 4 e 5 anos até 2016, que se encontra em atraso. De 2014 até 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a taxa de escolarização cresceu apenas 4% dos 11% necessários para chegar à totalidade esperada. E, para que pelo menos metade das crianças de até 3 anos estejam na escola em 2024, seria necessário investir o suficiente de forma a garantir acesso às creches a mais 20% da população nessa faixa etária. Em 2017, o aumento foi de apenas 4%.

Longe da igualdade de gênero

Os dados seguem alarmantes: de acordo com o relatório “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, uma entre quatro mulheres sofreu algum tipo de violência em 2018, sendo que, na maioria dos casos, o perpetrador era conhecido da vítima (76,4%). De acordo com números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN WEB), atualizados em 2018, o Brasil teve 16.424 notificações de estupro de crianças e adolescentes menores de 19 anos de idade. Desse total, 86,6% dos casos foram de meninas, contabilizando 14.217 vítimas do gênero feminino.

O novo governo federal aumentou os desafios já identificados nos RL de 2017 e 2018, e o recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, por sua vez, não apresentou ainda nenhuma proposta alinhada ao alcance das metas do ODS 5 (Igualdade de Gênero).

Sem água e saneamento

Ainda que o Brasil seja signatário das resoluções da ONU que reconhecem e reafirmam o acesso à água e ao saneamento (esgotamento sanitário) enquanto um direito humano, as condições, dados e projeções no Brasil indicam grandes dificuldades para alcançar o ODS 6 (Água Limpa e Saneamento). A situação é alarmante: em média, 83,47% da população brasileira recebem atendimento de água, mas apenas 58,04% têm coleta de esgoto e 46% têm tratamento do total de esgoto gerado. Em termos absolutos, isso significa mais de 40 milhões de pessoas sem acesso à água potável e mais de 100 milhões sem sequer coleta de esgoto. Vale ressaltar que no Brasil, a cada 100 litros de água captada e tratada, mais de 38 litros são perdidos nas tubulações no processo de distribuição.

Sobre a gestão sustentável da água, o Atlas do Esgoto divulgado pela Agência Nacional de Águas (ANA), em 2017, apontou que 110 mil km dos rios brasileiros estão poluídos e em mais de 83 mil km a poluição é tão grave que não é permitida a captação de suas águas para o abastecimento público. Situação agravada pelos rompimentos de Brumadinho e Mariana.

Vale considerar que o Brasil concentra mais que 12% do total de água doce do mundo como uma garantia eterna de segurança hídrica nacional e esse “ativo ambiental”, além de estar comprometido, está distribuído territorialmente de forma desigual.

Energia: aumento da lenha e carvão

Em 2018, 17,6% dos domicílios brasileiros utilizavam combustíveis como lenha ou carvão para cocção dos alimentos, uma alta de 10,7% em relação a 2016, representando 1,1 milhão de residências a mais. A região Norte teve a maior taxa de aumento, 16,19%, seguida do Sudeste com 13,34% e do Nordeste com 10,17%.

Aproximadamente 89% dos domicílios utilizam gás de botijão (GLP), gás encanado ou energia elétrica para cozinhar alimentos. A dependência da população brasileira ao GLP afeta principalmente os mais pobres – pois o custo do botijão de gás chega a até 6% da renda média de brasileiros(as). Isto vai na contramão do ODS 7 – Energias Renováveis.

Trabalho decente e crescimento econômico?

O Brasil segue em ciclo de crescimento econômico lento.  O PIB cresceu pouco mais de 1% em 2017 e 2018, e recuou 0,2% no primeiro trimestre de 2019. Como a renda per capita permaneceu a mesma, a pobreza e a desigualdade aumentaram. A reforma trabalhista não gerou o prometido crescimento da economia, e a estratégia de um ambiente de competitividade baseado em baixos salários aprofunda a precarização dos(as) trabalhadores (as), dificultando o alcance do ODS 8 – Empregos Dignos e Crescimento Econômico.

A taxa de desocupação no primeiro trimestre de 2019 foi 12,7%, maior do que no trimestre anterior, de 11,6%, contabilizando 13,4 milhões de desempregados no país, em março. Aumentaram a informalidade, a terceirização, o trabalho intermitente e o volume de trabalhadores (as) autônomos (as) e tudo conjugado com discriminação de raça e gênero no mercado de trabalho, em especial sobre trabalhadoras negras. Quase metade (47%) das mulheres trabalhadoras não possui registro em carteira e um terço (35,5%) não contribui para a Previdência. Esse percentual sobe entre mulheres que recebem até um salário mínimo, que também são, majoritariamente, negras, segundo o Dieese, em análise de 2019.

Abalos da indústria

Os desastres de Mariana e Brumadinho mostraram ao Brasil e ao mundo a importância da consolidação de indústrias resilientes e da industrialização inclusiva e sustentável, para que o país cresça com igualdade e promova o bem-estar efetivo de seus cidadãos.

Para isso é necessário que sejam realizados novos investimentos em pesquisa e inovação, para que sobretudo se elimine erros do passado, se potencialize capacidades e o Brasil encontre seu caminho rumo a uma indústria mais verde, como prevê o ODS 9 – Inovação e Infraestrutura.

Mas antes, é fundamental avançar contra o processo de desindustrialização que o país tem vivido. A partir de abril de 2015, a produção industrial brasileira registrou quedas acentuadas, tendo alcançado a menor taxa, até que em outubro de 2016 houve uma tímida retomada do crescimento. No entanto, desde finais de 2018, a indústria voltou a sofrer uma dinâmica de queda. Entre março de 2011, quando a indústria alcançou seu nível mais elevado de produção, e março de 2019, a oscilação negativa foi de 17,54%, por consequência, o valor adicionado pela indústria e o emprego nesse segmento produtivo também diminuíram.

Desigualdades acentuadas

As muitas barreiras nos campos social, econômico e ambiental fazem com que os 40% da população brasileira mais pobre não consigam crescer sua renda acima da média nacional, como previsto numa das metas do ODS 10 – Redução das Desigualdades. Desde 2015, o crescimento de renda da população mais pobre vem caindo e, na variação 2016/2017, os 40% mais pobres, na verdade, acabaram perdendo mais do que a média. Neste contexto, o impacto de gastos com saúde e educação é bem alto, cerca de 64% da renda para casais com filhos(as). Entre os 40% mais pobres, especificamente nas famílias compostas por mulheres com filhos(as), este gasto chega a 71%, segundo a Oxfam Brasil.

O índice de Gini do rendimento domiciliar per capita com trabalho chegou a 0,6259 no fim de 2018, no 16º trimestre consecutivo de aumento, maior patamar da série histórica iniciada em 2012. Por este instrumento de medida do grau de concentração de renda que aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos, quanto mais próximo de zero, mais próximo se está da igualdade.

O cenário é tenso, com desemprego alto e persistente, principalmente entre pessoas menos escolarizadas. Mas o governo federal aposta na deseducação, incapaz de apresentar soluções que beneficiem o conjunto da população.

Aquecimento global e mudanças climáticas

O Brasil candidatou-se para sediar a Conferência das Partes (COP), principal encontro político global sobre medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A candidatura logrou sucesso, mas o novo governo retirou a proposta e a COP-25 acontecerá no Chile.  Assim, o país perdeu a histórica liderança em negociações sobre sustentabilidade, que assumira desde a Rio-92, bem como sua projeção como potência econômica de baixo carbono.

O cenário, que já era preocupante nas análises dos Relatórios Luz de 2017 e de 2018, tomou a dimensão de uma grande crise agora em 2019, na medida em que o novo governo opõe questionamentos e desmontes explícitos à agenda relacionada ao ODS 13 – Combate às Mudanças Climáticas. Os dois ministérios que historicamente lideraram a agenda climática no país sofreram modificações. Na estrutura do Ministério das Relações Exteriores, um decreto extinguiu a Subsecretaria de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia e suas divisões de Clima, de Recursos Energéticos Novos e Renováveis e de Desenvolvimento Sustentável. No Ministério do Meio Ambiente, a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas (SMCF), que liderava essa agenda, foi substituída pela Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável, dentro da qual – segundo entrevista do ministro Ricardo Salles – ainda em janeiro, a pauta climática seria liderada por uma assessoria especial a ser criada. Até o momento de fechamento deste Relatório Luz, isso não havia sido feito.

