Um mês após ser solto pelo STF, acusação esvaziada vira inquérito contra Dirceu

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]


Foto: ABr
 
Jornal GGN – Após a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) liberar José Dirceu da prisão enquanto recorre do tempo de pena, o que ocorreu em junho, o pouco interesse da Lava Jato do Paraná de seguir com outras investigações contra o ex-ministro foi modificado: se antes o juiz Sérgio Moro havia suspendido por um ano a apuração, agora os investigadores retomam e decidem criar um terceiro inquérito.
 
É que três semanas depois da decisão do Supremo que mandou soltar José Dirceu, a Polícia Federal avisa Sérgio Moro que abriu um terceiro inquérito, relacionado a um anterior paralisado pelo próprio juiz. Trata-se das acusações da construtora Engevix, com base na delação já desmentida de Gerson Almada [entenda mais abaixo], que foi vice-presidente da empresa.
 
Almada havia afirmado aos investigadores, ainda em 2017, que fechou contratos fictícios com a Entrelinha Comunicação, no valor de R$ 900 mil, por serviços à JD Consultoria, entre abril de 2011 e julho de 2012. Os pagamentos à suposta empresa de fachada seriam para justificar propina da Engevix e da UTC.

 
Os pagamentos teriam ainda sido intermediados por Milton Pascowitch, outro delator da Lava Jato e suposto operador dos repasses. Pascowitch mantinha, supostamente, uma conta corrente de Dirceu na Espanha. Só que além de já ter sido desmentida, a apuração é uma parte das acusações de Almada feitas em dezembro do ano passado e que gerou uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) aceita por Moro, mas paralisada por um ano.
 
É que após conseguir a prisão de Dirceu, o juiz achou desnecessário seguir, por ora, com outra apuração contra o ex-ministro. “Não vislumbro com facilidade interesse do MPF no prosseguimento de mais uma ação penal contra as mesmas pessoas, a fim de obter mais uma condenação. O que é necessário é a efetivação das condenações já exaradas e não novas condenações”, havia dito Moro.
 
Condenado pelo TRF-4 a 30 anos e 9 meses de prisão por outra apuração que o acusou de crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro, e somando uma segunda condenação de Moro de 11 anos e oito meses de detenção, o juiz tentou justificar, ainda em fevereiro, que enquanto se “efetivava” a condenação de Dirceu, outros processos eram prioridade. 
 
“A propositura de ações penais contra multicondenados dificulta a focalização dos trabalhos judiciais nas ações penais ainda em trâmite relativamente a pessoas ainda não julgadas. Assim, apesar do recebimento da denúncia, suspendo sucessivamente o processo por um ano, após o que analisarei o prosseguimento”, havia dito o juiz do Paraná.
 
A adiamento dizia respeito ao suposto repasse de R$ 1,5 milhão da UTC Engenharia à JD Consultoria, empresa de Dirceu, entre 2013 e 2014, com o mesmo argumento de que não houve a prestação de serviços, também com base nas acusações de Almada.
 
Nesse sentido, o prórpio advogado de Dirceu concordou que a apuração não traz nenhuma novidade em relação ao que já acusou o ex-ministro nas sentenças anteriores. “É mais do mesmo, não vejo sentido nessa altura estar abrindo inquérito para apurar fatos já investigados”, disse Roberto Podval, considerando, ainda, que Dirceu não poderia ser condenado duas vezes pelos mesmos motivos.
 
Fragilidade do inquérito: delação desmentida
 
Além do entendimento do juiz declarado publicamente de que não interessava à Lava Jato condenar duas vezes José Dirceu, uma vez que até o momento da declaração o ex-ministro estava preso cumprindo a sentença, e de que o atual inquérito era uma continuidade da apuração paralisada por um ano por Moro, a base das acusações já foi desmentida.
 
É que todas estas declarações de Almada foram passadas à Polícia Federal segundo o que ele teria escutado de Milton Pascowitch, o então operador que teria criado uma conta de Dirceu no exterior.
 
O caso foi amplamente divulgado em janeiro deste ano. O depoimento do ex-sócio da Engevix foi dado em julho de 2017, afirmando que Pascowitch controlava uma conta na Espanha em benefício de Lula e do ex-ministro José Dirceu com propinas de contratos da Petrobras. 
 
