A fuga dos magistrados, por Maykell Moreira

Do Jus Brasil

Eu, cidadão: A fuga dos magistrados

Maykell Felipe Moreira

De longa data, muito se tem falado a respeito de um fenômeno social e jurídico, denominado ‘fuga dos tribunais ou fuga do judiciário’. Esse fenômeno, basicamente, se desencadeia na trilogia ‘arbitragem, mediação e conciliação’, que se tratam de mecanismos de solução de conflitos (ademais não seja o que mais nos interessa aqui), onde os maiores interessados na causa resolvem, ali mesmo – entre si – que não levarão aquela questão jurídico-social ou jurídico-política às estranhas da Jurisdição Institucionalizada, mas buscarão solucioná-la, valendo-se destes métodos alternativos acima citados, para por fim àquela pendenga jurídica. Literalmente, os cidadãos envolvidos fogem da atuação do Judiciário. Aqui, por serem os próprios destinatários da prestação jurisdicional que dão ensejo a essa fuga, passaremos a tratá-los como ‘métodos autônomos de fuga jurisdicional’, uma vez que derivam da autonomia de vontade dos próprios interessados.

O descrédito tem chegado a tanto que, outro dia, ouvi de uma pessoa a seguinte analogia: ‘se o judiciário fosse uma pessoa, simplesmente, você não ia querer tê-lo frequentando a sua casa, não ia querer ser seu amigo“.

O autor Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 01), juiz aposentado e advogado, destaca que isso ocorre porque “a argumentação das decisões judiciárias não tem sido convincente e adequada. Para essa situação indesejada concorrem (…) o despreparo do magistrado, seu noviciado, inexperiência e insuficiente vivência das questões sociais, sua postura burocrática e por vezes excessivamente conservadora ou sua apatia perante as rápidas transformações sociais e políticas”. O referido autor, ainda fala que a demora dos processos judiciais assusta as grandes marcas, pois expõe os seus produtos, gerando danos à sua reputação empresarial no meio empreendedor, a evacuação de investidores, queda nas ações financeiras, dentre outras razões como a própria descrença e desesperança na atuação da instituição Justiça, a qual acrescento.

Mas não é este o ponto central do nosso breve artigo. Trataremos aqui de uma segunda vertente desse fenômeno, a qual classificamos de “fuga heterônoma de jurisdição ou fuga negativa de atuação jurisdicional”. Heterônoma, porque o agente principal da fuga não é mais a parte, mas o próprio judiciário, sujeito estranho aos interesses envolvidos. Negativa, porque se esquiva de atuar, quando o deveria.

Já vimos que há situações em que os próprios destinatários da atuação judicante recusam a prestação jurisdicional, preterindo-a em prol de buscar fora do Judiciário, os métodos alternativos de resolverem as suas lides.

Destarte, o oposto também existe, é o que ocorre com as condutas negativas ou omissivas do próprio judiciário, as quais buscam se esquivar do cumprimento do seu papel de concretizador da paz social, seja através de mecanismos restritivos como do ‘prequestionamento’, da ‘repercussão geral’, dos ‘recursos repetitivos’, ou mesmo através das supostas ‘irregularidades processuais’, que de maneira banal, às vezes se sobrepõem ao próprio ser humano, quando poderiam, tranquilamente, serem sanadas, sem frustrar a expectativa dos vitimados.

Recentemente, vimos, por exemplo, muito veiculado na mídia, o caso de uma condenação criminal sendo anulada, pelo fato de que, quando o réu prestou o depoimento, estava a fazer uso de algemas. Ora, não me parece razoável imaginar que, o uso de algemas, por si só, possa prejudicar o depoimento de um preso(parecendo-nos mais um método de fuga processual), poderíamos até questionar sim, se isso não seria desnecessário ou mesmo se violaria a dignidade do preso. Todavia, até mesmo os direitos fundamentais sofrem restrições em situações excepcionais, e um processo criminal é uma situação excepcional, portanto se de um lado há a dignidade do preso, por outro há a segurança dos presentes à audiência, dos agentes penitenciários que o transportam, e até mesmo de defensores, jurados, advogados, promotores e do próprio magistrado e seus escrivães: o direito à preservação à vida e integridade destes. Lembro-me, por exemplo, de um caso em que, um interrogado, usando de oportunismo surrupiou uma caneta na mesa da delegada, e, ferindo-a na altura do pescoço, conseguiu fugir. Portanto, para situações excepcionais, soluções excepcionais. Pensamos que, seria mais alinhado aos princípios basilares do direito e do processo, punir os infratores do abuso, e sendo claramente um ato que não macula o depoimento, fosse este sanado, inclusive face o cotejo com as demais evidências dos autos, zelando assim pela preservação e continuidade do processo ao invés de feri-lo de morte, e jogar todo um ‘suor processual e procedimental’ – que, aliás, custa caro  no lixo.

