Os conflitos entre a política e o direito: o caso inglês

Segundo Javier Garcia Oliva ao contrário do que acontece no Brasil, Cortes britânicas têm conseguido manter autonomia frente aos ataques da imprensa e opinião pública 
 
 
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Jornal GGN – O jogo dos poderes que compõe o sistema de governo no Brasil impressiona o olhar de um jurista acadêmico europeu, acostumado a uma realidade onde a democracia é um sistema mais consolidado. É o que você verá nesta entrevista que o professor da Faculdade de Direito de Manchester, Javier Garcia Oliva, concede para Luís Nassif, sobre o papel das Supremas Cortes na defesa do Estado de Direito.  
 
Oliva, que é espanhol, mas vive e leciona no Reino Unido, fala sobre a luta dos juízes britânicos em não se submeter à opinião pública em casos delicados mais recentes, como o aumento da entrada de imigrantes no país e a saída da União Europeia (Brexit), em muitos casos, entrando em conflito com o que a maioria da população inglesa defende. O professor destaca, ainda, que os jornais mais vendidos no país, de tendência sensacionalista, chegaram a chamar os juízes de “inimigos do povo”, por tomarem decisões em defesa dos direitos humanos. 
 
Ao contrário do que acontece no Brasil, o professor explica que na Inglaterra o judiciário tem se mantido como um poder autônomo, sofrendo pressão tanto dos poderes políticos (Executivo-Legislativo), quanto da mídia que retroalimenta o discurso de ódio da opinião pública, explicando o levante dos partidos ultraconservadores na região. 
 
Ao ser perguntado como um episódio que aconteceu no Brasil, onde recentemente o presidente da República, Michel Temer, investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral, foi visitado por um dos ministros que irá julgá-lo, Gilmar Mendes, seria tratado na Inglaterra, Garcia Olivar respondeu, após ficar visivelmente surpreso com o exemplo: 
 
“Não posso fazer uma comparação com o Reino Unido. É uma situação completamente absurda. É hipotética [essa história]?”, completando em seguida: “[Isso] seria, felizmente, absolutamente impensável no Reino Unido”.  
 
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Luis Nassif – O Javier Garcia Oliva é um jurista espanhol, ele é professor titular na Faculdade de Direito de Manchester. E em Oxford, ele responsável pelo ensino da aula “Introdução ao Direito e Métodos espanhóis”, que prepara os alunos para o seu ano de estudos no estrangeiro na Espanha. Javier, nos últimos anos houve uma grande interferência da Justiça na questão da política, na proatividade do poder judiciário. Como você vê o papel que estão desempenhando as Supremas Cortes nos diversos países que você analisa? 
 
José Garcia Oliva – Evidentemente é um tema importantíssimo porque, em qualquer regimento democrático a independência do poder judicial tem que ser inquestionável. Então, naturalmente se produzem, na Europa também, temos que ser completamente honestos, sabendo ser bastante claro a degradação trazida pela corrupção, no que se refere ao poder Legislativo, e ao poder Executivo. Mas, nesse sentido, é absolutamente fundamental que mantenhamos confiança e que possamos ver o poder judicial como um último mecanismo de garantia e de defesa dos direitos fundamentais. Portanto, nos últimos anos, se tem caminhado no sentido de conseguir uma garantia e uma maior fortaleza, se couber, da independência do poder judicial. E há no Reino Unido uma legislação muito importante, como a Constitutional Reform Act, é uma norma de 2005 que destaca de maneira muito clara que a independência do poder judicial tem que ser respeitada e protegida. E eu acredito, sinceramente, que vivo em um sistema afortunado, porque vivo, eu leciono em um Estado onde, felizmente, em linhas gerais, a independência do poder judicial é incontestável. 
 
Luis Nassif – A gente teve na Europa, nos últimos meses um desmonte do Estado Social, uma questão do aumento da miséria. O judiciário, de alguma forma, interferiu em nome das garantias dos direitos fundamentais? 
 
Javier Garcia Oliva – Certo. Essa é uma pergunta muito, muito interessante. Infelizmente, na Europa também nos encontramos com o fenômeno das pessoas que não tem trabalho, que se encontram em uma situação de pobreza, que se encontram em uma situação de carência, e temos visto em muitas ocasiões a crise econômico que tivemos tão terrível na Espanha, até aproximadamente há dois anos, e nesse sentido em um dos temas dos tristes, despejos, o poder judicial, de alguma maneira, tem servido como freio em algumas ocasiões para a proteção de pessoas mais desfavorecidas. Também interessante, no Reino Unido, como venho comentado, o país em que vivo, o poder judicial tem se convertido em um grande protetor de pessoas como, por exemplo, exiles seekers, que são as pessoas que buscam asilos, os imigrantes que de outra forma, são os grandes esquecidos em nossa sociedade. Mas o poder judicial tem reconhecido que muitas das medidas, isso é muito interessante, que muitas das medidas que o poder Executivo toma, que são medidas bastante beligerantes, contra essas pessoas, porque essas pessoas não votam, essas pessoas não contam, e que também são incômodos para um setor da população… Pois então, o poder judicial tem declarado que algumas dessas exceções, são completamente inaceitáveis. Portanto eu acredito que não é exacerbado, um exagero manter… que muitas vocações do poder judicial têm servido como um mecanismo de proteção do estado social.
 
Luis Nassif – O Brasil está falando mundo em importar capital estrangeiro, nós estamos precisando importar Cortes estrangeiras… Com esse fenômeno das redes sociais, e desse protagonismo político da mídia, e dos jornais, no caso da Inglaterra o caso Murdoch é muito significativo. Como foi a interferência desse novo modelo de informação sobre o poder judiciário? 
 
Javier Garcia Oliva – Não, francamente esse é um tema fascinante, uma pergunta muito, muito interessante. Os meios de comunicações, nós, evidentemente também na Europa, e nesse sentido nós não somos tão diferentes, temos e compartilhamos as mesmas preocupações. É muito curioso, no Reino Unido seguimos falando sobre a direção tripartite, falamos do poder legislativo, do poder executivo, e do poder judicial. Mas na realidade o que temos é uma grande confusão entre, de um lado o poder legislativo e o executivo, porque temos um sistema eleitoral que propicia maiorias muito fortes de governo, portanto temos uma presença de um partido político no parlamento britânico esmagadora, de tal maneira que a direção e a diferença entre o legislativo e o executivo é mínima, é muito pequena, portanto é fundamental que o poder Judicial mantenha sua independência, caso contrário se produzirá uma concentração de poderes, assim o que tempos é uma direção bipartite, em lugar de tripartite. E se poderia afirmar que o terceiro estamento, ou o terceiro poder, como venha a ser chamado, são os meios de comunicação. Os meios de comunicação que, no Reino Unido, são sérios, alguns deles, com tendências políticas, naturalmente, diversas, em linhas gerais são sérios, mas desgraçadamente temos nos meios de comunicação a imprensa marrom, que incita o ódio aos estrangeiros, ódio às classes mais desfavorecidas, muita xenofobia, muito racismo, muito repúdio à União Europeia e tudo isso tem sido preparado, tem sido confinado durante muitos anos. E temos observados também, de maneira interessante, nos últimos, de maneira interessante, mas de maneira muito, muito preocupante, eu diria, nos últimos meses um claríssimo, eu entendo, por parte dos meios de comunicação, de interferir e de condenar a atuação do poder judicial. Assim como nós temos encontrado, mas não encontramos como titulares dos meios de comunicação, dizendo para nós, depois da última de declaração do Tribunal Supremo, sobre a Brexit, que é um caso melhor que se quiser depois, podemos falar melhor, mas com títulos tão preocupantes como “os juízes são os inimigos do povo”. Bom isso não é uma imprensa séria. 
 
Luis Nassif – Depois do caso Murdoch, teve o relatório Leveson, de um juiz que mostrou um quadro muito preocupante da influência da imprensa na política, e propõe um conjunto de medidas de regulação. Isso aí foi adiante?  
 
Javier Garcia Oliva – É uma pergunta muito boa. Você tem um conhecimento profundo da realidade britânica, isso é louvável.
 
Luis Nassif – O Brasil é hoje o que a Inglaterra foi ontem, viu?!
 
Javier Garcia Oliva – Mas é certo, o caso Leveson e a regulação dos meios de comunicação… Bom, você sabe que é uma foreign inquiry (inquérito estrangeiro), como se diz em inglês, que durou muitíssimos anos e o resultado foi, portanto, bastante crítico sobre alguns comportamentos dos meios de comunicação. Os meios de comunicação têm uma função fundamental, tem que servir a sociedade. Vivemos, teoricamente, uma sociedade livre e temos que proporcionar informação. Mas isso é absolutamente não negociável, e o que tem que ser inegável em um estado democrático é que a informação tem que ser verdade, tem que ser certa. Portanto, se os meios de comunicação se aliam com determinados interesses, sejam políticos, sejam econômicos, e se transmitem informações que são incertas, e informações que são erradas e equivocadas. À propósito aqui nós encontramos com comportamentos absolutamente frágeis. É como se diz em inglês “early days” (primeiros dias), todavia não sabemos o impacto de todo esse tipo de processo que vem se destacando. Eu confio… bom, nos últimos tempos temos conhecido novos fenômenos de WhatsApp, de infiltração na vida privada dos políticos, das pessoas famosas, portanto, vamos seguir confiando, seguir fazer… Eu sou sempre partidário em se manter um otimismo a respeito. 
 
Luis Nassif – Aqui no Brasil, durante algum tempo, e na Inglaterra, você tem esses jornais de grande reputação que sempre ajudaram a influenciar a opinião pública em relação às grandes políticas públicas, como Financial Time, e outros. E você tem essa imprensa amarela, essa imprensa marrom. De algum modo, com o advento das redes sociais e com a desorganização do mercado de opinião, essa imprensa marrom passou a ditar mais o comportamento político do que essa imprensa mais responsável? 
 
Javier Garcia Oliva – Sim, excelente pergunta. O problema… eu estou muito orgulhoso de viver no Reino Unido, é um país fantástica, onde os pilares democráticos, em linhas gerais, se mantêm. Mas eu creio não podemos ser tão pouco… Creio que isso é uma obrigação legal, e uma obrigação moral sermos críticos. E, evidentemente, há questões que não funcionam. Então há uma polarização social, lamentavelmente, com essa história da população que se consideram que não fazem parte do processo, e essas pessoas têm se sentido, de certa maneira, excluídas. Isto pode explicar o Brexit, que é uma tragédia, é uma desgraça, mas não podemos dar respaldo a realidade e não tentar entender porque ela aconteceu. Há fatores que, de alguma maneira, explica o que aconteceu. Mas esta imprensa marrom, é lida por 75% ou 80% da população britânica. Não tenho os dados exatos, mas a imprensa responsável, que pode ser a imprensa de esquerda, ou de direita, mas a imprensa responsável, se lê por muito menos pessoas. Já aconteceu de estar em uma ocasião lendo The Gardian, ou The Times, e escutar: oh, você é um homem muito culto. Sabe?! Então, de certa forma, há uma polarização da sociedade, e a imprensa marrom, jornais que são verdadeiramente pouco, em minha opinião, pouco estimulantes intelectualmente, mas são lidos por 75% a 80% da população.
 
Luis Nassif – O problema do Brasil é que toda a imprensa embarcou nesse jogo do jornalismo amarelo. 
 
Javier Garcia Oliva – Toda a imprensa?
 
Luis Nassif – Toda a imprensa. Agora alguns jornais estão querendo voltar, mas foi…
 
Javier Garcia Oliva – Mas sempre foi o caso? 
 
Luis Nassif – Não! Foi de 2005 para cá, a partir do momento em que o dono da principal revista brasileira, trouxe dos Estados Unidos o modelo Murdoch. Percebendo o avanço da internet, para se defenderem, eles resolveram entrar em uma guerra política para poder ganhar influência política, e através do governo impedir o avanço de concorrentes. 
 
Javier Garcia Oliva – E, mas é algo, um momento concreto? A imprensa é séria, historicamente? 
 
Luis Nassif – Quando veio a abertura política nossa, a democracia…
 
Javier Garcia Oliva – Depois da ditadura? Tiveram em um período de imprensa séria?
 
Luis Nassif – Você teve um período em que a imprensa, que tinha compactuado [antes com a ditadura, então ela precisava mostrar um lado legítimo. E ela foi relativamente diversificada durante alguns anos. Mas aí os jornais, em vez de optar por credibilidade, optaram por competir em termos de aumento de vendas, aumento de tiragem, e daí caíram numa situação… Quer dizer, essa mesma resistência ao pensamento científico se observa na Inglaterra, com essa imprensa amarela influenciando a opinião pública contra as propostas dos partidos, contra as propostas dos economistas? 
 
Javier Garcia Oliva – Claro. Evidentemente aqui temos uma realidade inegável. O apoio da imprensa marrom a um partido político, em uma campanha eleitoral, é absolutamente decisivo. Portanto, se você tem apoio de jornais, um jornal que infelizmente desapareceu que era o que eu sempre lia, mas desapareceu a versão escrita, a impressa, se chama The Independent, mas era um jornal europeísta, um jornal bastante progressista e infelizmente esse jornal deixou de ser impresso, porque só liam quatro gatos, claro! Eram poucas pessoas que liam o jornal. Então os jornais da imprensa marrom se mantêm, porque tem muitos leitores. E os partidos políticos querem o apoio desses meios de comunicação. E, claro, eles se dão conta do tipo de conteúdo que eles divulgam, então os partidos políticos vão preparados para outorgar a eles, para dar respaldo, dar cabimento às políticas que são bastante populares, mas que não são, necessariamente, muito pelo contrário, são bastante desrespeitáveis aos direitos fundamentais e às políticas de igualdade. Assim, é curioso que questões como a imigração, que realmente sempre foi uma diferença em entre partidos mais conversadores e partidos de esquerda, mas também a esquerda política britânica se vê com necessidade de vender um discurso muito duro contra a imigração para estar em contato com os setores mais desfavorecidos da população que se vem ameaçados pela imigração. Então entramos em um debate que se denominaria em espanhol o “bode expiatório”, encontrar um culpado. E a esquerda e a direita, nesse sentido se encontram.
 
Luis Nassif – Como é que fica a democracia nesse quadro? Eu tenho conversado com alguns de parte da classe social aqui, de bilionários, achando que a democracia falhou, porque aquele modelo que privilegiava o livre fluxo de capitais, aquele modelo de mercado, falhou como proposta de país. E agora não tem o que colocar no lugar, então tende a questionar essa questão da democracia. A democracia está ameaçada no ocidente? 
 
Javier Garcia Oliva – Bom, eu sou um otimista. Estamos vivendo momentos muito difíceis e eu creio que, este ressurgir dos partidos radicais como, por exemplo, Ukip, no Reino Unido, mesmo eles dizendo que não são radicais, que são simplesmente a voz do povo. Mas tem o fenômeno Le Pen, naturalmente da França, o fenômeno Trump, nos Estados Unidos da América, todos foram uma parte de um descontentamento social, de alguma maneira, uma oportunidade para as classes, para as pessoas que, de alguma forma, consideravam que não teriam voz para gritar contra o que eles consideram uma injustiça. O que acontece é que os mecanismos que utilizam para esses protestos são mecanismos errôneos, e recorrem à buscar culpados dessa política, quando há muitos outros culpados que não são, necessariamente, evidentemente, os imigrantes, nem os exiles seekers, nem nada. A democracia, portanto, está sendo questionada, mas por muitos erros que o sistema democrático tem. É como disse Winston Churchill, é o melhor sistema. Não conheço outro. Então pode ter muitos erros, evidentemente, e muitas questões que não estão funcionando. No Reino Unido, nós temos uma das Câmaras do parlamento que nem sequer é eleita pelo povo, e assim seguem muitos exemplos de falta de credenciais democráticos. Mas a democracia, eu realmente considero, que para agora, ante todas as demais formas, existe para nos dar um futuro. As eleições, na Holanda, como sabemos, apesar de toda a especulação, não ocorreu o triunfo dos partidos de ultradireita. Portanto eu creio que em todo esse panorama, que é um tanto desolador, desalentador, inclusive, vemos feixes de luz. Confio que esteja acontecendo assim. 
 
Luis Nassif – Como é o comportamento do juiz, principalmente da Supremo Corte, em relação à mídia? Eles costumam dar entrevistas? 
 
Javier Garcia Oliva – Os juízes, evidentemente, têm um papel importantíssimo que é julgar em um sistema democrático, tem que preservar, aplicar e executar a lei, e é importante que sejam figuras, naturalmente jurídicas, mas não políticas. No direito existem bastante doutrinas e convenções que foram desembocaram na legislação, no direito britânico, para recair, uma e outra vez, no direito de que as instituições políticas correspondem única e exclusivamente ao poder legislativo e ao poder político, e ao poder executivo. Enquanto que, o poder judicial, tem que levar a cabo uma função importantíssima que é fazer valer a lei. Isso significa que os juízes tomam muito cuidado em dar entrevistas. E se dão entrevistas, têm que ser com perguntas completamente neutras e de natureza jurídica. Fazem algumas entrevistas, mas como os meios de comunicação são tão inclinados… É que nesses momentos, na atualidade, o poder judicial se encontra submetido a uma campanha muito agressiva por parte dos meios de comunicação. A realidade britânica é, nesse sentido, interessante de estudar neste momento, porque tradicionalmente o poder judicial tem sido considerado… Bom, tem havido críticas de que o mesmo não é suficientemente representativo, que no poder judiciário tem muitos homens, poucas mulheres, poucos membros de minorias étnicas. Mas sempre houve um respeito, uma concepção, de que o poder judicial era independente. Porém, todo o problema de Brexit, como um poder Judicial que tem que se pronunciar, em várias ocasiões nos últimos meses, sobre decisões que tem que tomar os outros atores, como o poder legislativo, quando os meios de comunicação não gostam dessas decisões, esses meios de comunicação chegam, como te disse antes, a afirmar: “os juízes são os inimigos do povo”. E isso é bastante interessante, porque é uma campanha agressiva, frente ao poder judicial. Ou questionamentos relativos à resposta do presidente do Supremo Tribunal que havia usado o Twitter, manifestando seu apoio na União Europeia, mas não deixa de ser a resposta desse senhor. Então é uma campanha muito agressiva frente ao poder judicial. Assim como seus chefes são muito cautelosos, estão condenados, obrigados a serem muito cautelosos no Reino Unido. 
 
Luis Nassif – Vamos supor uma situação hipotética, de um Primeiro Ministro Britânico, ter que ser julgado pela Suprema Corte. E daí um ministro da Suprema Corte vai até a residência do Primeiro Ministro, para um jantar, diz para a imprensa que o ministro é amigo dele, e adiante o que devem ser as linhas de defesa desse Primeiro Ministro. Como um episódio desse seria tratado na Inglaterra? 
 
Javier Garcia Oliva – Minha resposta é muito breve, porque não posso fazer uma comparação com o Reino Unido. É uma situação completamente absurda. É hipotética? 
 
Luis Nassif – É hipotética…jaja
 
Javier Garcia Oliva – As hipóteses, evidentemente, são situações que não podemos nos deter, mas eu acho complicado me situar neste exemplo. Seria, felizmente, absolutamente impensável no Reino Unido.
 
Luis Nassif – Os juízes, como respondem aos ataques da imprensa? Às críticas da imprensa? Eles processam jornalistas?
 
Javier Garcia Oliva – Não. Vamos ver. Temos uma figura que é uma Lord Chancellor, que é a pessoa que é a atual secretária de Justiça, se chama Elizabeth Truss, e ela tem a função de respeitar e de defender a independência judicial. Portanto poderiam ser tomadas medidas por parte desse órgão dentro do poder executivo que, teoricamente, preserva, ou se encarrega de velar pela independência judicial, que é, em si mesmo, um acordo difícil de entender porque estamos falando da independência judicial protegida por um ramo do poder executivo. Mas é algo bastante simbólico, é algo… portanto os juízes tem sido criticados de maneira, na minha opinião, muito injusta devido a problemas da saga Brexit, e estão sendo chamados de inimigos do povo. Porém, os juízes que são a minoria da decisão Miller, que é uma decisão do Supremo Tribunal de janeiro deste ano, que eram os juízes que davam razão ao governo, eram uma minoria, eram três, foram celebrados como os heróis do povo. Então é tudo muito polarizado. Se está comigo é um herói, mas se está em desacordo comigo, é um vilão, é um traidor. Isso é um problema.
 
Luis Nassif – Vamos pegar esse ponto. Você tem os três poderes, no caso a Inglaterra, os dois poderes, e tem a mídia como um quarto poder. A mídia sempre, historicamente, desde o início da democracia, era vista como a representante da opinião pública. Agora a gente sabe que ela tem interesses comerciais, tem interesses junto ao governo também, interesses regulatórios e tudo mais, e hoje tem redes sociais – sites, blogs e tudo – que também representam a opinião pública. De que maneira que você acha que esse conceito tradicional de empresa jornalística, de mídia, vai sobreviver dentro de um ambiente democrático? Eles têm legitimidade devido aos interesses comerciais que eles representam? 
 
Javier Garcia Oliva – Bom, eu creio evidentemente que os meios de comunicação têm uma função fundamental de transmitir a verdade, de expressar o que está acontecendo no jogo democrático. Portanto, tem que haver um lugar para uma imprensa livre. E, evidentemente, eu creio que os meios de comunicação vão estar associados, em algumas ocasiões, com interesses, com lobbies, com grupos de pressão etc. Até aí me parece legítimo, me parece legítimo que alguns meios de comunicação tenham uma tendência mais à esquerda, mas à direita. Isso parte do jogo democrático. O que verdadeiramente é muito perigoso, é quando os meios de comunicação se utilizam como armas e como ferramentas políticas. Uma coisa é denunciar e ser crítico, e informar aos cidadãos das ilegalidades cometidas por membros de governo, por exemplo. Mas outra coisa é ter adversário, é mentir, é manipular com o objetivo de conseguir poder. Isto é bastante preocupante. Eu, de todas as maneiras, não conheço em profundidade a realidade brasileira. Me entristece escutar o que está comentando, de que não existem meios de comunicação sérios. No Reino Unido sim, nós temos, alguns meios de comunicação sérios. Então felizmente, nesse sentido, mantenho a esperança de que exista a imprensa séria. Mas também sei que existe a imprensa que persegue interesses completamente pouco nobres para uma sociedade que nós estamos ajudando.
 
Luis Nassif – Mas você menciona, por exemplo, a imprensa que vai mais à esquerda, mais pra direita, mas como se trata a questão do cartel? Quando você junta grupos hegemônicos de imprensa e todos atuando em uma mesma direção? A diversidade, o direito à informação, não fica comprometido?
 
Javier Garcia Oliva – Eu creio que sim, que existem diferenças ideológicas, mas naturalmente não se pode negar que existem grupos econômicos importantes de pressão que os meios de comunicação necessitam, e vão tentar contar com o apoio desses grupos econômicos importantes. Então, é curioso que, nesse sentido, se pode observar uma aproximação ideológica, inclusive as diretrizes das editorias de alguns jornais. Mesmo assim, eu creio que sim, que temos importantíssimas diferenças entre os meios de comunicação de esquerda e os meios de comunicação de direita, e entre as políticas de esquerda e de direita. Fundamentalmente, na Europa, os desafios em questões como Estados Social, a contribuição aos mais necessitados… Com isso não quero dizer que as diferenças sejam completamente radicais, mas toda essas afirmações, que a mim me interessam porque são próximas do mundo político, de que as ideologias não importam, e de que já não existe esquerda, nem direita, nem nada, creio que não são corretas.
 
Redação

1 Comentário

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  1. Senti falta da pergunta se um
    Senti falta da pergunta se um ministro da suprema corte britânica pode ser um empresário atuante da mesma área de atuação!

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