Almada disse à Lava Jato que o operador o contou certa vez que “viajaria de trem para Madrid/Espanha para ‘olhar a conta’ que ele ‘administrava’ para ‘pessoas do PT’”. Sem mais detalhes, Almada acreditou que essas contas eram de Lula e de Dirceu. E, ainda, negou ter provas ou mais informações sobre tais contas.
 
Quando o sigilo do depoimento foi aberto em dezembro e foi amplamente divulgado, o próprio Pascowitch se dirigiu aos investigadores para desmentir os relatos, que foi tornado público somente em janeiro deste ano. À Polícia Federal, Pascowitch disse que a delaçãr era “manifestamente inverídica” e que ele “forneceu, em seu acordo de colaboração premiada, todos os extratos de suas contas fora do Brasil”, não existindo contas nem de Lula, nem de Dirceu [Relembre aqui].
 
Entretanto, sem provas do delator que diz que existia a conta, com o depoimento desmentido pelo suposto intermediário e criador da conta, sendo este inquérito uma continuidade da apuração já suspendida por Moro pelo tempo de um ano, mesmo assim, a Lava Jato ressuscita a apuração e noticia o juiz do Paraná, pouco menos de um mês após a soltura de Dirceu.
 
 
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Moralidade, impessoalidade e

    Moralidade, impessoalidade e legalidade, os três princípios fundamentais que devem orientar a ação das autoridades no nosso regime constitucional, foram jogados na lata do lixo pelos juízes. 

    Os delegados da PF estão apenas seguindo fielmente o exemplo policial.

    Abaixo deles, os policiais também já se sentem tentados a fazer o mesmo.

    O maior problema de uma ditadura é sempre o guarda da esquina, pois ele pode fazer o que bem entender porque garante aos seus superiores o direito inatural de agir como se fossem as únicas fontes da Lei.

    À tortura processual logo se seguirão as inevitáveis torturas físicas e as execuções seletivas.

    Os juizes elaborarão as listas de cidadãos que podem morrer.

    E para não serem colocados nas listas de mortos em potencial dos policiais os juízes também serão obrigados a se submeter ao único instrumento capaz de agir e ficar impune numa ditadura: as armas de fogo.

    Fodam-se os juizes… Não tenho mais nenhuma simpatia por eles.

    Eles criaram o caos e devem ser estraçalhados e devorados pelo regime infame que criaram.

    1. moralidade e impessoalidade, legalidade e capacidade,

      pois não é Fábio, que os togados se revestem de símbolos de poder arbitratados na riqueza e no comando das coisas? Obrigado pelo texto. Mas também gostaria de dizer, viva a revolução francesa, apesar de não ter sido suficiente para inaugurar a democracia dos pobres e dos colonos.

  2. Nenhuma novidade no fato!

    Vingança por Dirceu estar em casa, ódio doentio e Eleição.

    Um prato cheio para as arbitrariedades da Lava-Jato.

    “Despesas com combustível”, triplex, sítio de Atibaia e tudo mais a serviço do Lawfare contra Lula, PT, Dilma e esquerdas e para colocar todos no mesmo balaio e tentar fazer o povo desacreditar por completo da Política e o Sistema nos dominar de vez. 

  3. Onde andam as contas do Aécio em Luxemburgo e do Serra na Suíça?

    É curioso como tem coisa que anda, e tem coisa que para no Ministério Público conforme a filiação partidária.

    As contas de Aécio em Luxemburgo já tem anos que veio à baila e ninguém sabe o que foi feito delas. Se engavetou, pelo menos deveria noticiar.

    As do Serra com o banqueiro Ronaldo Cezar Coelho já foram rastreadas, mas cadê as denuncias criminais dos envolvidos? A conta existiu até ser descoberta recentemente, portanto pela jurisprudência da lava jato seria crime continuado e ainda não prescrito, mesmo Serra tendo mais de 70 anos.

    O cunhado do Alckmin, mesma coisa. Ninguém sabe, ninguém viu.

  4. Dirceu é também condenado político

    Quem recuperar meus comentários aqui no GGN, desde os idos de 2011/2012 sabe que não tenho simpatias por José Dirceu, que além de vaidoso foi bastante autoritário, quando comandou o PT. Mais de uma vez mencionei o caso de Vladimir Palmeira, que em 1998 tinha reais chances de ser eleito governador do RJ e foi impedido de se lançar candidato. Desde então o PT fluminense se desfez; da dissidência nasceu o PSOL, que JAMAIS ocupará o lugar do PT, embora seus sonháticos e identitaristas – que agora se aliam à Globo e ao sistema judiciário para dar um golpeachment no traidor Marcelo Crivella, atual prefeito do Rio – criem na militância essa falsa e irrealizável expectativa.