O que buscamos demonstrar é que esse tipo de conduta inequivocadamente se caracteriza com um dos tipos de “fuga heterônoma de jurisdição”, uma vez que, não mais os destinatários da prestação judicial fogem da tutela judicante, mas agora é o próprio magistrado investido da judicatura, dando fuga ao seu papel de concretizar a justiça, e trazer paz social, segurança jurídica, atendendo ao sentimento da coletividade de que ali, efetivamente, estar-se-á a produzir decisões justas e coerentes, ao invés de monstros jurídicos, que mais parecemquimeras jurisprudenciais.

Outro caso que podemos citar é o uso indiscriminado e desinteressado da chamadacláusula de reserva administrativa, ou mesmo do princípio da soberania das bancas examinadoras, onde os magistrados sequer buscam realmente entender o que, na prática, realmente ocorrera, e de plano indeferem impiedosamente a maioria dos pleitos judiciais versando sobre concursos públicos pela via do writ, sempre sobre a alegação ‘chula’ da inadequação da via eleita, invasão do mérito administrativo – que por sinal, sempre que se mostra conveniente, tem o seu conceito equivocadamente ampliado.

Portanto, as “fugas heterônomas de jurisdição” são atos ou práticas reincidentes, oriundos do próprio judiciário, que dão ensejo a uma cultura omissiva ou negativista de atuação, visando justamente criar uma ‘descrença processual’ nos interessados, de modo a gerar um desestímulo quanto a determinadas demandas ou atitudes dos cidadãos, sejam estes partes, advogados, procuradores, e outros que participem de um processo. Visam desestimular determinadas demandas, sejam por questões políticas, administrativas ou mesmo estruturais do judiciário. Outro excelente exemplo, ocorrera recentemente numa pequena cidade do interior de Minas, onde um dado magistrado, invertendo a regra legal, indistintamente, indeferia de plano todos os pedidos de gratuidade de justiça, notificando o autor para recolher as custas, visando o prosseguimento ou extinção do feito. Tal atitude frustrava e desacreditava muitos desses autores, que preferiam abrir mão e abandonar o direito. Este é apenas mais um exemplo de postura anti-processual do Poder Judiciário, dentre inúmeros outros que ocorrem por aí.

Os argumentos mais usados para isto, vão desde a aplicação equivocada e generalizada da tese da “inadequação da via eleita”, “ausência de direito líquido e certo”, “indicação errônea da autoridade coatora” em Mandado de Segurança – inclusive atropelando, muitas vezes, a própria “Teoria da Encampação”, etc. Basta haver conveniência, que haverá fugas pela tangente.

Estes atos negativos de atuação, ferem violentamente a economia processual, a eficiência e a efetividade da tutela jurisdicional, frustrando ainda o direito dos mais humildes – que já despenderam com um advogado, dinheiro e tempo – e desestimula a vítima a ingressar novamente com outro feito, na medida que, como já dito, produz desesperança em sua mente, especialmente pelo sentimento de descaso e indiferença que tais atitudes alimentam no ser humano.

Por fim, o que se percebe é que, a liga da Justiça, mais uma vez tem fraquejado, adquirido vicissitudes e se pautado por politicagens de conveniências, não mais tem posto a salvo o cidadão humilde na tutela dos seus direitos, ao contrário, muitas vezes tem colaborado diretamente para vilipendiar estes direitos de forma omissiva e negativista, e a impressão que fica é que, aqueles que poderiam ser os heróis da cidadania, tem desperdiçado essa oportunidade, ao olhar mais para os próprios umbigos – mudando o foco para os seus problemas estruturais, que apesar de merecem atenção, não são o fim em si mesmo da sua existência -, e esquecendo-se de produzir o néctar central da sua razão de ser, qual seja, o sentimento coletivo de efetividade da justiça àqueles que, vitimados, buscam ali, a proteção do bem da vida ora violado.


REFERÊNCIAS

MORAES, A. D. Direito constitucional. 18. Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

VENOSA, Silvio de Salvo. O desajuste da sentença e a fuga ao Judiciário. 9 de agosto de 2005. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI14869,61044-O+desajuste+da+sentenca+e+a+fuga+ao+Judiciario>.

PAULO, Tuani Ayres. Teoria da encampação. 1 de março de 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27287/teoria-da-encampacao>.

SOUZA, Giselle. Condenação é anulada pelo STF porque réu estava algemado no interrogatório. 23 de dezembro de 2015 em Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-dez-23/condenacao-anulada-porque-reu-estava-algemado-interrogatorio>.

 
Redação

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. franz kafka mostra, em O

    franz kafka mostra, em O Processo, como o judiciário é kafkiano,

    antro de injustiças…

    a única fuga possível para K é a morte….

  2. Concordo integralmente com o articulista…

    Há tempos penso dessa forma: o Judiciário criou inúmeros metódos e artíficios de espantar a sua “clientela”. Desde a morosidade inerente ao sistema às burocracias estaparfúdias e a jurisprudência defensiva.

    Juízes de primeiro grau, em diversos Estados, já subverteram a presunção de pobreza dos pedidos de Justiça gratuita. Agora é necessário comprovar que o cidadão é pobre, mesmo com a presunção legal conferida pela legislação pertinente.

    Vale dizer que o STJ deu uma mãozinha nesse sentido ao conferir interpretação bem vaga da presunção de pobreza contida na Lei 1.060/1950, admitindo interpretações de que, ao menor sinal de riqueza, o sujeito deve comprovar sua insuficiência financeira.

  3. Não dá para contentar todo mundo

    O ideal seria que os juízes decidissem pela vitória de todas as partes envolvidas nos processos. Seria a panacéia da Justiça. Tem dois tipos que questionam ou são questionados na Justiça: o que só quer ganhar tempo e o que acha que está com a razão. Os primeiro sempre tem sua vitória na demora dos processos e os segundos quase nunca tem esta razão. Se forem endinheirados, os advogados ou lhes colocarão no primeiro ntime ou lhes conseguirão a justiça através de gigantescos escritórios.

  4. justiça brasileira: a mais lesiva do mundo

    Além de ser lesiva, a justiça brasileira é parcial, cooptada pela elite oligárquica brasileira, além de extrememente medíocre.  Para dizer a verdade creio que  a metamorfose do mal  se dá  nos bancos das  Escolas de Direito; imaginem o que ensina aos seus alunos  as  escolas de direito do gilmar mendes, espalhadas pelo BRASIL afora.

    A primeira e a última vez em que estive em um tribunal de pequenas causas, o que passou para mim foi uma encenação, uma peça teatral, uma tragicomédia. Ao mesmo tempo em que percebia toda a arrumação, trágica para mim,  do advogado com o juiz [era uma juiza], percebia também  que eram  extremamente ridículos  com suas encenações e ali constatei:  pobre de quem se vê amaranhado nesse meio. São mortos-vivos à caça de humanos para tirar-lhes o sangue. POBRE DIRCEU! 

  5. Arbitragem é a privatização da justiça.

    Nos EUA, essa praga se alastrou como fogo em capim seco. Lá, praticamente todas as relações de consumo são regidas pela arbitragem. Quem ganha com isso? Certamente, não são os consumidores. A arbitragem pode até funcionar no caso de dois cachorros grandes, mas entre duas partes marcadamente desiguais, esquece.

  6. Interessante artigo. Creio

    Interessante artigo. Creio que a tipicidade do que o autor denomina de “fuga heterônoma de jurisdição ou fuga negativa de atuação jurisdicional” poderia ter sido enriquecida pelo exemplo absolutamente comum em tribunais, inclusive superiores, de transferir a jurisdição efetiva, que deveria ser monopólio inalienável do magistrado, para os assessores jurídicos. Não se trata, aqui, de ghost writers de discursos palacianos, que se limitam a criar a partir de uma linha política definida por quem irá lê-los, ou de meramente esticar uma linha de raciocínio previamente minutada pelo magistrado, o que parece ser inevitável dado o volume de processos distribuídos, mas da situação em que os magistrados simplesmente delegam toda a arquitetura intelectual do voto, ou da decisão, ao assessor, simplesmente apondo sua assinatura sem muitas vezes sequer ler a decisão. Isso é tão corriqueiro que o mesmo magistrado relator acaba por apresentar votos completamente contraditórios, em processos distintos, para situações juridicamente equivalentes, por conta de terem sido produzidos por assessores diferentes. No fim, essa fuga da atuação jurisdicional proporciona tempo extra indispensável para que cuidem de suas aulas, de seus cursos, de seus livros ou de quaisquer outras atividades intelectuais mais instingantes do que o enfadonho ato de compulsar autos e dizer o direito. Seria interessante a realização de uma pesquisa acadêmica sobre o assunto. Sugiro como título “O papel dos assessores do judiciário na hermenêutica jurídica aplicada” ou “O assessor jurídico de magistrados e a concretização do sentido de justiça”.

    1. Eu mesma sou vítima desta

      Eu mesma sou vítima desta situação de injustiça: dois pesos e duas medidas para situações idênticas e nada pode ser feito, pois não se pode questionar uma decisão judicial!

  7. juridiquês em alemão-austríaco com sotaque sérvio…

    em tempos da judicialização das coisas e da justiça

    dos procedimentos de investigação da lava jato

    dos métodos de conspiração dentro do poder

    dos métodos políticos golpistas e contragol

    das intrigas do poder para fazer fortunas…

    um bom filme sobre a 1ª grande guerra

    a ser decodificado alemão-austríaco

    pela máquina criptoanalista turing…

    ao vencedor! as batatas do assis

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=QCy8fCH2VyU%5D

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador