A Justiça é um luxo, o Judiciário só produz lixo jurídico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A Justiça é um luxo, o Judiciário só produz lixo jurídico

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há pouco mais de um ano, aqui mesmo no GGN, fiz algumas considerações sobre a crise do discurso jurídico. Reproduzo aqui a conclusão a que cheguei:

“Ao politizar o discurso jurídico o golpe de 2016 rebaixou sua autoridade transformando-o em tagarelice (Heidegger) ou numa linguagem alienada e inócua (Marcuse). Portanto, a ruptura que ocorreu em 2016 é terrível e transformará a crise política e econômica em crise jurídica com danos evidentes e permanentes para o Poder Judiciário, cujas decisões passarão a ser intensamente questionadas e eventualmente descumpridas.

Está absolutamente certo o juiz que disse que o  Judiciário pagará caro por ter sido atraído pelos holofotes. Todavia, o que é caro para um juiz pode e deve se tornar muito mais barato para os cidadãos. Sem querer Sérgio Moro e vários de seus colegas fizeram um favor aos brasileiros. Eles perderam de vista a transformação que não deveria ser feita no discurso jurídico. “Quando a política penetra no recinto dos tribunais, a Justiça se retira por alguma porta” (François Guizot), mas quando o discurso jurídico e o discurso político saem de mãos dadas do Tribunal ele fica vazio e o povo pode ficar tentado a fazer justiça com as próprias mãos.”

Volto ao assunto por causa do voto proferido por Fachin pelo não conhecimento do HC interposto pela defesa de Lula. A decisão é longa, supostamente profunda e bem fundamentada na jurisprudência, mas apenas dois fragmentos do voto são dignos de nota: Disse aquele Ministro do STF:

“… ainda que revele a atuação do referido magistrado em desbordo às normas de regência, a merecer a crítica adequada e a remediação prevista em lei, tal fato, mesmo visto no contexto dos anteriores elencados pelos impetrantes, não detém o condão de externar eventual intenção de atuação parcial…”

“Procedimentos heterodoxos para atingir finalidade, ainda que legítima, não devem ser beneplacitados, exigindo, contudo, mais que indícios ou narrativas para que configurem causas aptas a viciar a prestação jurisdicional por incompetência subjetiva do magistrado, já que o ordenamento jurídico prevê meios próprios de impugnação à preservação do devido processo legal.”

https://www.conjur.com.br/dl/leia-voto-fachin-julgamento-hc-lula.pdf

Dentre as garantias outorgadas aos cidadãos pela CF/88 merece destaque o “devido processo legal”. Essa garantia não pode ser flexibilizada por nenhum agente público (juízes incluídos), pois isso acarretaria uma distorção terrível: a substituição do princípio republicado (o governo de todos pelas leis previamente aprovadas) pela irracionalidade autoritária (o governo de homens que inventam regras para aplicá-las de maneira arbitrária).

O voto de Fachin afirma que a atuação de Sérgio Moro ocorreu em desbordo às normas de regência”. A conseqüencia jurídica necessária dos Procedimentos heterodoxos…” adotados seria diametralmente oposta à decisão que foi proferida. Tendo o juiz se afastado da Lei e agido como um tirano, o Habeas Corpus deveria ser conhecido e provido. Mas não foi o que ocorreu. Fachin preferiu decidir em sentido contrário.

Ao apreciar a questão relativa à parcialidade do juiz que julgou o caso do Triplex, Fachin afirma que é irrelevante o fato de Sérgio Moro ter se tornado ministro de Bolsonaro (adversário de Lula que ganhou a eleição porque o ex-presidente foi impedido de concorrer por causa da sentença condenatória que Sérgio Moro proferiu). Isso seria apenas uma tese da defesa. O fundamento de Fachin é absurdo, pois não seria necessária uma declaração escrita e assinada pelo juiz para podermos inferir de sua conduta a ausência de imparcialidade. Moro se beneficiou política e pessoalmente da decisão que tomou e isso é suficiente para demonstrar seu interesse na causa.

A decisão comentada reforça a tese por mim exposta há um ano. O Judiciário brasileiro rebaixou o discurso político numa tagarelice (Heidegger) ou numa linguagem alienada e inócua (Marcuse). Todavia, há algo mais que pode ser dito.

Há alguns dias a Folha de São Paulo noticiou que Jair Bolsonaro foi eleito por disparos massivos de Fake News. O processo eleitoral viciado – que deveria ser anulado pelo TSE ou pelo STF – é uma prova dos efeitos deletérios da “…spamização da linguagem e da comunização, fazendo surgir uma massa de comunicação e informação que não é informativa nem comunicativa…” referida por Byung-Chul Han (Topologia da violência, editora Vozes, Petrópolis, 2017, p. 215/216). Um pouco adiante esse autor afirma que:

A supercomunicação eleva a entropia do sistema de comunicação; ela produz um lixo comunicacional e de linguagem. Em seu ensaio Das eigentliche Übel (O verdadeiro mal) Michel Serres afirma que o processo de transformação do mundo em lixo e sujeira se deve à sanha de apropriação de origem animalesca. Os animais se apropriam de seu território demarcando-o com o malcheiro de seu cocô e de sua urina. Nós cuspimos na sopa para tirar dos outros o prazer da fruição. Os rouxinóis se apropriam do espaço expulsando pássaros de sua área ao fazer muito alarde. Serres distingue entre duas espécies de lixo. O lixo sólido consiste em resíduos materiais, como depósitos gigantes de lixo, venenos tóxicos ambientais ou resíduos industriais. Lixo suave, ao contrário é o lixo do linguajar, lixo de sinais e de comunicação.” (Topologia da violência, Byung-Chul Han, editora Vozes, Petrópolis, 2017, p. 215/216, p. 222/223)

O lixo comunicacional produzido pela campanha de Jair Bolsonaro não seria capaz de destruir nossa democracia se os Juízes também não estivessem produzindo lixo jurídico desde que Luiz Fux condenou José Dirceu “porque o réu não provou sua inocência”. Ao considerar válido o processo conduzido e sentenciado por Sérgio Moro em desbordo às normas de regência” Fachin apenas e tão somente empregou os “Procedimentos heterodoxos…” inventados pelo próprio STF ao julgar o Mensalão do PT. 

Impossível esquecer que naquela oportunidade Rosa Weber sacrificou José Dirceu no altar do Deus Mercado (vide https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/jose-dirceu-sacrificado-ao-deus-mercado-no-altar-da-midia-por-fabio-de-o-ribeiro) “porque a literatura permite”. O principal assessor daquela ministra do STF na oportunidade era o próprio Sérgio Moro. Foi ele que ajudou a inventar os “Procedimentos heterodoxos…” em que os juízes não precisam mais proferir sentenças penas condenatórias de acordo com a Lei, bastando apenas e tão somente fazer referência ao texto legal cujo conteúdo eles não querem colocar ao alcance do líder petista que será encarcerado. 

No fundo o que Fachin disse no seu voto contraditório foi mais ou menos o seguinte: eu concederia o HC se o paciente fosse outro e/ou se juiz que cometeu a ilegalidade não fosse Sérgio Moro. Portanto, devemos concluir que o lixo jurídico que o futuro Ministro da Justiça produziu no processo do Triplex (e que ele ajudou a produzir desde o julgamento do Mensalão do PT) é, de fato e de Direito, a única norma jurídica e/ou jurisprudência que fundamenta a negação por Fachin do HC requerido pela defesa de Lula.

Em sua obra “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky & Daniel Ziblatt (Zahar, Rio de Janeiro, 2018), afirmam que:

Se compararmos nossa situação presente com crises democráticas em outras partes do mundo e em outros momentos da história, torna-se claro que os Estados Unidos não são tão diferentes de outras nações. Nosso sistema constitucional, embora mais antigo e robusto do que qualquer outro na história, é vulnerável às mesmas patologias que mataram a democracia em outros lugares.” (Como as democracias morrem, Steven Levitsky & Daniel Ziblatt, Zahar, Rio de Janeiro, 2018, p. 217) 

Em razão de tudo que foi exposto acima sou obrigado a discordar da afirmação de Steven Levitsky & Daniel Ziblatt. Os Estados Unidos ainda são bem diferentes do Brasil. Afinal, se levarmos em consideração a decisão proferida pelo juiz que reconduziu à Casa Branca o jornalista que foi expulso de lá por Donald Trump, nada indica que a constituição norte-americana será transformada em lixo jurídico pelo Poder Judiciário daquele país. Cá, a nossa própria constituição está sendo lixificada desde que Sérgio Moro se transformou na única fonte válida de legislação, jurisprudência e princípios jurídicos.

Como ocorreu no caso de José Dirceu, Lula também deixou de ser apenas um réu. O voto de Fachin comentado acima demonstra que o ex-presidente petista já virou um ativo político pessoal de Sérgio Moro. Tudo indica que ele morrerá na prisão, pois os outros juízes já não são mais capazes de retirar o discurso jurídico da imensa montanha de lixo comunicacional em que eles mesmos o jogaram quando começaram a conspirar contra o sistema constitucional brasileiro.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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