Para complicar ainda mais, na visão do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a mudança climática é encarada como uma questão ideológica, um “dogma” ou complô da esquerda para dificultar o crescimento econômico. Já Ricardo Salles, do Meio Ambiente, por sua vez, questiona se a atividade antrópica impacta na mudança climática, que seria, segundo ele, apenas um ciclo natural da Terra.

O Observatório do Clima (OC), grupo que reúne mais de 25 organizações da sociedade civil, classificou o início deste mandato presidencial como “100 dias sem clima” e fez a previsão da vinda de “tempos difíceis”.

Instituições eficazes e paz

O Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentou ao Congresso Nacional um conjunto de mudanças na legislação criminal, apelidado de Pacote Anticrime. No entanto, sob análise detalhada, vê-se que se trata de permissão legal para execução policial. Essa medida constitui uma ameaça adicional à população encarcerada brasileira – composta principalmente pela população pobre e negra –, aumenta o poder concedido às instituições do aparato de segurança e coloca a cidadania e os direitos humanos ainda mais em risco.

Embora o país tenha conseguido avanços, com a queda das taxas de homicídio em todo o território nacional nos últimos anos, houve – em contrapartida – um aumento de 18% no uso de força letal pela polícia, entre 2017 e 2018.

As taxas de mortes por policiais aumentaram no Pará (de 4,66 para 7,72 por 100.000), no Rio de Janeiro (6,72 para 8,94 por 100.000), no Ceará (1,78 para 2,41 por 100.000), no Rio Grande do Norte (3,96 para 5,15 por 100.000) e na Bahia (3,77 para 4,44 por 100,00), segundo levantamento realizado pelo Instituto Igarapé junto às secretarias estaduais de segurança pública.

A truculência institucional também tem sido verificada na relação com a sociedade. A Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, estabeleceu que a supervisão, coordenação, monitoramento e acompanhamento das atividades das organizações não governamentais e de organismos internacionais ficassem com a Secretaria de Governo da Presidência da República.

Um exemplo da falta de diálogo com a sociedade civil e do desejo de monitorá-la.

Além disso, o Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, extinguiu os espaços colegiados criados por normativas anteriores do governo federal, e revogou a Política e o Sistema Nacional de Participação Social, estabelecidos há cinco anos pelo Decreto 8.243/2014. Não foi proposta nenhuma política alternativa, nem houve consulta a organizações sociais ou à sociedade civil. Esses são apenas alguns exemplos de medidas que inviabilizam o alcance do ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.

Parcerias para a implementação da agenda

As ações de monitoramento e controle social têm sofrido ataques e redução de recursos, comprometendo o trabalho construído até o momento. Tampouco há qualquer projeto de cooperação internacional para desenvolver capacidade estatística em países menos desenvolvidos (LDC) como previsto na Meta 17.18. Vale também registrar que pesquisas do IBGE estão sendo subfinanciadas, como o Censo Agropecuário de 2018, ou atrasadas, como os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que há quatro anos não são atualizados. Some-se a isso o contingenciamento de 22% do orçamento para o Censo 2020 anunciado pelo Ministério da Economia.

Tamanhas incertezas colocam em xeque a viabilidade das metas de produção e análise de dados discriminados, comprometendo o alcance do ODS 17 – Parcerias pelas Metas. O trabalho construído até o momento para criar a gestão de monitoramento dos ODS mostra a lentidão de processos sem financiamento em prazo adequado. A situação piorou com o decreto nº 9.759/2019, que, na prática, também extinguiu a Comissão Nacional dos ODS (CNODS) e sua única Câmara Temática em funcionamento, a de Parcerias e Meios de Implementação (ODS 17). Até o fechamento desta publicação, não sabemos se a CNODS será restabelecida e, caso seja, em quais condições.

No início do atual governo, o repasse de recursos para organizações sociais foi cortado por 90 dias, atingindo principalmente instituições dependentes do Fundo Clima e Fundo Amazônia. O corte minou a sustentabilidade de diversos projetos que preenchem lacunas deixadas por políticas públicas não implementadas ou inexistentes.

Em paralelo, o país continua a repassar recursos para entidades sem fins lucrativos, mas eles se concentram em um grupo dominado por entidades que prestam serviços de saúde – PPP´s camufladas pela contratação de fundações, partidos políticos e institutos de prestação de serviços para o Ministério da Defesa, entre outras que se encontram sob o rótulo “sem fins lucrativos”.

 

Redação

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