Cristian Góes, condenado por ter escrito ficção, será pauta no STF

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Enviado por Maria Carvalho

da Carta Capital

Liberdade de expressão em pauta no STF: o caso Cristian Góes

Caso de jornalista sergipano condenado por ter escrito uma ficção será julgado pelo STF. Resta saber se o Supremo concordará ou não com uma decisão que cerceia a crítica e a liberdade de expressão.

por Coletivo Intervozes

Por Paulo Victor Melo*

“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda”
Cecília Meireles.

Um dos exemplos mais emblemáticos de cerceamento à liberdade de expressão e manifestação do pensamento no Brasil está prestes a entrar na pauta de discussões do Supremo Tribunal Federal (STF). É o caso que envolve o jornalista Cristian Góes, condenado a sete meses e 16 dias de prisão (revertida em prestação de serviços à comunidade) e ao pagamento de R$ 30 mil de indenização ao desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses.

O motivo da condenação? Cristian Góes, em maio de 2012, escreveu em seu blog na internet um texto ficcional sobre o coronelismo, em que não são citadas pessoas, locais e épocas. Em síntese, um texto em que não há personagens nem ambientes reais.

Esse não foi, porém, o entendimento do desembargador Edson Ulisses. A expressão “jagunço das leis”, utilizada no texto, foi, segundo o magistrado, direcionada a ele. Entendimento semelhante teve a juíza Brígida Declerk que, ainda na fase inicial do processo, decidiu pelo recebimento da denúncia e afirmou que “o texto possui atores definidos e identificados”.

Nem mesmo Kafka seria capaz de imaginar e narrar tamanho absurdo. Apenas por interpretarem que uma expressão generalista (jagunço das leis), utilizada numa crônica ficcional, faz referência a uma determinada pessoa, que não foi citada no texto, magistrados condenaram cível e criminalmente um jornalista.

Mas não para por aí a sequência de absurdos que envolvem este caso. O juiz Aldo de Albuquerque Mello, da 7ª Vara Cível de Aracaju, que condenou o jornalista ao pagamento da indenização por danos morais, chegou a afirmar que “o valor fixado é ínfimo em relação à gravidade da conduta”. Mas qual a conduta grave? Exercer o direito à liberdade de expressão? Manifestar livremente o pensamento?

O mesmo juiz disse que a sentença tinha o objetivo de “educar o agressor”, o que demonstra claramente o caráter político da condenação. Não há dúvidas: o objetivo é, tendo Cristian Góes como um exemplo, ameaçar o jornalismo crítico e reflexivo e fazer com que outros profissionais de comunicação pensem inúmeras vezes antes de escrever qualquer linha sobre o Poder Judiciário. Prova disso é que, ainda na primeira audiência, em janeiro de 2013, o desembargador não aceitou a proposta do jornalista de publicar uma nota de esclarecimento, em que afirmaria que o texto não se referenciava em ninguém.

Além do cerceamento à liberdade de expressão, esse caso demonstra também a seletividade do Poder Judiciário brasileiro. Afinal, enquanto um jornalista independente é condenado por um texto ficcional, membros do Judiciário silenciam frente às inúmeras calúnias, difamações, violações de direitos e destruição de reputações praticadas diariamente pelas redes de televisão e rádio do país.

Qual a conduta grave nesse caso, então? O texto de Cristian ou a sua condenação? Onde está o crime contra a democracia? Na crônica “Eu, o coronel em mim” ou na sentença contra o jornalista?

Ação também no CNJ

Além da ação no STF que contesta as sentenças, o caso também está no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão em que a defesa do jornalista questiona, dentre outras coisas, o fato da condenação criminal ferir o princípio da impessoalidade dos atos administrativos e pede a anulação da portaria que nomeou o juiz Luiz Eduardo para atuar no Juizado Criminal de Aracaju, bem como de todos os atos jurisdicionais proferidos pelo magistrado no período de 1 a 30 de julho de 2013.