    Mas a serenidade e dignidade com que José Dirceu tem enfrentado o martírio e calvário que lhe impõem seus algozes, desde a farsa/fraude do chamado “mensalão do PT” obrigam-nos a reconhecer nele um líder político inquebrantável, de uma lealdade à toda prova. José Dirceu já escreveu seu nome na História e nela entra pela porta da frente, ao contrário de seus algozes na mídia corporativa, no sistema judiciário e na direita política golpista, oligárquica, escravocrata, plutocrata, cleptocrata, privatista e entreguista. NENHUMA das acusações que implicou condenação e prisão de JD apresentam uma MÍSERA prova dos crimes de que o acusaram. O mesmo se aplica a João Vaccari Neto e José Genoíno, todos eles condenados e/ou presos políticos, assim como o Ex-Presidente Lula.

    Essa meganhagem judiciária age como se carrascos dos líderes petistas. Mas esses torquemadas ainda não perceberam que o tempo deles está chegando ao fim e que, em breve, perderão a serventia. E quando a maré virar, eles hão de pagar caro pelos crimes e pelo mal que têm feito ao País. O golpe e os golpistas não conseguiram impor sua narrativa e se legitimar perante a população; embora eles dominem TODO o aparato estatal, inclusive eo de persecução penal, de violência e repressão, eticamente, moralmente, histórica, sociológica, política e jurìdicamente estão sendo fragorosamente derrotados; os golpistas estão fazendo todo o mal que lhes está ao alcance, mas não prevalecerão e a História, que na era da internet e comunicação instantânea é escrita em tempo real, etá mostrando isso de forma clara, inequívoca.

    Se no Brasil o sistema judiciário não estivesse dominado por facções da direita política golpista, oligárquica, escravocrata, plutocrata, cleptocrata, privatista e entreguista ou mesmo pelo crime organizado, NENHUMA das denúncias, NENHUM dos processos fraudulentos contra José Dirceu, João Vaccari, José Genoíno ou o Ex-Presidente Lula teria destino outro que não fosse o arquivamento sumário.

     

  5. Estas acusações estes processos são declaradamente politicos

    Estas acusações estes processos são declaradamente politicos e movidos a ódio, e com muita certeza a mando de interesses escusos. Moro agora os está usando para avisar aos que estão começando a lhe fazer um cerco, de que ainda tem poder. Mas Moro não se dá conta de que dentro do judiciário amealhou uma quantidade significativa de adversários. E logo logo será escolhido como o bode expiatório do panteão golpista.  Logo veremos Folha Estadão e Globo dizendo que jamais deram suporte ao golpe. Sua ação contra Favretto,e agora contra Tófolli ( que concedeu o HC a Dirceu) mostra que o judiciário está entrando em conflito,e Moro em sua pouca perspicácia, continua usando apenas a força, sem medir a força dos adversários. Enquanto a maioria judiciária lhe concedeu poderes, pois interessava, Moro se emponderou. Mas agora começa o desespero, e veremos o mesmo juiz titubeante que foi ao senado apelar para os senadores que não passassem a lei contra abusos. Segundo ele possíveis erros seriam apenas erros de hermeneutica ( isto é de interpretação).  O caso Favretto e agora o ataque requentado a Dirceu, mostra  que fera acuada  e com garras é sinal de perigo.  Logo veremos Carmem Lauritas e Gebrans e Dodges, pulando fora do barco. Mas até lá muita gente tem que se cuidar e lembrar que o poder de Moro  não é nem nunca foi de Moro. Ele apenas acreditou que é dele. O poder dado a Moro se divide entre os omissos e os mal intencionados, quem irá vencer?

  6. Assim não dá

    Vemos no país uma grande instabilidade jurídica. Quando todos os três poderes estão envolvidas em escânda-los de corrupção, inclusive incluindo várias gerações de presidentes, o país perde a credibilidade como país sério e possível para investimentos tantos exteriores como nacionais.   

    Campanha: Vamos votar em cadidatos que nunca foram eleitos, já.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador