Distribuição de erros é mais comum que mostrar o culpado, diz Lenio Streek

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – O advogado e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, Lenio Luiz Streek, publicou na Folha um artigo em que rebate o artigo “Medalha de ouro para o habeas corpus”, dos procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos. Lenio traz uma pequena história contada por Simone de Beauvoir, em que quando espalhamos a culpa nunca miramos o ator central, o que cometeu o crime ou erro, mas somente os que se omitiram ou volitaram em torno da ação. Assim é se lhe parece!

Lenio Streek coloca em xeque a modalidade “não foi minha culpa” dos procuradores, que criticam o ministro Toffoli por concederem habeas corpus a Paulo Bernardo baseado no fato de que eles erraram em pedir a prisão preventiva. Toffoli não foi um traidor da Pátria, nem eles são os heróis. Eles são agentes do Ministério Público que resolveram tomar nas próprias mãos a história errática da justiça brasileira. Eles banalizam a prisão preventiva quando falham na fundamentação. Seria hora dos procuradores se questionarem e se criticarem? Ou é medalha de ouro para o abuso?

Leia o artigo a seguir.

na Folha

Processo não é olimpíada

por Lenio Luiz Streck

Adapto aqui uma história contada pela escritora francesa Simone de Beauvoir. Uma mulher, maltratada pelo marido, arranjara um amante, a cuja casa ia uma vez por semana. Precisava atravessar um rio para visitá-lo. Podia fazê-lo de duas maneiras: por uma ponte ou por barca. Pela ponte corria o risco de cruzar com um malfeitor.

Um dia, demorou-se mais que de costume e, quando chegou ao rio, o barqueiro não quis levá-la, dizendo que seu expediente terminara. Pediu então ao amante que a acompanhasse até a ponte, mas este recusou, alegando cansaço. A mulher resolveu arriscar, e o assassino a matou.

Beauvoir então pergunta: quem é o culpado? O barqueiro burocrata? O amante negligente? Ou a própria mulher, por adúltera? E comenta: “Em geral, as pessoas culpam um desses três, mas ninguém se lembra de quem matou”.

No último domingo (3), os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos publicaram nesta Folha o artigo “Medalha de ouro para o habeas corpus”, no qual criticam a decisão do ministro do STF Dias Toffoli de tirar da prisão o ex-ministro Paulo Bernardo, detido na Operação Custo Brasil, que investiga desvios do Ministério do Planejamento.

Quem é o culpado no caso relatado pelos procuradores? O advogado de Paulo Bernardo, que ingressou com a reclamação? O ministro Toffoli, que teria, na visão dos autores, dado salto duplo twist carpado nas duas instâncias inferiores da Justiça, ao invés de rejeitar a ação e não conceder o habeas corpus?

Ou seria quem decretou, erroneamente, a prisão preventiva, sem a devida fundamentação? Pode-se banalizar a prisão preventiva? Era essa a questão, sobre a qual nada se disse, que os dois procuradores deveriam analisar.

Antes de serem agentes do Ministério Público, ambos deveriam ser fiscais da lei. O Ministério Público não é acusador sistemático. Ou é?

Não vou discutir os fatos. Os procuradores, aliás, também deles não deveriam falar. É processo em curso. Juiz e promotor falam nos autos, como dizia o jurista Paulo Brossard.

Li a reclamação dos advogados e a decisão de Toffoli. É só o que está disponível para quem não faz parte do processo. Por isso, podemos falar sobre algo que não sejam o barqueiro, o amante ou a adúltera?

Por exemplo: Toffoli conheceu da reclamação. Conhecer quer dizer “isso não é um absurdo”. Logo, para ele, havia fumaça de bom direito. Ele é quem diz, não eu. E Toffoli poderia ter concedido o habeas corpus de ofício (que não foi solicitado pela defesa)?

Essa é fácil. Claro que sim. Qualquer manual de direito, por mais simplório que seja, diz que habeas corpus pode ser escrito até em papel de pão. E pode ser deferido no bojo de qualquer ação. Qualquer ação. “Traga-me o corpo”, eis o conceito de habeas corpus, desde o século 13.

Portanto, não vejo razões para demonizar o ministro Toffoli. E nem para transformar o processo em olimpíada, como aludiram os procuradores. Além disso, ao contrário do que ocorre com o salto duplo twist carpado criado por Daiane dos Santos, aqui não há replay. Em habeas corpus, não há o recurso à câmera lenta.

O artigo dos procuradores, a par de ser um belo texto literário homenageando a nossa ginasta, não consegue esconder o fator “quero-quero”, aquela ave que põe o ovo em um lugar e canta em outro. Quer esconder uma porção de coisas.

Por exemplo, os fins não justificam os meios no combate ao crime. O juiz de São Paulo poderia ter decretado a prisão preventiva de Paulo Bernardo? Obedeceu aos requisitos do Código de Processo Penal?

Ora, há centenas de precedentes de decretação de habeas corpus de ofício. Aliás, depois da súmula (que vale tanto quanto uma lei) 691, os habeas do STF passaram a ser, em grande quantidade, quase todos concedidos de ofício. E ninguém fala em salto duplo na Justiça por isso.

O Ministério Público poderia, às vezes, ser também um pouco daquilo que a Constituição lhe impôs: fiscal da lei. A liberdade não é um ponto fora da curva. Não é mesmo.

LENIO LUIZ STRECK, advogado e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, é professor titular de direito constitucional da Universidade Estácio de Sá (Rio) e da Unisinos (RS)

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Procurador falastrão com apelido desabonador

    Prezados,

    Não fui eu o primeiro a apelidar certo procurador falastrão da Farsa a Jato, um que mais de uma vez acusou, difamou e condenou Lula, por meio de microfones e holofotes do PIG/PPV, cujo histrionismo, boquirrotismo e aparência física, sobretudo a cavidade oral, de imediato lembram o apelho excretor – ‘Eta, Levy Fideles vai requerer direito autoral’ . Um atento, ousado e bem-humorado leitor cravou: “carlinhhos hemorróida”.

    E não é que a alcunha se mostra mais do que apropriada!? E não digo apenas pelas semelhanças e aspectos físicos, mas sobretudo pelo que é excretado pela cavidade oral anteriormente citada.

     

  2. Ninguém questiona os hapeas

    Ninguém questiona os hapeas corpus concedido por Gilmar Mendes, juizes aos escroques, Cachoeira, Cavendish, médicos estupradores, ninguém escreveu artigos nos jornais. Esquisito.

  3. Trata-se de artigo na FdeSP de 07/07/2016 já reproduzido aqui

     

    Jornal GGN,

    Tenho chamado você de cabeça oca para dizer que você funciona como uma máquina sem ideologia. No entanto, a ideia de que um texto opinativo possa ser não ideológico é falsa. É claro que tem alguém por detrás que deveria assinar a matéria, mas como quem faz o texto é bastante inteligente para não ter a coragem de ser revelar como autor, não me resta alternativa que o chamar de cabeça oca.

    E o pior que é um cabeça oca sem memória. Comecei a ler o texto e tive a sensação de que já o tinha lido. Fiz a pesquisa na internet e encontrei o seguinte post “MP não pode transformar processo em Olimpíada, por Lenio Luiz Streck” de quinta-feira, 07/07/2016 às 10:24, aqui no blog de Luis Nassif e como sendo uma sugestão de João Paulo Caldeira, mas com matéria introdutória de suaautoria, Jornal GGN, e, em seguida, a transcrição do artigo “Processo não é olimpíada” publicado na Folha de S. Paulo de quinta-feira, 07/07/2016 e de autoria de Lenio Luiz Streck. O endereço do post “MP não pode transformar processo em Olimpíada, por Lenio Luiz Streck” é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/mp-nao-pode-transformar-processo-em-olimpiada-por-lenio-luiz-streck

    E se tudo se resume a copiar e colar não custa nada reproduzir aqui o meu comentário enviado sexta-feira, 08/07/2016 às 13:30, para junto do comentário de Acelino Carvalho enviado quinta-feira, 07/07/2016 às 12:42, lá no post “MP não pode transformar processo em Olimpíada, por Lenio Luiz Streck”. Disse eu lá:

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    Acelino Carvalho (quinta-feira, 07/07/2016 às 12:42),

    Vou transcrever mais à frente, um comentário que eu enviei quarta-feira, 26/08/2015 às 13:36, para junto do comentário de LACosta, enviado segunda-feira, 24/08/2015 às 16:36, para o post “Constituição é contra impeachment de Dilma por fato do mandato anterior” de segunda-feira, 24/08/2015 às 14:57, aqui no blog de Luis Nassif e contendo o artigo “Constituição é contra impeachment de Dilma por fato do mandato anterior” de autoria de Lenio Luiz Streck e publicado no Consultor Jurídico. O endereço do post “Constituição é contra impeachment de Dilma por fato do mandato anterior” é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/constituicao-e-contra-impeachment-de-dilma-por-fato-do-mandato-anterior

    O comentário de JACosta que ele intitulou “Grande Professor Lenio” e que motivou o meu é parecido com o seu. Disse lá JACosta:

    “Era o meu candidato à vaga hoje ocupada pelo Fachin.

    Acompanho-o no programa da TV Justiça, Direito & Literatura. São magnÍficas aulas”.

    E o meu comentário é o que se segue:

    “LACosta (segunda-feira, 24/08/2015 às 16:36),

    Estou há muito tempo afastado do Direito para que a minha opinião tenha algum valor, mas há mais tempo eu já me manifestei contra a escolha de Lenio Luiz Streck para o STF. Avalio que ele tem mais espaço como jurista e doutrinador fora do STF. É mais como um elogio que eu digo que Lenio Luiz Streck é muito grande para o STF.

    De certo modo, os ministros do STF são pequenos perto dos grandes juristas que o país produz com abundância. A diferença é que a voz majoritária deles faz lei e o jurista ou doutrinador não tem esse poder nem diante de um juiz estadual em um lugar a esmo qualquer do país.

    É bem verdade que com o poder modulador que foi conferido posteriormente às decisões do STF, um juiz do STF pode manifestar mais livremente e de modo mais doutrinário e depois modular a sentença de forma a reduzir as consequências muito delas danosas que a interpretação mais elaborada e avançada que ele tinha poderia causar.”

    Fiz questão de deixar o link para o post “Constituição é contra impeachment de Dilma por fato do mandato anterior” não só pela qualidade do artigo de Lenio Luiz Streck, tão bom como o deste post “MP não pode transformar processo em Olimpíada, por Lenio Luiz Streck” de quinta-feira, 07/07/2016 às 10:24, contendo o artigo dele “Processo não é olimpíada” publicado na Folha de S. Paulo de quinta-feira, 07/07/2016, mas também porque o primeiro comentário que foi encaminhado para o post “Constituição é contra impeachment de Dilma por fato do mandato anterior” é a seguinte transcrição de trecho do livro de Michel Temer “Elementos de Direito Constitucional”:

    “Convém anotar que o julgamento do Senado Federal é de natureza política. É juízo de conveniência e oportunidade. Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado considere mais conveniente a manutenção do presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagração de um conflito civil; para impedir agitação interna.”

    O primeiro comentário fora de Pontara e fora enviado 24/08/2015 às 15:16, tendo sido intitulado de “O julgamento do impedimento é político e não judicial” e consistia só do trecho transcrito acima. A frase é muito importante porque mostra que o impeachment é político porque ele pode absolver um culpado. E além disso, o texto deixa implícito que não há nenhuma ordem institucional que pode permita condenar o inocente. É preciso haver o crime de responsabilidade, ou como diz Michel Temer, só após tipificada a hipótese de responsabilização é que pode haver o impeachment.

    Agora embora eu considere que houve golpe, eu concordo com o ministro Luiz Roberto Barroso que em palestra no dia 08/06/2016 disse o seguinte:

    “O impeachment depende de crime de responsabilidade. Mas, no presidencialismo brasileiro, se você procurar com lupa, é quase impossível não encontrar algum tipo de infração pelo menos de natureza orçamentária. Portanto, o impeachment acaba sendo, na verdade, a invocação do crime de responsabilidade, que você sempre vai achar, mais a perda de sustentação política”

    Mais sobre o entendimento dessa fala do ministro Luiz Roberto Barroso pode ser visto no post “Barroso entra para o grupo dos “Esqueçam o que eu escrevi”, por Jandui Tupinambás” de quinta-feira, 16/06/2016 às 09:33, aqui no blog de Luis Nassif e originado de comentário de Jandui Tupinambás, sendo que o post pode ser visto no seguinte endereço:

    http://horia.com.br/blog/jandui-tupinambas/ministro-barroso-entra-para-o-grupo-dos-esquecam-o-que-eu-escrevi

    É golpe, mas é um golpe constitucional. É constitucional, pelo menos na aparência, mas não seria tão constitucional assim se considerarmos que dificilmente o STF vá considerar como tendo havido crime de responsabilidade em qualquer dos atos da presidenta Dilma Rousseff que deram ensejo ao impeachment.

    E voltando ao seu comentário, eu considero que as pessoas se deixam empolgar pela importância das instituições e pensam que as pessoas que assumem posições de destaque na condução da máquina pública deveriam ser pessoas excepcionais. Daí que se vê com frequência Luis Nassif falar em estadista para cá e em estadista para lá. Só que essas sumidades desejadas por Luis Nassif não existem. Muitas vezes quem assume um cargo público de destaque como o de presidente da República e de ministro de Estado ou da Alta Corte são pessoas comuns, podendo ter uma ou outra capacidade maior, mas nada de excepcional.

    Para o STF basta alguém que dê conta do feijão com arroz. Uma pessoa como Lenio Luiz Streck seria voto perdido na maioria das vezes. Do lado de fora ele pode ser um agente importante de transformação dos poderes constituídos.

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    Insistir em dizer mais alguma coisa me parece que seria ainda mais repetitivo. O copiar colar é suficiente.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 09/08/2016

  4. Distribuição de erros é mais comum que mostrar o culpado

    Na “República dos Estados Unidos de Curitiba” vige legislação especial.

    Por lá pessoas são presas até delatarem o que “vem ao caso”

    Delações que citem tucanos, sempre inocentes até prova em contrário, não vem ao caso.

    Outra particularidade é que o produto da roubalheira, ou parte dela, não reverte por inteiro para a empresa saqueada. Dizem os doutos daquela república que uma parte deve ficar com os MPF e PF para atender despesas. Um ministro do STF não viu amparo legal mas não causou problema. Dizem que “devemos insistir”, foi só um ministro do STF, coisa pouca.

    O que vale é a narrativa inicial, os culpados previamente definidos. Outros, na turma que “vem ao caso” entram para abrilhantar o feito.

    Provas, ora provas . . .

    Basta o “disse me disse”.

     

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