“A criminalização do aborto é socialmente um desastre”, diz Juiz de Direito

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Justificando

https://www.youtube.com/watch?v=NVorYi6penw width:700 height:394

“A criminalização do aborto é socialmente um desastre” – com esse tema, o Justificando Entrevista recebe o Juiz de Direito do Tribunal do Júri José Henrique Torres, Professor de Direito Penal da PUC-Campinas e estudioso do aborto no Brasil, para um bate-papo diretamente do 21º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM.

Torres, que é membro da AJD – Associação Juízes para Democracia, destaca que o problema fundamental do aborto é a criminalização, que atinge, principalmente, mulheres pobres que não tem recursos financeiros para dispor de um atendimento clínico adequado. Essas condições drásticas, para Torres, não melhoram, muito menos diminuem, ao passo que o aborto é criminalizado:

“A proibição não diminui a prática do aborto de forma nenhuma (…). O aborto continua sendo praticado. Hoje, no Brasil, nós temos uma média de 700 mil abortos praticados por ano. Isso são estudos que são feitos cotidianamente, constantemente comprovando esses dados. Não é possível pensar que criminalizando ou proibindo, o abortamento será contido. Uma em cada cinco mulheres já praticaram o aborto. Portanto, o aborto, apesar da proibição, continua a ser praticado” – afirma.

E o pior – destaca – quando falamos em criminalização do aborto, em morte de mulheres, em consequências deletérias, estamos falando em mulheres pobres (…) que não têm dinheiro para ir a uma clínica e fazer um aborto seguro.

Criminalização do aborto é inconstitucional

O fato da conduta ser tão recorrente na sociedade brasileira é um dos elementos levantados por Torres para sustentar a inconstitucionalidade da criminalização do aborto, afinal, o Direito Penal não pode punir algo amplamente praticado pela população.

“Ora, num país em que nós temos 700 mil mulheres por ano praticando aborto, não é possível compatibilizar esse fato com a criminalização”.

Além disso, sustenta o entrevistado, por conta das condições precárias e inseguras que mulheres passam para poder abortar revelam a incompatibilidade entre aborto e a proteção constitucional à saúde. No plano internacional dos direitos humanos, tem se estabelecido pacificamente o direito da mulher nos aspectos de sua autonomia, escolhas e liberdades sexuais.

“A criminalização do aborto está causando muito maior dano do que o próprio aborto” – completo

Principal obstáculo para a descriminalização do aborto são pautas morais

Uma das grandes barreiras para o um verdadeiro debate sobre a descriminalização do aborto são dogmas e crenças morais que sequer admitem a discussão sobre o tema. Para Torres, “não é possível em um Estado de Direito Democrático, criminalizar a conduta para estabelecer pauta de comportamento moral”.

O que ocorre é que apesar das religiões dispuserem para seus fiéis determinadas condutas, o que ocorre é a generalização para toda sociedade – Por uma questão moral e religiosa, eu tenho para mim que é muito simples: se você achar que é pecado praticar o aborto, não pratique. (…)O que não se pode é impor à sociedade esse comportamento.

Para o que tem prestado a criminalização do aborto então? Para Torres, ela somente é eficaz em um caso:

O abortamento foi criminalizado não para proteger a vida dos fetos. Na verdade, o abortamento mantém a sua criminalização como instrumento de controle da sexualidade das mulheres. E nesse particular ela (criminalização) é eficaz.

Ao final, Torres arremata: Muita gente diz que esse tema é complexo, complicado… Eu, particularmente, não acho nada de complexo, não acho nada complicado. O fato é que nós temos mulheres morrendo, mulheres sofrendo muito. E se nós queremos salvar a vida dessas mulheres e evitar essa mortandade, essa tragédia social que está ocorrendo em razão da criminalização do aborto, só há um caminho: descriminalizar o aborto e encontrar outras formas, políticas públicas para assegurar o direito das mulheres e a vida delas.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. Os hipocritas do templo
    Mas não vai ser com essa Câmara cabeça de bagre, como se diz no interior, e sobretudo muito hipocrita, que teremos enfim uma lei a favor do aborto. Mas ela ainda vira.

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