Trump: A encarnação do pioneiro puritano, por Camila Koenigstein e Liliana Andrea Guzman

Não é necessário muito esforço para reconhecer o que todavia ocorre até hoje tanto na América do Norte quanto nos demais países que se identificam com o discurso de Trump e foram colonizados ainda que em contextos distintos. 

Trump: A encarnação do pioneiro puritano

por Camila Koenigstein e Liliana Andrea Guzman

De maneira ampla, as estruturas colonialistas estão presentes por toda a América. Nos Estados Unidos, no entanto, tal processo foi singular. O desenvolvimento econômico, o culto ao indivíduo e suas conquistas privadas, oriundo da prática religiosa levada pelos ingleses, (puritanismo) que gerou um imaginário equivocado de que tal sociedade não guardava resquícios profundos da experiência colonial, com exceção da escravidão, permanecem e regulam até hoje as relações sociais, ou seja, a desigualdade racial permanente.

Há décadas a indústria cinematográfica norte-americana distribui capítulos desordenados de sua própria história, espetacularizando momentos de grande violência ocorridos tanto nos Estados Unidos como nos países que a poderosa nação decide invadir em nome da pseudoliberdade. Quase sempre sem aprofundamento e compreensão dos meandros da colonização, os EUA são um filme eterno, um faroeste sem fim, a exemplo da força de Vivien Leigh como Scarlett O’Hara em E o Vento Levou, quando faz a promessa de que jamais sentirá fome novamente, embora na premiação do filme a atriz negra Hattie McDaniel, que teve participação marcante no longa-metragem, expondo todo o peso da escravidão, tenha sido obrigada a se sentar no fundo do salão – assim caminham os Estados Unidos, que mostram a sua história, ainda que excluindo aqueles que fazem parte dela.

Ela era a única mulher negra da sala e a primeira afro-americana a comparecer aos prêmios da Academia como convidada, não como empregada. Selznick [produtor do filme] tivera que pedir autorização especial para que ela estivesse no teatro, numa pequena mesa ao fundo, distante das estrelas. Nem sequer pôde posar com os demais membros da equipe do filme: a Califórnia também era um Estado segregado.

É bastante comum quando se analisa a sociedade estadunidense em sua totalidade retirar o peso e complexidade de todos os episódios que marcaram as dinâmicas sociais no decorrer da história, e a violência dos ingleses, que não só empreenderam inúmeras guerras contra os nativos como buscaram executar e excluir pouco a pouco os mais variados grupos étnicos.

Según dice Benjamín Franklin en su autobiografía: “… si era el designio de la Providencia extirpar a aquellos salvajes y dejar sitio para los cultivadores de la tierra, no parece improbable que el ron haya sido el medio indicado. Ya ha aniquilado a todas las tribus que antiguamente habitaban el litoral”. No se caricaturizaba cuando se decía que los colonos se presentaban a los indios llevando en una mano un contrato de compra de sus terrenos, en la otra una botella de ron, una biblia bajo el brazo y un fusil a la espalda.

Não é necessário muito esforço para reconhecer o que todavia ocorre até hoje tanto na América do Norte quanto nos demais países que se identificam com o discurso de Trump e foram colonizados ainda que em contextos distintos.

Se por um lado, nos últimos anos, tudo o que representa retrocesso, desumanidade, violência e autoritarismo é associado ao fascismo, por outro podemos dizer que no caso de Donald Trump, e especialmente dos Estados Unidos, há um vínculo com sua cultura e passado sócio-histórico que o ata à formação da nação norte-americana. O pioneiro puritano é o homem que Donald chama nos seus discursos, apela à origem da nação, ao orgulho que os cidadãos americanos carregam para todos os lugares. Com isso queremos dizer que muito mais que similaridade com Mussolini e sua verborragia autoritária, o atual presidente incorpora o espírito de uma nação. É inegável que hoje traços do fascismo foram assimilados dentro dos grupos de direita, e inclusive na sua fala, no entanto, não podemos cair em análises rasas e esquecer que há um processo histórico que criou bases para o que estamos acompanhando.

É evidente que existe um orgulho pelo passado branco, inglês, religioso, disciplinado, que marca para a população uma história de grandeza e superação, escondendo a barbárie que o puritanismo causou, seus desdobramentos e a formação de grupos como a Ku Klux Klan, que tinha esses ideais como base ideológica.