Vejamos. O processo criminal movido pelo desembargador contra o jornalista ocorreu no Juizado Especial Criminal de Aracaju, onde a titular era a juíza Brígida Declerk, que presidiu todo o processo, mas não o julgou mesmo já estando pronto, e foi afastada daquele juizado em julho de 2013. Na lista de substituição, publicada pelo Tribunal em abril daquele ano, o juiz que deveria assumir os trabalhos era Cláudio Bahia. Porém, sem qualquer justificativa, o Tribunal de Justiça trocou de juiz e colocou Luiz Eduardo Araújo Portela.

Apenas após três dias do início dessa substituição, o juiz Luiz Eduardo condenou o jornalista à pena de sete meses e 16 dias de detenção. Com um agravante: dentre todos os processos que se encontravam prontos para ser julgados antes da chegada do juiz Luiz Eduardo, o único que foi sentenciado por ele foi justamente o de interesse do desembargador Edson Ulisses, então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe.

Repercussão

Ainda que tenha sido ignorado pelas grandes emissoras de televisão do Brasil, o caso tem gerado repercussão tanto dentro do país quanto a nível internacional. Diversas entidades da sociedade civil têm se mobilizado na solidariedade e defesa do jornalista, sites e blogs na internet publicam matérias desde o início do processo e organizações de direitos humanos têm se pronunciado e acompanhado o caso.

Pela gravidade que representa para o exercício da liberdade de expressão não apenas no Brasil, o caso já foi objeto de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, de uma reunião na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington (EUA), fez parte de um dossiê entregue à Relatoria de Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU) e compôs um relatório da Repórteres Sem Fronteiras, organização não governamental sediada na França, que entende o caso como “um desvario judicial e um insulto aos princípios fundamentais da Constituição democrática de 1988”.

Nada disso, porém, foi suficiente para alertar os magistrados sergipanos sobre a medida autoritária e absurda que estavam tomando. Cabe agora aguardar para verificarmos se os ministros do STF confirmarão esta ameaça à liberdade de expressão e à democracia ou se reverterão as sentenças e, assim, honrarão a Constituição Federal e os diversos tratados internacionais ratificados pelo país que garantem o direito à liberdade de expressão.

Paulo Victor Melo, jornalista, mestre e doutorando em Comunicação. Integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

18 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. é isso muito grave essa

    é isso muito grave essa situação, pq repentinamente seremos silenciados, não mais pelas baionetas, mas pelas canetas, onde a garantia de liberdde de pensamento e expressão, castrada na segunda metade do seculo passado, reconquistada após longo tempo de duras lutas, seja tolhida especialmente pela parte do Estado que deveria garanti-la.

  2. Absurdo..Nosso Judiciario

    Absurdo..Nosso Judiciario esta Podre! Não esperemos nada de bom Para nosso Pais com este Judicairo carregado de Odio e de juizes que querem fazer parte da alta sociedade. Enquanto nosso Judiciario assim estiver, perco as esperanças de um Pais melhor! Veja o caso da Exclusão do Aecio pelo Janot no Lava Jato! Ameaçado por um Deputado federal, retirou o nome na noite anterior! E com certeza, se tivesse deixado o nome do aecio na denuncia, estaria hoje , o procurador Janot, massacrado pela Midia e no Facebook! A Elite quer continuar roubando, mas não quer um governo que faça distribuiçao de renda. Veja o artigo do  Ricardo Semler, escritor do livro “Virando a Propria mesa”: Nunca se roubou tão pouco neste Pais!

     

    1. É claro que não.
      Mas não por

      É claro que não.

      Mas não por causa disso, e sim pela multidão de pobres-diabos que apanham – e não no sentido metafórico do termo – todos os dias nas delegacias de polícia deste país, para confessar crimes que cometeram e não cometeram.

      Nunca acabou, nunca foi interrompida.

  3. É o caso clássico do cara que

    É o caso clássico do cara que se “acha”,ou seja: tudo o que falam só pode ser sôbre a minha maravilhosa pessoa,não é mamãe?

