A legalidade do rito de impeachment na Câmara

Juristas se dividem durante o debate no Brasilianas sobre processo de impeachment contra Dilma
 
Jornal GGN – As avalições em torno do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff são variadas e juntas formam uma discussão complexa porque envolve desde o conteúdo do processo protocolado pelo advogado Hélio Bicudo até o passo a passo dos trâmites que precisam ser tomados para ordenar o começo, meio e fim da ação na Câmara e no Senado.
 
Para compor a Comissão que irá elaborar o parecer do pedido de impeachment na Câmara, por exemplo, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou a votação por voto secreto, levando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, a paralisar a ação que só será retomada na Câmara após parecer do plenário do STF explicando como deverá ser o rito de impeachment no Congresso. 
 
Para avaliar a legalidade do processo de impeachment dentro da Câmara com base na Constituição Federal e na Lei 1.079, Luis Nassif recebeu no programa Brasilianas.org quatro especialistas da área do direito: o advogado eleitoral Alberto Luis Mendonça Rollo e o advogado criminalista Roberto Delmanto Jr, favoráveis ao pedido; e o professor de direito Constitucional da PUC-SP, Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira e o deputado, e também advogado, Wadih Damous (PT-RJ), contrários ao ato admitido por Cunha.
 
Corre o risco do parlamentar renunciar seu mandato nos próximos dias, para não sofrer as consequências de uma ação no Conselho de Ética da Câmara, que analisa um processo de cassação de Cunha por falso depoimento na CPI da Petrobras, quando negou em março a existência de contas no exterior. Mas, independente do que acontecerá com Cunha, a discussão do impeachment voltará para a Câmara após decisão do plenário do STF.   
O Jornal GGN fez uma lista dos argumentos e contra-argumentos debatidos no Brasilianas.org que você poderá acompanhar a seguir. 
 
– Sobre o processo aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Deveria ou não ser anulado pelo STF? 
 
1. Para a base do governo, Dilma tem direito a uma defesa prévia ao ato de Cunha de admitir o pedido de impeachment. Essa ordem não teria, portanto, sido respeitada por Cunha, logo a ação do deputado precisa ser anulada e voltar para o início. 
 
2. Entretanto, para os advogados pró-oposição, a instauração de uma fase de defesa anterior ao início do rito impeachment não é argumento, lembrando que o impeachment do senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) ocorreu sem apresentação prévia de defesa. 
 
3. Mas, para os juristas defensores de Dilma, a presidenta tem apoio da sociedade e de parte do Congresso, diferente de Collor que, quando presidente, não tinha mais respaldo popular. 
 
4. Paralela à discussão da defesa de Dilma, a base e os advogados governistas pedem a anulação da sessão que elegeu os integrantes da Comissão Especial na Câmara, criada por meio de voto secreto. 
 
A escolha de compor a comissão por voto secreto levou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, a suspender a instalação da comissão na última terça-feira (8). Agora, o plenário do STF irá julgar nesta quarta (16) qual rito deverá ser adotado para o processo de afastamento da presidenta. Fachin compreende que o voto secreto para a escolha da Comissão não deveria ter sido utilizado neste caso. 
 
A chapa vencedora no Congresso, por 272 votos contra 199 votos, chamada ‘Unindo o Brasil’, é formada por deputados da oposição e dissidentes da base governistas. A chapa perdedora era formada por indicados dos líderes partidários aliados ao governo. Analistas da imprensa acreditam que o ministro Fachin irá manter a validade da sessão da Câmara que elegeu a chapa alternativa. Ponto para a oposição se assim acontecer. 
 
A Comissão Especial é composta por 65 deputados e irá elaborar o parecer do pedido de impeachment. A votação final será no plenário da Câmara, com a participação de todos os 513 deputados. 
 
Para fazer passar o pedido de impeachment naquela Casa, a oposição terá que conseguir 2/3 dos votos, ou seja, de 342 deputados. Não é impossível, mas também não será fácil, pois se estima que hoje o governo ainda tenha uma base aliada de 304 deputados. Se passar na Câmara, o processo vai para o Senado onde também precisará de 2/3 dos votos (81 senadores).
 
A sessão do Senado é presidida pelo presidente e ministro do STF (hoje Ricardo Lewandowski) e deverá ocorrer em até 180 dias após a sua chegada no Senado. 
 
“O PT, neste momento, quer um julgamento rápido porque entende que hoje há mais de 171 votos a favor da presidente Dilma [na Câmara], e a oposição, parte dela, do PSDB, gostaria também que seja rápido. Outra [parte da oposição] já prefere que fique para depois [o julgamento pelo impeachment]. Mas isto, na minha ótica, não é por nenhum espírito cívico é justamente por um pragmatismo de quanto aumentam as chances para cada lado”, avaliou o criminalista Delmanto Jr. 
 
– O choque entre a Lei do impeachment (n° 1.079 de 1950) e a Constituição Federal (Previsto no Art. 82 do Capítulo II do Título IV da Carga Magna): 
 
1. Para o deputado Wadih Damous o pedido de impeachment aceito na Câmara se baseia em uma lei “insuficiente” (Lei nº 1079/50), portanto de regras anacrônicas, criadas antes da Constituição Federal. “[Esta legislação] não estabelece de maneira integral, clara, um itinerário de início, meio e fim para o julgamento de um impeachment”. 
 
O advogado constitucionalista, Tarcísio Ferreira, acrescentou que no dispositivo sobre impeachment da Constituição Federal o processo de suspensão de um presidente da República deve ser formulado no Senado e não na Câmara dos Deputados. 
 
“É claro que a disposição constitucional prevalece sobre a disposição legal, seja porque não existe lei que não esteja pendurada na Constituição – ela é dependente da Constituição -, seja porque a Constituição é posterior, então há uma dupla derrogação do preceito legal”, pontuou. 
 
2. Já o advogado eleitoral, Alberto Rollo, lembrou que todo o processo de impeachment de Collor se deu com base na Lei 1.079 e o criminalista Delmanto Jr. foi além nas explicações: 
 
“Na minha ótica [a Lei 1.079] foi recepcionada pela Constituição de 88 e ela está em vigor. Enquanto não houver uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) pelo Supremo Tribunal Federal, que demoraria certamente mais do que 180 dias, ela está em vigor”, concluiu. 
 
– Lei e Constituição. 
 
Para entender melhor essa discussão entre Lei e Constituição vamos à diferença entre os dois:    
 
Segundo o art. 5º, II, da Constituição Federal, Lei é uma norma jurídica capaz de criar obrigações para todas as pessoas. A Constituição é uma lei também, mas está acima de todas as outras leis. Logo se uma lei entrar em contradição com um dispositivo da Constituição Federal, é a regra da Constituição que deve prevalecer. 
 
3. Posto isso, Damous defendeu no programa que a o rito do impeachment é constitucionalizado. “Nós não podemos simplesmente banalizar e minimizar os efeitos do impeachment sobre o argumento de que isso aí é um processo político e no processo político vale tudo”, frisou o parlamentar. 
 
– A motivação política de Cunha sobre o mérito do julgamento do impeachment 
 
1. O professor Tarcísio Ferreira chamou de “extorsão” a ação do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha de aceitar o processo de impeachment. O pedido foi protocolado no dia 21 de outubro pelos juristas Helio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaina Paschoal, mas só foi aceito em dezembro, no mesmo dia em que a bancada do PT na Câmara anunciou que votaria em conjunto em favor de um processo contra Cunha no Conselho de Ética da Casa. 
 
O pedido protocolado se baseou em três fundamentos. Primeiro é o crime de responsabilidade, pelo governo não ter respeitado a lei orçamentária, como o excesso de despesas e empréstimos vetados aos bancos públicos. O segundo fundamento é que houve novas despesas assinadas por decretos presidenciais no começo de 2015, não autorizadas pelo Congresso Nacional. E o terceiro fundamento é a irresponsabilidade por parte da presidenta da República em relação aos seus subordinados no esquema levantado pela Polícia Federal na Operação Lava Jato.   
 
Eduardo Cunha aceitou apenas o primeiro fundamento: o crime de responsabilidade orçamentária. 
 
2. Para Alberto Rollo, independente das motivações de Cunha, o processo deve ser levado adiante. “A motivação do pedido [de impeachment] é jurídico, tem fundamento jurídico e não é ele [Cunha] que vai decidir [a admissibilidade do processo], é a Comissão e depois o próprio plenário da Casa”, explicou. 
 
3. O deputado Wadih destacou, porém, que ainda que a gestão da presidenta Dilma tivesse realizado alguma irregularidade, a condição é de um mandato presidencial, estabelecido pela Constituição Federal como cláusula pétrea. 
 
“Não se trata de uma mera irregularidade, não estamos tratando aqui de uma irregularidade cometida por um mero funcionário público, nós estamos tratando de um mandato presidencial. Então para que tenha havido violação da constituição tem que ter havido um verdadeiro atentado, dolo, presidente disposto a atentar contra a Constituição, e isso não pode se imputar em hipótese alguma, pelo menos em relação aos fatos já conhecidos, à presidenta Dilma Rousseff”, defendeu. 
 
4. O constitucionalista Tarcísio Ferreira inteirou, ainda, que a análise do Tribunal de Contas da União, sobre a gestão orçamentária do governo, se deu sobre o primeiro mandato de Dilma. Agora se trata de um novo governo que não poderia sofrer mais motivação de um pedido de impeachment, por conta de desequilíbrios fiscais de um mandato já consumado. 
 
“Não é porque ela foi reeleita que fatos passados poderiam e iam ser considerados como crime de responsabilidade, em absoluto. Tem que ser algum fato praticado nesses 11 meses de poucos dias deste segundo mandato, e não aconteceu nada disso”. 
 
5. Mas para o criminalista Delmanto Jr desconsiderar a má gestão das contas públicas do governo só porque Dilma foi reeleita é o mesmo que “dar uma carta branca” para chefes do executivo governarem sem se sentirem intimidados com a lei. 
 
Veja a seguir a entrevista completa dos especialistas, concedida ao jornalista Luis Nassif. Mas antes, trecho do dispositivo da Constituição sobre o impeachment e que divide os juristas: 
 
“O impeachment na Constituição de 1988, no que concerne ao presidente da República: autorizada pela Câmara dos Deputados, por 2/3 de seus membros, a instauração do processo (CF, art. 51, I), ou admitida a acusação (CF, art. 86), o Senado Federal processará e julgará o presidente da República nos crimes de responsabilidade. É dizer: o impeachment do presidente da República será processado e julgado pelo Senado Federal. O Senado e não mais a Câmara dos Deputados formulará a acusação (juízo de pronúncia) e proferirá o julgamento. CF/1988, art. 51, I; art. 52; art. 86, § 1º, II, § 2º, (MS 21.564-DF). A lei estabelecerá as normas de processo e julgamento. CF, art. 85, parágrafo único. Essas normas estão na Lei 1.079, de 1950, que foi recepcionada, em grande parte, pela CF/1988 (MS  21.564-DF). O impeachment e o due process of law: a aplicabilidade deste no processo de impeachment, observadas as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do processo, ou o cunho político do juízo. CF, art. 85, parágrafo único. Lei 1.079, de 1950, recepcionada, em grande parte, pela CF/1988 (MS 21.564-DF).” (MS 21.623, rel. min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993.)
 
https://www.youtube.com/watch?v=Dk_DebTOgXI width:700
 
Redação

7 Comentários

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  1. Alguns estão advogando que o

    Alguns estão advogando que o Senado deve ser vassalo da camara e não deve opinar sobre afastamento da Presidente, algo que é absurdo e totalmente anti constitucional.

    Torçamos para que ainda sobre algum lampejo de sobriedade ao STF e hoje, os ministros possam decidir no sentido de dizer que o Senado também tem qeu aprovar o afastamento dela, por 2/3 dos votos antes da abertura do processo.

    É , evidentemente, o correto a se fazer.

     

     

  2. valeu, emboa cada um puxe pro

    valeu, emboa cada um puxe pro seu lado.

    mostra tb que o discurso jurídico tem um vigor além da conta em relação ao discurso político,

    o qual realmente pode mudar a realidade de uma nação, inclusive o discurso jurídico… … 

  3. Só existem um argumento para
    Só existem um argumento para cada posição:

    A favor do “impitimam” = GOLPE
    Contra = CONSTITUIÇÃO

    O RESTO É BLA BLA BLA

  4. Golpistas

    Um bom resultado da tentativa de antidemocratas de apear do poder uma presidenta eleita legitimamente pelo voto popular em eleições limpas é o desmascaramento dos que são contrários à vontade popular. Como é sabido, são os tucanos que movem as peças pelo impeachment ilegalíssimo da presidenta eleita e isso exibe sua verdadeira natureza: são visceralmente contrários ao regime democrático e contra o princípio basilar de nossa Carta Magna que diz que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Não para o PSDB, sempre à disposição de qualquer expediente que os faça entrar no Palácio do Planalto pelo porta dos fundos, sem a legitimidade do voto. Quando elegem seus vereadores, prefeitos, governadores, deputados e senadores está tudo certo quanto ao método democrático de o povo escolher seus representantes, mas quando perdem, repetidamente, eleições para presidente aí o sistema de escrutínio popular não serve para eles que passam a utilizar todo o tipo de contestação ilegal e espúria, apoiado no que há de mais podre na sociedade brasileira. O episódio revela, portanto, que debaixo da capa de “sociais-democratas” se esconde o que há de mais autoritário e antidemocrata na vida política do país. Estão sempre articulando investidas ilegais, ilegítimas e antidemocráticas, talvez para esconder o enorme passivo de falcatruas que teem em suas trajetórias públicas, convenientemente engavetadas pelo Ministério Público. Agora é definitivo, o PSDB rasgou a fantasia e se revelou o que sempre foi: um partido de extrema-direita que está disposto a apoiar os mesmíssimos métodos autoritários e violentos utilizados por Hitler para tomar de assalto o poder na Alemanha dos anos 30.

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