A morte de indígenas e uma evangelização de homens e mulheres sequestrados de seu país de origem na África para atenderem à demanda do sistema escravocrata, sem nenhuma possibilidade de manutenção de sua ancestralidade, é pouco explorada nos estudos coloniais. A potência do protestantismo quando comparada com a violência do catolicismo ibérico fica bastante reduzida, mas, ainda que o mais grotesco tenha passado, o protestantismo deixou marcas, como a impossibilidade de qualquer permanência com a cultura religiosa africana, o que perdurou por séculos, algo que nas últimas décadas os movimentos identitários estão tentando recuperar, mas seguem sofrendo repressão.

El pioneer desciende del puritano: más aún, lo realiza. Porque en la raíz de la protesta puritana, Frank distingue principalmente voluntad de potencia. “El puritano – escribe – había comenzado por desear el poder en Inglaterra: este deseo lo había impulsado hacia la austeridad, de la cual había pronto descubierto las dulzuras. He aquí que descubría luego un poder sobre sí mismo, sobre los otros, sobre el mundo tangible. Una tierra virgen y hostil demandaba todas las fuerzas que podía aportarle; y, mejor que ninguna otra, la vida frugal, la vida de renunciamiento, le permitía disponer de esas fuerzas”.

Se por um lado essa sociedade sempre foi vista como o símbolo maior da democracia, algo bastante complexo de analisar dada a forma que entende o conceito de democracia, os Estados Unidos mantêm ideais e valores oriundos da sociedade inglesa protestante do século XVII, com o espírito do protestantismo puritano pulsando como nunca. Para muitos simpatizantes de Trump, há um mundo que necessita ser controlado, assim como o território hostil que os primeiros homens que chegaram à América do Norte encontraram.

Com isso, de tempos em tempos, diante de uma crise, surge todo o passado, e a necessidade de colonizar, seja a população nativa, sejam aqueles que decidem migrar para os EUA – com isso, a ala republicana reafirma seus valores morais. O atual presidente é um empresário bem-sucedido que “lutou” para chegar à Presidência, utilizando seu esforço e “virilidade”. Há nele a encarnação do símbolo maior do capitalismo: a meritocracia, que endossa o discurso das novas igrejas evangélicas, atraindo muitos pastores e levando-os a crer que a palavra do presidente é messiânica.

“Ele queria que viéssemos orar, mas também nos deu a oportunidade de conversar sobre coisas que nos preocupavam… Isso realmente abriu a porta… quando tive a oportunidade de me encontrar com ele e falar com ele pessoalmente e ter uma conversa franca sobre algumas coisas que eu sentia, e ver que ele me ouviu.”

Aspectos da eleição, erros dos democratas e o mito da grande nação 

No dia 3 de novembro terminará ou seguirá o legado iniciado por Donald Trump em 2016. De forma geral, seu governo, assim como o de outros líderes eleitos nos últimos anos no continente americano, ficou conhecido por discursos truculentos, fortemente marcados pelo conservadorismo, misoginia, homofobia, xenofobia e a total ausência de políticas públicas, o que sacramentou o abandono dos grupos mais vulneráveis, além do aumento de organizações de extrema direita, como Proud Boys. Não foi surpresa que Trump governaria na prática do neoliberalismo mais voraz, no entanto, o que não se esperava era a forma como conseguiu não só ser eleito, mas manter até o presente momento o apoio de grupos que outrora não votariam nele, como evangélicos, membros de comunidades afro e imigrantes latinos.

Ao resgatar o nacionalismo sempre tão presente na sociedade norte-americana, exaltando no primeiro mandato o lema “Make America great again” e agora “Keep America great”, Trump segue o rumo de Reagan, Bush, Bush Jr., governos com um claro ideal de superação e retorno à grandeza americana, como um conjunto de práticas históricas de um passado distante rememorando a Doutrina Monroe (1823), American way of life (1950), a perseguição do comunismo através do macarthismo e da eterna síndrome da destruição do outro que pensa ou vive de forma distinta. Assim conseguimos um esboço da constituição não só sócio-histórica, mas também da subjetividade desses sujeitos que se movem por meio de slogans, símbolos, mitos que atravessam os séculos e permanecem vivos e que a cada crise ressurgem mais fortes.

Trump segue o legado dos presidentes republicanos Ronald Reagan (1981-1989), George Bush ( 1989-1993) e George Bush Jr. (2001-2009), que tiveram mandatos repletos de controvérsias, vistos à luz do seu momento histórico como salvadores da nação após gestões anteriores consideradas não tão bem-sucedidas.

Embora nos últimos 50 anos tenha havido uma predominância republicana, as experiências democratas não foram tão fortes para destruir o fantasma do pioneiro.

Em uma sociedade altamente conservadora, os erros dos democratas são muito mais ressaltados. No caso do último presidente democrata, Barack Obama (2009-2017), seu governo foi visto como um fracasso, o que permitiu a ascensão de Trump. Os projetos de Barack, como o Obamacare, fracassaram, as políticas de deportação dos imigrantes ilegais seguiram, o fechamento de Guantánamo não ocorreu e denúncias de tortura continuaram.

Olhando toda a realidade, não se concretizaram as alterações prometidas, e a população voltou para o velho modelo que ressalta pelo menos o nacionalismo tão valioso.

A pesar de estas dos claras fallas del gobierno de Obama hacia los hispanos, al Partido Demócrata y a algunos candidatos presidenciales les sigue costando mucho trabajo criticar y distanciarse de Obama en ciertos temas. Durante el debate presidencial del 12 de septiembre en Houston, le pregunté al exvicepresidente Joe Biden si él y Obama se habían equivocado al deportar a tantas personas durante su gestión. “El presidente hizo lo mejor que se podía hacer”, me dijo. “¿Y usted?”, le pregunté. “Yo era el vicepresidente de Estados Unidos”, me contestó, sin aceptar ningún error.

Biden necessita do apoio dos hispanos e da inclusão deles na sociedade, mas a negação dos erros do governo Obama gera um cenário de insegurança profundo, principalmente neste momento de crise sanitária e econômica.

É importante ressaltar que em 2020 os hispanos representam o maior grupo minoritário nos Estados Unidos, com 32 milhões de indivíduos votantes. Caso os democratas conquistem essa parcela da população, há a possibilidade da perda de Trump. No entanto, a postura de Biden não foi bem vista.

Otros candidatos, como Bernie Sanders, han tomado una postura distinta a la de Biden. Cuando, en noviembre, le pregunté al senador Sanders en un foro en Long Beach si Obama se había equivocado al deportar a tres millones de indocumentados, su respuesta fue tajante. “Sí”, me dijo. Y luego se comprometió a presentar una reforma migratoria durante sus primeros cien días como presidente, si gana la elección. “Esta es una promesa que voy a hacer. Y yo no hago muchas promesas”.

O resultado é incerto. Embora Biden tenha vantagens, e Trump, com a pandemia, tenha perdido apoio, dada sua posição negacionista mesmo diante de uma situação absurdamente desesperadora, não sabemos com clareza o que virá.

O certo é que o resultado ressaltará não só a ancestralidade de uma nação, mas como os imigrantes e as minorias entendem a gravidade de determinadas permanências fantasmáticas.

Bibliografia

https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/eeuu-grande-nuevo-siete-graficos-explican-economia-nid2486070

https://www.eltiempo.com/mundo/eeuu-y-canada/colonizacion-de-pueblos-indigenas-en-estados-unidos-41971

https://www.nytimes.com/es/2020/01/10/espanol/opinion/voto-latino-2020.html

https://jornalggn.com.br/politica/internacional-politica/ft-por-que-os-evangelicos-dos-eua-estao-migrando-para-trump/

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/12/13/cultura/1576235728_595044.html

Camila Koenigstein. Graduada em História, pela Pontifícia Universidade Católica – SP, e pós-graduada em Sociopsicologia, pela Fundação de Sociologia e Política – SP. Atualmente faz Mestrado em Ciências Sociais, com ênfase em América Latina e Caribe, pela Universidade de Buenos Aires (UBA).

Liliana Andrea Guzmán. Graduada em História, pela Universidad del Valle (Cali – Colômbia). Atualmente faz Mestrado em Ciências Sociais, com ênfase em América Latina e Caribe, pela Universidade de Buenos Aires (UBA).

Redação

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