  4. Isso é que se chama de “vestir a carapuça”

    A carapuça estava jogada em um canto, e os juízes e desembargadores de Sergipe correram para vesti-la e até brigaram entre si pra saber quem teria a honra de fazê-lo…

  5. Sergipe e sua justiça engajada

    É a justiça aplicando o “direito dos mais fracos” a exemplo da aplicação do direito do inimigo. Na realidade, são os mais fracos sendo tomados pelo judiciário como inimigos, eis que juízes e desembargadores engajaram-se na luta de classes. Há uma diferença, porém, em relação aos pequeno-burgueses desvairados e de maus modos, a corriola do judiciário sergipano presume-se aristocrata, são condes e duques que desrespeitam a Constituição na certeza da impunidade. Agora, além dos PPPP há, ainda, os B, de blogueiro independente. O judiciário brasileiro é uma vergonha.

  6. esse magistrado aí

    sentiu o golpe, o problema é que o poder judiciário é extremamente corporativista, só verificar o caso da guarda de trânsito que só perde os recursos pq falou que o juiz ñ era deus…

  7. “Jagunço das leis” não é

    “Jagunço das leis” não é ofensa, pois todo servidor público (juízes incluídos) está a serviço do princípio da legalidade (art. 37, da CF/88) e recebe remuneração pelo seu trabalho. A magistratura não é um sacerdócio exercido por beatos, mas uma profissão exercida por técnicos selecionados em concursos de provas e títulos. Se quisesse ofender aquele que se sentiu ofendido o autor do texto o chamaria de “cangaceiro do processo”, pois o cangaço se caracterizava pela ilegalidade, pela pilhagem e pela absoluta falta de legalidade e respeito ao direito de propriedade.  A seu modo e por linhas tortas, o cangaceiro era um sacerdote da peixeira, do punhal e da carabina. “Cangaceiro do processo”, portanto, pode ser utilizado de maneira não muito ofensiva para designar aqueles juízes que querem ser mais do que são, que exigem dos cidadãos que pagam seus salários um temor reverencial irracional e incompatível com o regime republicano.  

  8. KAFKA’S FOREVER!

    a sociedade e opinião pública tem que compreender que a justiça desembargadoura condenou, exemplarmente, o jornalista aprendiz de escritor pela autoria da peça de ficção pulp fiction, coberta de razões jurídicas da natureza das coisas e dos atos… graças ao princípio jus pétreo da presunção da verdade verdadeira.

    e pela citação em vão de Kafka: “Nem mesmo Kafka seria capaz de imaginar e narrar tamanho absurdo.”

    Eis aqui uma aparição surreal espantosa do presente Kafka Diante da Lei…

    para comemorar o acontecimento histórico, embora ao nível do simbólico político-moral da nação brasileira, a parábola Diante da Lei, de Franz Kafka (“o espantoso em Kafka, é que o espantoso não espanta ninguém – Günther Anders) é homenagem literária à altura desse momento histórico da justiça brasileira… (neste caso, era a justiça brasileira por ocasião faz o ladrão… do mensalão, pero si, é tudo da mesma massa cinzenta da justiça tarda e que costuma falhar…).

    “Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde.

    – É possível – diz o porteiro. – Mas agora não.

    Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:

    – Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.

    O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:

    – Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.

    Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:

    – O que é que você quer saber? – pergunta o porteiro, – Você é insaciável.

    – Todos aspiram à lei – diz o homem, – Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?

    O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:

    – Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.”

    Franz Kafka Essencial. Tradução, seleção e comentário de Modesto Carone. Penguin & Companhia, 2011.

     

    e pra desanuviar do pesado universo kafkiano eurocêntrico, umas ficções jurídicas advindas do universo jurídico das terras brasilis bipolar dos senhores de engenho & escravos:

    quando o juridiquês e o coloquial se encontram…

    Sessão do Tribunal de Justiça de Pernambuco, presidido pelo desembargador Augusto Duque.

    Processo de estupro e atentado violento ao pudor.

    Entre as testemunhas da acusação, uma irmã da vítima.

    O presidente a convoca para depor:

    “Que entre a arrolada”.

    A moça prontamente intervém e reclama:

    “Doutor, a arrolada não fui eu não, foi minha irmã. Eu só assisti ao ato”.

     

    e daqui do blog GGN-NASSIF

    O Pum que resultou em processo (kafkiano…) 

    Por zanuja castelo branco

    A pior audiência da minha vida…

    Por Paulo Rangel Des. TJRJ

    No Blog O Terror do Nordeste

    A minha carreira de Promotor de Justiça foi pautada sempre pelo princípio da importância (inventei agora esse princípio), isto é, priorizava aquilo que realmente era significante diante da quantidade de fatos graves que ocorriam na Comarca em que trabalhava. Até porque eu era o único promotor da cidade e só havia um único juiz. Se nós fôssemos nos preocupar com furto de galinha do vizinho; briga no botequim de bêbado sem lesão grave e noivo que largou a noiva na porta da igreja nós não iríamos dar conta de tudo de mais importante que havia para fazer e como havia (crimes violentos, graves, como estupros, homicídios, roubos, etc).

    Era simples. Não há outro meio de você conseguir fazer justiça se você não priorizar aquilo que, efetivamente, interessa à sociedade. Talvez esteja aí um dos males do Judiciário quando se trata de “emperramento da máquina judiciária”. Pois bem. O Procurador Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público) da época me ligou e pediu para eu colaborar com uma colega da comarca vizinha que estava enrolada com os processos e audiências dela. Lá fui eu prestar solidariedade à colega.

    Cheguei, me identifiquei a ela (não a conhecia) e combinamos que eu ficaria com os processos criminais e ela faria as audiências e os processos cíveis. Foi quando ela pediu para, naquele dia, eu fazer as audiências, aproveitando que já estava ali. Tudo bem. Fui à sala de audiências e me sentei no lugar reservado aos membros do Ministério Público: ao lado direito do juiz. E eis que veio a primeira audiência do dia: um crime de ato obsceno cuja lei diz:

    Ato obsceno 
    Art. 233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
    Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. O detalhe era: qual foi o ato obsceno que o cidadão praticou para estar ali, sentado no banco dos réus? Para que o Estado movimentasse toda a sua estrutura burocrática para fazer valer a lei? Para que todo aquele dinheiro gasto com ar condicionado, luz, papel, salário do juiz, do promotor, do defensor, dos policiais que estão de plantão, dos oficiais de justiça e demais funcionários justificasse aquela audiência? Ele, literalmente, cometeu uma ventosidade intestinal em local público, ou em palavras mais populares, soltou um pum, dentro de uma agência bancária e o guarda de segurança que estava lá para tomar conta do patrimônio da empresa, incomodado, deu voz de prisão em flagrante ao cliente peidão porque entendeu que ele fez aquilo como forma de deboche da figura do segurança, de sua autoridade, ou seja, lá estava eu, assoberbado de trabalho na minha comarca, trabalhando com o princípio inventado agora da importância, tendo que fazer audiência por causa de um peidão e de um guarda que não tinha o que fazer. E mais grave ainda: de uma promotora e um juiz que acharam que isso fosse algo relevante que pudesse autorizar o Poder Judiciário a gastar rios de dinheiro com um processo para que aquele peidão, quando muito mal educado, pudesse ser punido nas “penas da lei”. Ponderei com o juiz que aquilo não seria um problema do Direito Penal, mas sim, quando muito, de saúde, de educação, de urbanidade, enfim… Ponderei, ponderei, mas bom senso não se compra na esquina, nem na padaria, não é mesmo? Não se aprende na faculdade. Ou você tem, ou não tem.

    E nem o juiz, nem a promotora tinham ao permitir que um pum se transformasse num litígio a ser resolvido pelo Poder Judiciário.

    Imagina se todo pum do mundo se transformasse num processo? O cheiro dos fóruns seria insuportável.

    O problema é que a audiência foi feita e eu tive que ficar ali ouvindo tudo aquilo que, óbvio, passou a ser engraçado. Já que ali estava, eu iria me divertir.

    Aprendi a me divertir com as coisas que não tem mais jeito. Aquela era uma delas. Afinal o que não tem remédio, remediado está.

    O réu era um homem simples, humilde, mas do tipo forte, do campo, mas com idade avançada, aproximadamente, uns 70 anos.

    Eis a audiência: Juiz – Consta aqui da denúncia oferecida pelo Ministério Público que o senhor no dia x, do mês e ano tal, a tantas horas, no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com vontade livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou ventosidade intestinal, depois de olhar para o guarda de forma debochada, causando odor insuportável a todas as pessoas daquela agência bancária, fato, que, por si só, impediu que pessoas pudessem ficar na fila, passando o senhor a ser o primeiro da fila.

    Esses fatos são verdadeiros? 
    Réu – Não entendi essa parte da ventosidade…. o que mesmo? 
    Juiz – Ventosidade intestinal. 
    Réu – Ah sim, ventosidade intestinal. Então, essa parte é que eu queria que o senhor me explicasse direitinho. 
    Juiz – Quem tem que me explicar aqui é o senhor que é réu. Não eu. Eu cobro explicações. E então.. São verdadeiros ou não os fatos? 
    O juiz se sentiu ameaçado em sua autoridade. Como se o réu estivesse desafiando o juiz e mandando ele se explicar. Não percebeu que, em verdade, o réu não estava entendendo nada do que ele estava dizendo. 
    Réu – O guarda estava lá, eu estava na agência, me lembro que ninguém mais ficou na fila, mas eu não roubei ventosidade de ninguém não senhor. Eu sou um homem honesto e trabalhador, doutor juiz “meretrício”.

    Na altura da audiência eu já estava rindo por dentro porque era claro e óbvio que o homem por ser um homem simples ele não sabia o que era ventosidade intestinal e o juiz por pertencer a outra camada da sociedade não entendia algo óbvio: para o povo o que ele chamava de ventosidade intestinal aquele homem simples do povo chama de PEIDO. E mais: o juiz se ofendeu de ser chamado de meretrício. E continuou a audiência.

    Juiz – Em primeiro lugar, eu não sou meretrício, mas sim meritíssimo. Em segundo, ninguém está dizendo que o senhor roubou no banco, mas que soltou uma ventosidade intestinal. O senhor está me entendendo?
    Réu – Ahh, agora sim. Entendi sim. Pensei que o senhor estivesse me chamando de ladrão. Nunca roubei nada de ninguém. Sou trabalhador.

    E puxou do bolso uma carteira de trabalho velha e amassada para fazer prova de trabalho.

    Juiz – E então, são verdadeiros ou não esses fatos.
    Réu – Quais fatos?
    O juiz nervoso como que perdendo a paciência e alterando a voz repetiu.
    Juiz – Esses que eu acabei de narrar para o senhor. O senhor não está me ouvindo?
    Réu – To ouvindo sim, mas o senhor pode repetir, por favor. Eu não prestei bem atenção.

    O juiz, visivelmente irritado, repetiu a leitura da denúncia e insistiu na tal da ventosidade intestinal, mas o réu não alcançava o que ele queria dizer. Resolvi ajudar, embora não devesse, pois não fui eu quem ofereci aquela denúncia estapafúrdia e descabida. Típica de quem não tinha o que fazer.

    EU – Excelência, pela ordem. Permite uma observação?
    O juiz educado, do tipo que soltou pipa no ventilador de casa e jogou bola de gude no tapete persa do seu apartamento, permitiu, prontamente, minha manifestação.
    Juiz – Pois não, doutor promotor. Pode falar. À vontade.
    Eu – É só para dizer para o réu que ventosidade intestinal é um peido. Ele não esta entendendo o significado da palavra técnica daquilo que todos nós fazemos: soltar um pum. É disso que a promotora que fez essa denúncia está acusando o senhor.

    O juiz ficou constrangido com minhas palavras diretas e objetivas, mas deu aquele riso de canto de boca e reiterou o que eu disse e perguntou, de novo, ao réu se tudo aquilo era verdade e eis que veio a confissão.

    Réu – Ahhh, agora sim que eu entendi o que o senhor “meretrício” quer dizer.O juiz o interrompeu e corrigiu na hora.Juiz – Meretrício não, meritíssimo.

    Pensei comigo: o cara não sabe o que é um peido vai saber o que é um adjetivo (meritíssimo)? Não dá. É muita falta de sensibilidade, mas vamos fazer a audiência. Vamos ver onde isso vai parar. E continuou o juiz.

    Juiz – Muito bem. Agora que o doutor Promotor já explicou para o senhor de que o senhor é acusado o que o senhor tem para me dizer sobre esses fatos? São verdadeiros ou não?

    Juiz adora esse negócio de verdade real. Ele quer porque quer saber da verdade, sei lá do que.
    Réu – Ué, só porque eu soltei um pum o senhor quer me condenar? Vai dizer que o meretrício nunca peidou? Que o Promotor nunca soltou um pum? Que a dona moça aí do seu lado nunca peidou? (ele se referia a secretária do juiz que naquela altura já estava peidando de tanto rir como todos os presentes à audiência).

    O juiz, constrangido, pediu a ele que o respeitasse e as pessoas que ali estavam, mas ele insistiu em confessar seu crime.
    Réu – Quando eu tentei entrar no banco o segurança pediu para eu abrir minha bolsa quando a porta giratória travou, eu abri. A porta continuou travada e ele pediu para eu levantar a minha blusa, eu levantei. A porta continuou travada. Ele pediu para eu tirar os sapatos eu tirei, mas a porta continuou travada. Aí ele pediu para eu tirar o cinto da calça, eu tirei, mas a porta não abriu.

    Por último, ele pediu para eu tirar todos os metais que tinha no bolso e a porta continuou não abrindo. O gerente veio e disse que ele podia abrir a porta, mas que ele me revistasse. Eu não sou bandido. Protestei e eles disseram que eu só entraria na agência se fosse revistado e aí eu fingi que deixaria só para poder entrar. Quando ele veio botar a mão em cima de mim me revistando, passando a mão pelo meu corpo, eu fiquei nervoso e, sem querer, soltei um pum na cara dele e ele ficou possesso de raiva e me prendeu. Por isso que estou aqui, mas não fiz de propósito e sim de nervoso. Passei mal com todo aquele constrangimento das pessoas ficarem me olhando como seu eu fosse um bandido e eu não sou. Sou um trabalhador. Peidão sim, mas trabalhador e honesto.

    O réu prestou o depoimento constrangido e emocionado e o juiz encerrou o interrogatório. Olhei para o defensor público e percebi que o réu foi muito bem orientado. Tipo: “assume o que fez e joga o peido no ventilador. Conta toda a verdade”.

    O juiz quis passar a oitiva das testemunhas de acusação e eu alertei que estava satisfeito com a prova produzida até então. Em outras palavras: eu não iria ficar ali sentado ouvindo testemunhas falando sobre um cara peidão e um segurança maluco que não tinha o que fazer junto com um gerente despreparado que gosta de constranger os clientes e um juiz que gosta de ouvir sobre o peido alheio. Eu tinha mais o que fazer.

    Aliás, eu estava até com vontade de soltar um pum, mas precisava ir ao banheiro porque meu pum as vezes pesa e aí já viu, né? No fundo eu já estava me solidarizando com o pum do réu, tamanho foi o abuso do segurança e do gerente e pior: por colocarem no banco dos réus um homem simples porque praticou uma ventosidade intestinal.

    É o cúmulo da falta do que fazer e da burocracia forense, além da distorção do Direito Penal sendo usado como instrumento de coação moral. Nunca imaginei fazer uma audiência por causa de uma, como disse a denúncia, ventosidade intestinal. Até pum neste País está sendo tratado como crime com tanto bandido, corrupto, ladrão andando pelas ruas o judiciário parou para julgar um pum. Resultado: pedi a absolvição do réu alegando que o fato não era crime, sob pena de termos que ser todos, processados, criminalmente, neste País, inclusive, o juiz que recebeu a denúncia e a promotora que a fez.

    O juiz, constrangido, absolveu o réu, mas ainda quis fazer discurso chamando a atenção dele, dizendo que não fazia aquilo em público, ou seja, ele é o único ser humano que está nas ruas e quando quer peidar vai em casa rápido, peida e volta para audiência, por exemplo.

    É um cara politicamente correto. É o tipo do peidão covarde, ou seja, o que tem medo de peidar. Só peida no banheiro e se não tem banheiro ele se contorce, engole o peido, cruza as perninhas e continua a fazer o que estava fazendo como se nada tivesse acontecido. Afinal, juiz é juiz.

    Moral da história: perdemos 3 horas do dia com um processo por causa de um peido. Se contar isso na Inglaterra, com certeza, a Rainha jamais irá acreditar porque ela também, mesmo sendo Rainha… Você sabe.

    Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012. Paulo Rangel (Desembargador do Tribunal de Justica do Rio de Janeiro).

    e por tratar-se de um processo de pum punido…

    um merchan isperto!

     

    Empresa lança odorizador para cuecas que deixa o seu "pum" sem cheiro!

    Acredite, ou não, mas uma empresa lançou um odorizador chamado “Flatulence Deodorizer”, que funciona como um filtro que elimina o cheiro dos gases de uma pessoa.

    Segundo a empresa, o produto é extremamente fino e indicado para quem está com algum tipo de problema que está deixando as flatulências com odores desagradáveis.

    O pacote vem com 10 filtros descartáveis e é vendido na internet por US$ 29,95.

    Se conhece algum amigo com esse problema, vale a pena indicar o produto. rs

     

     

    Select ratingNota 1Nota 2Nota 3Nota 4Nota 5Nota 1Nota 2Nota 3Nota 4Nota 5

     

  9. Não teremos “Je Suis Charlie”

    Este caso não saiu nem sairá na Grande Mídia.

    Não teremos nenhum editorial falando sobre liberdade de expressão nos jornalões.

    Caso similar ao da Agente de Trânsito que “ousou” dizer que o Juiz flagrado bêbado e sem carteira de motorista não era Deus.

    Mais um episódio lamentável da Justiça Brasileira. 

  10. carapuça ?

    …imaginando caso algum dos ‘ofendidos’ viesse, por infelicidade nossa, ser eleito presidente e sofresse ataques diários via mídia nacional tipo a ‘caricatura de democracia opinativa’ exibida na charge do Caruso inicio desta semana. Certeza: Caruso seria condenado a prisão perpétua, no mínimo.  rs rs rs

  11. Enquanto no Brasil JUIZ for

    Enquanto no Brasil JUIZ for DEUS e não o servidor com responsabilidades maiores.

    Enquanto JUIZ fizer brincadeirinhas com uma Lei que proteje milhares de mulheres.

    Enquanto o STF for palco de duplas, não encontro provas, mas condeno por que não tinha como não saber.

    Ou seja, temos pessoas e PESSOAS no Brasil.

     

     

  12. Cada vez mais entendo porque

    Cada vez mais entendo porque mudaram o lema da marcha do impítman (é meu zovo). Um dos patrocinadores colocou nas suas camisetas Deus, família e liberdade.  Não é mais aquela história da marcha de Deus pela família, pátria e propriedade dos reaças de então.  Bem que poderia ser “Golpe paraguaio, HSBC e  vitoriosos, ainda que derrotados”. Esse juiz deve ter aprendido com o cara lá da globo que ora e meia processa alguém e faz sua caixinha particular. É o lado pragmático da profissão. No globalismo tudo vira grana, negócio, lucro fácil.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador