Categorias constitucionais zumbis produziram juízes viciados em ópio monetário

Os livros de Direito Constitucional, quase todos eles, nos ensinam que o Judiciário existe para distribuir justiça, pacificar a sociedade, estabilizar as relações sociais, reprimir o crime e garantir o convívio civilizado entre os cidadãos. Entre a teoria e a prática, porém, existe um abismo. Isso fica evidente quando observamos o Judiciário brasileiro.

Nosso Judiciário não distribui justiça, o que ele faz é reforçar a exclusão social. Os agentes do Estado (policiais e militares) podem matar, maltratar e mutilar cidadãos pobres e podem forjar a própria impunidade. As vítimas da violência estatal raramente não são atendidas quando exigem justiça.

Quando mais o Judiciário brasileiro se expande mais pobreza e violência são fomentadas. De fato, os juízes consomem recursos fiscais escassos que deveriam ser empregados na educação. As relações sociais não podem ser estabilizadas porque os Tribunais existem para manter e ampliar o abismo que existe entre ricos e pobres. Isso ficou bem claro com a adesão da maioria dos juízes ao golpe de 2016. 

O esforço feito pelo Judiciário para afastar a Lava Jato dos Ministros do STJ e do STF é sintomático. Ele demonstra que a repressão ao crime não pode ocorrer quando há juízes corruptos. Isto para não falar nos crimes em série que são cometidos nos presídios em que as penas são cumpridas fora das bases da Lei de Execuções Penais sob a supervisão de membros do próprio Judiciário.

Civilização brasileira é uma expressão vazia. O que existe em nosso país é a supremacia imperial de uma casta privilegiada de cidadãos (capitalistas, juízes, políticos, barões da mídia, donos de cartório, empresários e seus apaniguados) sobre a massa ignara. A esmagadora maioria da população brasileira é mantida na pobreza com o uso de violência extrema e criminosa. Qualquer proposta política que ameace a hierarquia e que facilite a mobilidade social é rejeitada e atacada e ferozmente destruída, inclusive e principalmente pelos guardiões togados da verdade revelada pelo deus dinheiro.

A exclusão social e o racismo não são anomalias sociais. Eles são um projeto histórico de dominação permanente de uma população considerada abjeta e subalterna. Os membros do judiciário não se colocam o fato e a Lei para impedir sua violação. Eles fazem justamente o oposto, pois o Judiciário brasileiro foi construído como um instrumento de dominação que garante a violação da Lei sempre que sua aplicação acarreta uma inversão da hierarquia social.

O direito a vida do cidadão de bem é garantido, mas o favelado pode ser executado pelo policial da esquina. A propriedade do cidadão de bem é preservada, mas o barraco na periferia pode ser invadido a chutes sem mandado de busca emitido por um juiz. O devido processo legal é meticulosamente garantido aos tucanos criminosos, mas sua higidez é negada quando os réus são petistas inocentes. Se é representado administrativamente no CNJ por um advogado o juiz pode ser indenizado. Mas se o juiz representou criminalmente de maneira injusta o advogado a indenização dele será negada (foi o que ocorreu no meu caso).

Qualquer um que se ponha a pensar sobre a justiça no Brasil deve, portanto, corrigir seu intelecto. Ninguém pode se fiar na teoria constitucional ao meditar sobre o Judiciário brasileiro. Ele não existe para distribuir justiça, pacificar a sociedade, estabilizar as relações sociais, reprimir o crime e garantir o convívio civilizado entre os cidadãos. Ele existe única e exclusivamente para distribuir injustiça e, sobretudo, para garantir os salários nababescos e privilégios medievais dos juízes.

“O homem que, após se haver entregue por longo tempo ao ópio ou ao haxixe, pôde encontrar, enfraquecido como estava pelo hábito de sua servidão, a energia necessária se libertar, se me assemelha a um prisioneiro evadido. Não inspira mais admiração que o homem prudente que nunca errou e que sempre teve o cuidado de evitar a tentação. Os ingleses frequentemente se servem, a propósito dos comedores de ópio, de termos que podem parecer excessivos somente aos inocentes de quem são desconhecidos os horrores desta degradação: enchained, fettered, enslaved! Grilhões, na verdade, perto dos quais todos os outros, grilhões do dever, grilhões do amor ilegítimo, são apenas tramas de gaze e teias de aranha! Assustador casamento do homem consigo mesmo!” (Paraísos Artificiais, Charles Baudelaire, L&M Pocket, Porto Alegre, 2011, p. 45/46)

Os juízes brasileiros são enchained, fettered, enslaved pelo seu desejo de subjugar toda uma sociedade para comer ópio. Mas o ópio que eles comem não é nem a droga feita de papoula nem a religião como disse Karl Marx. O ópio vorazmente devorado pelos nossos juízes é o dinheiro público fácil e farto que proporciona conforto, viagens ao exterior e um estilo de vida aristocrático negado de maneira pelo Judiciário ao conjunto da população. Não deveria causar estranhamento, portanto, a maneira como eles exigiram aumento salarial.

Ao refletir sobre a crise da sociologia, Ulrich Beck foi extremamente eloquente:

“…minha conclusão central e metodológica do nosso diagnóstico é a seguinte: a sociologia, que está radicada no âmbito do Estado nacional e que nesse horizonte desenvolveu uma compreensão de si, suas formas de percepção, seus conceitos, fica sob a suspeita metodológica de trabalhar com categorias zumbis. Categorias zumbis são categorias mortas-vivas que nos assombram a mente e determinam a nossa visão de realidades as quais desaparecem cada vez mais. Por refinado que seja, o empirismo adquirido por meio de categorias zumbis não passa de um empirismo cego. Pois as categorias zumbis provêm do horizonte experimental do século XIX, da – como eu digo – Primeira Modernidade, cegam-nos para a experiência e dinâmica da Segunda Modernidade.” (Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa com Johannes Willms, Editora Unesp, São Paulo, 2003, p. 14)

Um pouco mais adiante, o grande sociólogo alemão faz uma recomendação inevitável:

“… a sociologia que quiser enxergar além das categorias zumbis tem de reinventar o ofício da sociologia. Agora se faz verdadeiramente necessário descobrir, por traz das autodescrições que nós cultivamos e prezamos, como é, como se produz e como se renova permanentemente esta sociedade desconhecida em que vivemos.” (Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa com Johannes Willms, Editora Unesp, São Paulo, 2003, p. 17)

Os juízes brasileiros consideram intolerável ficar sem aumento salarial. É intolerável ficar sem ópio, proclamam seus usuários. Mas nós, os juristas, não conseguir ver a semelhança entre os dois grupos (juízes e comedores de ópio) porque estamos habituados a refletir sobre o Estado e sobre o Judiciário dentro dos limites impostos por uma teoria constitucional que nega a realidade e possibilita a reprodução do vício como se nossas instituições fossem intrinsicamente virtuosas.

Entre nós, a crise referida por Ulrich Beck, também existe. Os juristas brasileiros estão cegos. Eles descrevem Judiciário empregando categorias zumbis. A teoria constitucional imaginada pelos doutores em Direito e ensinada nas Faculdades provem de um horizonte que não existe mais, que desapareceu sob a vigência da CF/88, que deixou de ser realidade no exato momento em que os juízes passaram a agir como se fossem comedores de ópio.

Será impossível restabelecer a distribuição de justiça, a pacificação da sociedade, a estabilização das relações sociais, a repressão ao crime e a garantia do convívio civilizado entre os cidadãos enquanto não abandonarmos categorias zumbis que aprendemos e utilizamos para pensar sobre a atividade dos juízes brasileiros. Eles estão totalmente viciados em salários nababescos e privilégios feudais. Pior, em razão do seu vício, do assustador casamento dos juízes consigo mesmos, eles se transformaram em obstáculos ativos à modernização do Brasil. A renovação do país depende da renovação do Judiciário, mas isso somente será possível se a própria teoria constitucional for renovada.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador