A Justiça mineira, Carone e o “direito penal do inimigo”

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Sugestão de Henrique, Outro

do Viomundo

O “direito penal do inimigo” aplicado a jornalista preso em MG

carone

Marco Aurélio Carone, ainda preso em Minas Gerais

UM CASO DE APLICAÇÃO DO CHAMADO DIREITO PENAL DO INIMIGO EM MINAS GERAIS?

por Narciso Alvarenga Monteiro de Castro*, via e-mail

Sempre procurei seguir os ensinamentos do eminente Desembargador Gudesteu Biber, ex-presidente do E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que dizia “havendo dúvida entre o Estado e um cidadão, fique com o cidadão”.

Não estou aqui para defender A ou B, muito menos para infringir algum dispositivo da já anacrônica LOMAN (editada na época da ditadura militar), mas não poderia me manter alheio no caso da prisão do jornalista Marco Aurélio Carone, ocorrida, salvo engano, em janeiro do corrente ano.

Segundo o Promotor de Justiça que requereu a prisão preventiva, o motivo seria que o jornalista “atacaria testemunhas”, de acordo com notícia veiculada por um jornal da capital. O que não se sabe é se tais “ataques” seriam físicos ou através de seu sítio jornalístico “Novo Jornal”, que também foi fechado. O mesmo promotor lança suspeitas de um ataque que teria sofrido, pois um veículo dele teria sido incendiado no bairro Serra, dizendo “mas não há dúvida que existe suspeita sobre esta quadrilha”.

O problema é que Carone, que foi alcunhado pejorativamente de “Marco Florzinha”, noticiou problemas entre o promotor e um irmão, advogado, o que provavelmente não o agradou.

Se os “ataques” mencionados são estes (veiculação de notícias) estar-se-ia, em tese, com um caso de atentado contra a liberdade de imprensa. O promotor antecipa o argumento dizendo “Ele (Carone) utilizava o fato de ser jornalista para tentar se acobertar alegando liberdade de imprensa. Como se isso fosse uma carta branca para cometer toda a sorte de crimes, publicando notícias inverídicas e tentando desmoralizar autoridades e instituições com o objetivo de facilitar a atuação dessa quadrilha”.

Mais uma vez o problema está nas denúncias feitas por Carone que envolvem diversas autoridades, listadas na própria matéria citada: Aécio, Danilo de Castro e Eduardo Azeredo.

Carone, ao que se sabe, foi contemporâneo de Azeredo, ambos filhos de famílias de políticos, sendo criados nos mesmos ambientes.

Não privou da mesma intimidade de Aécio, por serem de gerações diferentes, mas trabalhou com o avô famoso.

O início dos problemas entre eles teria sido quando Azeredo, segundo afirma Carone, teria participado do fechamento dos jornais impressos da família de Carone.

Até aqui nada demais: se qualquer jornalista comete crime, pode e deve ser processado legalmente. A questão é a prisão.

Esta foi decretada por quem de direito, atendendo a requerimento de órgão da acusação, ainda que este pudesse — fato passível de averiguação de veracidade — ter ou não algum interesse no fato.

No caso de se confirmar a hipótese, poder-se-ia inquinar de nulo o próprio ato.

Até onde se sabe, Marco Carone ainda não foi condenado em nenhum processo e ainda que fosse, tal decisão não teria transitado em julgado. Portanto, segundo a jurisprudência mais recente e dominante, as hipóteses para a decretação desta modalidade de prisão cautelar são muito restritas.

Caberiam singelas indagações: se o sítio do jornalista foi fechado porque mantê-lo ainda preso? Até quando ficará preso? Até o fim das eleições?

A vista do sumariado, ainda que não tenha tido acesso aos autos, apenas ao que foi veiculado pela imprensa, tanto tradicional, quanto eletrônica, ouso, em tese, identificar vestígios do que foi denominado direito penal do inimigo.

Para Gunther Jakobs, pena é coação, que tem por finalidade o sentido simbólico de manutenção da norma vigente (pena como contradição, na esteira do pensamento de Hegel). Mas além deste sentido tradicional, teria outro, primordial no que chamou de direito do inimigo (em contraposição ao direito do cidadão), que seria preventivo ao impedir que o preso cometa crimes fora da prisão (prevenção especial), o chamado “efeito de segurança”.

O fundamento, então, da prisão do jornalista, seria a sua pretensa periculosidade (pressuposto de medida de segurança) e não a sua culpabilidade ou não (que é o pressuposto da pena).

Não há que se falar em culpabilidade, pois não houve sentença judicial condenatória, como visto.

Pode ter sido utilizado um instrumento de segurança, a lembrar os tempos da Lei de Segurança Nacional, de triste recordação, na senda aberta por Fichte, citado por Jakobs.

Carone praticaria delitos contra o Estado? Ou estaria tão somente incomodando os poderosos de plantão? Certamente que não praticou, em tese, delitos comuns, tal a gravidade da medida contra si intentada, equiparado a crimes como terrorismo, delitos sexuais, econômicos, etc.

Hoje poucos crimes levam os criminosos à prisão. Carone seria um criminoso? Em sendo, seria periculoso? Mas no direito brasileiro a periculosidade somente é base, é pressuposto para medida de segurança (doença mental), não para penas, sanções, cadeia, reclusão.

Assim, na trilha pavimentada por Karl Schmitt, Carone seria mais inimicus que hostis, pois o primeiro é derivado de um ódio privado e o segundo (hostis) é o inimigo público, com quem se está em guerra.

O efeito pretendido (e conseguido) com a prisão do jornalista, a quem não conheço, foi o de mera inocuização, ou seja, que não continue a escrever ou noticiar eventos que vão contra determinados detentores do poder, ainda mais em época de campanha política.

A ação pode ter sido preventiva, antecipatória, nos moldes preconizados pelo direito penal do inimigo, que “diminui a disposição de tratar o delinquente como pessoa”, conforme seu idealizador. Ai residiria, inclusive, as razões da manutenção da prisão, passados mais de 90 dias.

Com a palavra os tribunais. Ainda há juízes em Berlim?

*Juiz de Direito

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Em Minas prevalece, SEMPRE, o

    Em Minas prevalece, SEMPRE, o interesse do Aócio. Aliás, Minas, não; AÓCIOQUISTÃO. Tenho até pena do Pimentel. Vai pegar um Estado totalmente quebrado, totalmente inviabilizado e, ainda por cima, com todos a sua máquina aparelhada pelo Baladeiro do Baixo Leblon. O que o Haddad sofre em São Paulo vai ser café pequeno comparando-se com os serviçais do Menino do Rio. Abaixo segue uma aula magna sobe Minas Gerais. [video:http://www.youtube.com/watch?v=AkLYoPDd0v0%5D

  2. Carone, Aécio, Azeredo e a Justiça de Minas Gerais

    Essa caso é estranhissimo. Não sabia ser possivel manter prisioneiro por 10 meses ja, uma pessoa sem julgamento ? Ainda mais em um caso sem periculosidade, sem ter comedito crime hediondo… Em quê se transformou (ou tera sido sempre assim ?) a Justiça de Minas Gerais ? A Justiça dos poderosos ?!

  3. essa mesma justiça que

    essa mesma justiça que condenou nestecaso

    condenaria agrande mídia por agirem de forma

    tedenciosa,

    distorcida

    e golpista?

  4. A Justiça mineira, Carone e o “direito penal do inimigo”

    O Carone tem uma reportagem sobre a trajetória do Tancredo Neves, que seria divulgada esta ano. Agora está encarcerado.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador