A visão do juiz que concedeu direito de resposta às religiões afro

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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“A imprensa existe para criticar, mas o Judiciário vai reprimir quando houver uma ofensa a valores que a Constituição também protege”, disse o juiz Djalma Moreira Gomes
 
 
Jornal GGN – “Nós somos um Estado laico. O que isso significa? Que as religiões são livres. Se as religiões são livres, cada qual pode professar a religião que quiser, sem que seja obstado. E todos devem respeitar”, assim entende o juiz Djalma Moreira Gomes, que em decisão inédita, concedeu direito de resposta às religiões afrobrasileiras, com transmissões de programas na TV Record e Rede Mulher, na última semana. O peso de tal sentença na restrição frente aos abusos do poder da imprensa e das emissoras de radidifusão foi encarado com naturalidade pelo juiz federal, que para todas as respostas ao GGN recorria ao amparo da Constituição.
 
Foi além: “à medida que esse desapreço é promovido por um serviço público, e a nossa Constituição admite como sendo representantes desse determinado segmento associações que tenham a legitimidade para defender os seus interesses, vêm e reclamam essa resposta, o ordenamento jurídico tem que vir em sua salvaguarda. E foi isso que nós reconhecemos nesse processo”, explicou em entrevista.
 
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A obrigação por amparar as religiões de origem africana não foi tão simples, do lado das partes autoras da ação: o Ministério Público Federal, do Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade. A procuradora da República Eugênia Gonzaga foi quem deu início ao pedido de resposta, que caminhou por mais de dez anos até ter um julgamento. 
 
Ainda é possível recorrer. Entretanto, a decisão do juiz da 25ª Vara Federal Cível em São Paulo concedeu tutela antecipada, o que significa que as emissores deverão cumprir a pena, antes de finalizar o julgamento de possíveis recursos. O resultado é a produção de quatro programas de televisão, com uma hora de duração, transmitidos duas vezes cada um. E as emissoras deverão disponibilizar seus espaços físicos, equipamentos e pessoal técnico.
 
Leia mais: Em decisão inédita, Justiça condena emissoras por ofender religiões afro
 
Em entrevista ao GGN, Eugênia Gonzaga explicou que a demora deveu-se a vários recursos protelatórios das emissoras e também da União, além de um conflito sobre qual Corte deveria julgar o caso. Mas, para ela, a sentença em favor das religiões afro trazem motivação para direitos de respostas de minorias.
 
“Em direitos humanos as vitórias são espaçadas e demoradas, mas, quando vêm, a gente tem uma alegria imensa. Pena que a ofensa continua tão atual. Espero que os programas possam ser exibidos em breve”, comemorou a procuradora, caracterizando a decisão como “inédita” e “irretocável”.
 
Para Eugênia, o direito de resposta a uma religião que não tem meios de penetração ao público, como é o caso da TV Record para a divulgação da Igreja Universal, é o mínimo. “Na questão da religião afro eu caminho mais adiante, porque não é mais só uma questão de direito de resposta, é de dano coletivo, de até discriminação racial”, refletiu.
 
“Não tem regulamentação sobre a mídia, começa que o Estado é laico, ele não deveria optar por religião nenhuma, a televisão é uma concessão pública, então já causa estranheza de uma emissora poder fazer uma opção aberta por uma determinada religião. Por outro lado, a religião também é um aspecto cultural do país. Então, ao invés de se vedar a opção para uma religião, o certo é abrir para todas”, defendeu.
 
Ações coletivas
 
O “inédito” mencionado pela procuradora faz referência à coletivização das partes. Ou seja, não é uma parte específica que entra com a ação, mas associações que representam um direito coletivo – neste caso, as religiões afrobrasileiras. Já existiam ações de partes coletivas com pedidos de indenizações, mas não de resposta.
 
A peculiaridade do “coletivo” foi vista de forma positiva pelo juiz federal. “A Constituição de 1988 abriu a possibilidade dessas ações coletivas, e isso é muito frequente”, disse Djalma Gomes, que completou: “Hoje a tendência, e é bom que seja assim, que as ações sejam coletivizadas, através de representantes de alguns segmentos, através do Ministério Público, isso é muito bom, até para efeito de descongestionamento do Judiciário”.
 
Abusos x Papel da Imprensa
 
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Apesar de não haver uma regulamentação da mídia, e com o fim da Lei de Imprensa, revogada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, a procuradora da República Eugênia Gonzaga acredita que sentenças como essa trazem a validade, na prática, de direitos já assegurados pela Constituição. “Essa decisão depois da lei de imprensa demonstra que o direito de resposta tem fundamento direto na Constituição e não precisa de nenhuma lei disciplinando, que já existe esse direito garantido para todos”, afirmou. 
 
“É possível que seja necessário uma ou outra regulamentação, mas as vigas mestras estão aí. É direito de agir nesse sentido e responsabilidade a ele inerente. Isso a Constituição dá claramente. Se você me perguntar se é necessário uma lei que regulamente [a imprensa, a Constituição já diz como devemos agir”, afirmou o juiz federal, que também enfatizou a diferença, na liberdade de imprensa, entre a crítica e a ofensa.
 
“Distingua bem a crítica da ofensa. A Constituição protege valores. Os meios de comunicação, a imprensa, prestam um relevante serviço na medida que criticam, isso não enseja nenhum reparo. A crítica é o instrumento de aperfeiçoamento”, afirmou o juiz. “De um modo geral, o Judiciário entende que a imprensa cumpre um exelente papel quando critica, por exemplo, os políticos. A imprensa existe para isso mesmo. E no cumprimento desse papel, às vezes, há exageros. Aí vai ao Judiciário ver se é tolerável, se faz parte, etc, e vai reprimir quando houver uma ofensa a valores que a Constituição também protege”, diferenciou Moreira Gomes.
 
[video:https://www.youtube.com/watch?v=Npn-nwR9Mak&feature=youtu.be height:394
 
Entrevista: Patricia Faermann e Pedro Garbellini
Vídeo e edição: Pedro Garbellini
 
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Leia a sentença em favor das religiões afrobrasileiras:
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. Decisão acertada. O Estado
    Decisão acertada. O Estado brasileiro tem o dever de frear a intolerância evangélica. E se os pastores ousarem descumprir decisão judicial, cadeia neles.

    1. Os ovos da serpente já estão eclodindo

      Enquanto isso os evangélicos, capitaneados pelo Eduardo Cunha, estão fazendo o maior estrago na Constituição, e Leis do País. Só mesmo a justiça (Janot/ Zavascki podem parar o bandido.

      1. Se a Justiça não os parar uma
        Se a Justiça não os parar uma guerra civil pode fazer muito mal a saúde econômica e biologica deles. Minorias religiosas sempre começam guerras civis e raramente ganham mais do que exterminio e exílio. Pequena perda, direi.

  2. Não precisamos regulação.

    Claro que a regulação da mídia é regulação de um setor empresarial e é clara e necessária.

    Mas para dar resposta as calúnia e acusações baixas que a midia faz, nunca foi preciso regular o assunto. A constituição é clara na defesa dos caluniados, na proteção da honra que cada um. Com o agravante de que, com bem disse o juiz, eles ainda usam um orgão objeto de concessão do estado. Só não acumpre quem não quer.

    Só não se explica a demora da decisão. Isto era questão de no máximo uma semana. E nem tanto aparato, tanta gente precisando pedir a sentença do juiz.

  3. Acho que o Fábio de Oliveira

    Acho que o Fábio de Oliveira Ribeiro e o Galvão não leram ou não entenderam a sentença. O que o sábio e nobre juiz fez não foi demonizar as igrejas evangélicas, que no caso nem são partes do litígio, mas punir o mau uso do poder da imprensa tendenciosa. Não haveria justiça alguma se o magistrado demonstrasse opção por um ou outro grupo religioso. Daí o valor de sua decisão: respeito ao direito de todos. Chamamento para a guerra, nesse caso e demonizar os evangélicos por causa da Rede Record ou Eduardo Cunha é tão discriminatório e criminoso quanto as ações aqui punidas.

    1. Acho que o dirval não

      Acho que o dirval não entendeu meu comentário. 

      A intolerância dos evangélicos vai acabar por bem (judicialmente) ou por mal (com uma guerra civil).

      Entendeu? 

       

  4. Que maravilha de decisão!

    Que maravilha de decisão! Parece que, pelo menos em relação a esse juiz, o projeto de afastar o poder econômico do democrático, político e público, está começando a ser posto em prática.

     

    Se não me engano foi ontem mesmo que li notícia dando conta da repressão que o MP está promovendo contra funcionários públicos, concursados, indicados ou eleitos, que usaram do poder que lhes era empresariado para fins particulares, privados…

     

    Será que estamos vendo o começo do fim da corrupção do estado pela iniciativa privada? Se sim, vai ser muito bom tanto para o estado, que poderá voltar seus recursos para atendimento às demandas de todos (e não de apenas alguns) quanto para a iniciativa privada, que, sendo obrigada a se virar sem “mamar nas tetas do estado”, ganhará em competitividade, em garra.

     

    Ainda fica faltando a proibição do financiamento empresarial de campanha eleitoral, desburocratização e descartorialização do setor público – ninhos de corrupção, “caixinhas”, “criar dificuldade para vender facilidade” etc. -, mas ué… vai aos poucos, só não pode parar que parar é retroceder. Acho…

  5. Os evangélicos não intolerantes tem que sair da sua passividade.

    Há dezenas de denominações evangélicas, aqui no Rio Grande do Sul convivemos com muitas há mais de um século, e estas denominações evangélicas tradicionais nunca no passado se envolveram com casos como estão ocorrendo nos dias atuais, tais como demonização dos cultos afros, exploração dos fiéis por meios “mágicos”, homofobia e outras manifestações de diveros tipos de intolerância.

    É chegado a hora destas denominações mais tradicionais e tolerantes colocarem sua cara para fora e dizerem que não podemos generalizar, se isto não for feito com clareza, tudo fica um verdadeiro saco de gatos e depois não reclamem quando forem injustamente denunciados.

    1. Concordo…

      Já é tempo Maestri… Outro dia aqui num post sobre intolerância religiosa do Fabio, eu me referi exatemente a isto. Afinal, onde estão os tais evangélicos do bem? Pergunto então, onde “diabos” estão os bons? Cadê os pastores dessas tais “igrejas sérias”, que realmente se destinariam a levar seus fiéis à Deus, dentro de princípios de verdade, honestidade, caridade e temperança. Cadê esses caras, que segundo alguns comentaristas aqui atendem pela alcunha de “pastores sérios”, que vêem tudo isso e não fazem nada? Cadê eles disputando espaço na mídia, criticando a teologia da prosperidade financeira, “chamando prá briga” os Malafaias, Felicianos, os Macedos, etc…

      Sabe o que eu acho? Que eles existem, mas não são tantos assim e não têm um décimo do poder desses marginais mequetrefes, e mais, nunca irão se meter com eles… 

      Um abraço.

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