A sobreposição dos direitos na legislação brasileira

Jota Vê no Facebook

Este texto, do juiz ALFREDO ATTIÉ foi publicado na página do professor Renato Janine Ribeiro. É, na minha opinião, a chave para se compreender o tremendo erro cometido, não apenas pelo TJ-SP no episódio do Pinheirinho, mas por muitos outros tribunais em casos semelhantes. O direito à propriedade não pode se sobrepor a outros direitos igualmente garantidos pela legislação brasileira. É impressionante que este aspecto, tão simples e tão fundamental, tenha escapado aos editoriais dos grandes jornais brasileiros que, acomodando um lamento discreto em algum arrebalde esquecido do texto, acabaram justificando a decisão cruel, desumana e ILEGAL de pôr 1.500 famílias no olho da rua, sem nenhuma alternativa imediata de moradia. 

Por Alfredo Attié

Fui indagado por querido amigo, o que faria, no caso. Explico: Querido amigo Tadeu Gostei de sua pergunta, cuja resposta e’ muito simples. Na Europa e nos EEUU, seja na experienciia do direito angloamericano, seja na do continental europeu, nao existe norma sem os meios materiais de sua efetivacao, nao existe imperativo sem eficacia. Isso serve pra qualquer norma, em qualquer grau, mesmo a sentenca ou decisao judicial. Ja’ te contei o caso de minha conversa, em Frankfurt, com um jurista alemao, sobre normas ambientais. Ele ficou espantado com o avanco de nossas leis, mas eu lhe disse que nao eram cumpridas, que nao havia meios. Ele sorriu e me disse que as normas deles eras mais modestas, mas todas eram cumpridas. So’ se criava uma obrigacao, se havia meios de concretiza-la, desde logo.

O direito, para eles, nao e’ um mar de declaracoes vazias, um mar aparente, sem agua, na verdade um deserto, como o nosso direito. Um juiz nao pode dar ordem que nao vai ser cumprida, isto e’, nao pode emitir uma norma sem que haja meios materiais para seu cumprimento. Nao posso mandar desocupar uma area se isso vai causar um problema maior do que se eu tiver dito que somente determinarei a desocupacao se todos os instrumentos estiverem garantidos, se as pessoas que ocupam serao preservadas, se nao houver plena garantia, pelo governo (que devera’ cumprir a ordem, por meio de sua policia), de que as familias, as criancas terao pra onde se deslocar, dignamente. E’ uma ficcao a historia de que ordem do judiciario deve ser cumprida, sem discussao.

A ordem somente e’ emitida apos muita discussao (no discurso de Pericles esta’: nao acreditamos, nos os democratas de Atenas, que o discurso entrave a acao). Assim, eu agiria, com base na minha experiencia (que voce conhece), nas diversas comarcas em que estive, com base no conhecimento que busco sempre construir. Afinal, sao anos e anos de estudo e de pratica do direito. No caso, seria preferivel pressionar o poder publico a agir corretamente, a estabelecer os meios para a subsistencia dos ocupantes, sem comprometer os creditos da massa. Melhor isso do que pressionar as pessoas, pela violencia, a sairem de la’ e resolverem sozinhas a propria vida. A vida, alias, esta’ la’ na Constituicao como direito precipuo, assim como sua dignidade. Afinal, a lei nao fala apenas de propriedade, mas de sollidariedade (que nao e’ uma brincadeira, e’ um direito, que o judiciario tem de fazer eficaz, verdadeiro). Abracos.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador