PGR é ameaçada com fim da lista tríplice por Bolsonaro, por José Antonio Lima

Procuradores já travam disputa aberta pelo comando da instituição. Mas governo Bolsonaro acena com fim da tradição da lista da categoria, que confere legitimidade ao órgão

Foto: Divulgação
Do Deutsche Welle Brasil

Fim da “lista tríplice” pode ameaçar independência da PGR

Por José Antonio Lima

Dentro de um mês, os candidatos a procurador-geral da República, o cargo mais alto do Ministério Público Federal (MPF), vão começar a disputar a eleição para a chamada lista tríplice. Estar entre os três mais votados pelos colegas é, desde 2003, garantia de ter o nome avaliado pelo presidente da República, o responsável pela nomeação. Em 2019, a história pode mudar, e essa situação ameaça a independência da Procuradoria-Geral da República (PGR), dizem especialistas.

A lista tríplice começou a ser elaborada em 2001, numa tentativa de emular o que ocorre nos estados, onde os governadores são obrigados pela Constituição a escolher um dos integrantes da votação feita pelos promotores estaduais. A primeira edição da lista foi ignorada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Naquele ano, o tucano nomeou para o cargo, pela quarta vez seguida, Geraldo Brindeiro, que havia ficado em sétimo lugar na eleição interna dos procuradores.

Conhecido por seu alinhamento ao governo federal, Brindeiro ganhou o apelido de “engavetador-geral da República”. Nos oito anos em que esteve no cargo, ele arquivou inúmeros casos com suspeitas de corrupção, inclusive o que tratava da compra de votos para a emenda da reeleição em 1997, que permitiu a FHC se perpetuar no poder.

Os petistas Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), por sua vez, adotaram como prática nomear o primeiro colocado da lista tríplice. Nesse período, o cargo de procurador-geral ganhou proeminência, em especial por conta de casos de corrupção, como o do mensalão.

Em 2017, pressionado por denúncias de corrupção contra si, o então presidente, Michel Temer, mudou a tradição. Em vez de nomear o mais votado pelos procuradores, ele escolheu Raquel Dodge, a segunda colocada. Agora, é possível que o presidente Jair Bolsonaro abandone por completo a prática e nomeie uma pessoa de fora da lista tríplice.

O indício mais recente de que isso pode ocorrer foi uma entrevista do advogado-geral da União, André Mendonça. Nomeado por Bolsonaro, ele destacou no início de abril que a lista tríplice não está prevista em lei, sendo apenas uma tradição. Ao fazer esse comentário, Mendonça reforçou o que o próprio presidente da República dissera em outubro de 2018.

Em uma entrevista, Bolsonaro não se comprometeu a seguir a lista tríplice e disse que nomearia alguém “livre do viés ideológico de esquerda”. Na sequência, afirmou que prezaria pela independência da instituição. “Não quero alguém subordinado a mim, como tivemos no passado a figura do engavetador, mas alguém que pense grande, que pense no seu país”, afirmou.

No entanto, abandonar a tradição da lista e ao mesmo tempo manter a independência da PGR podem ser objetivos contraditórios. “A lista tríplice, apesar de não estar prevista em lei, é uma prática inteligente e democrática, pois gera duas legitimações”, afirma Luciano de Souza Godoy, professor da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Por um lado, há a legitimidade dentro da carreira, e o procurador-geral precisará do apoio da carreira para fazer bem o trabalho dele. Por outro, seguir a lista gera na sociedade uma percepção de independência do escolhido em relação ao presidente, pois caberá a ele investigar o próprio presidente”, afirma.

A possibilidade de Bolsonaro não seguir a lista tem animado concorrentes que buscam quebrar a tradição. Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o subprocurador Augusto Aras se lançou como candidato “por fora”. Atacou o mecanismo da lista, levantou dúvidas sobre a idoneidade da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entidade responsável pela eleição para a lista tríplice, e fez acenos ideológicos a Bolsonaro.

Aras disse que as questões indígena e de meio ambiente, que são objeto de ataques de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, centrais na atuação do MP, não devem ser “radicalizadas”. O subprocurador insinuou que a campanha de preservação da Amazônia seria uma conspiração de ONGs e “países poderosos”. Antes, em dezembro, em entrevista a um jornal da Bahia, afirmou que o governo Bolsonaro seria uma “democracia militar”.

O ímpeto eleitoral de Aras provocou reações na categoria. “Essas declarações foram ditadas em cunho egocêntrico, e destroem uma importante conquista da classe, que é a prévia consulta”, afirma Cláudio Fonteles, o primeiro procurador-geral da República nomeado por Lula (2003-2005). “Excluir esse sistema para partimos para a luta pessoal e individual é reinstaurar as mazelas na instituição”, diz.

Outro que, segundo relatos da imprensa, busca ser alçado ao posto de procurador-geral é Jaime Cássio de Miranda, chefe do Ministério Público Militar (MPM). De acordo a Folha de S.Paulo, Miranda enviou um ofício a Bolsonaro e a alguns senadores questionando o formato de sucessão de Dodge.

Ele quer que integrantes de outras carreiras do Ministério Público da União (MPU) possam ser nomeados para o cargo. Até hoje, apenas integrantes do Ministério Público Federal (MPF) foram escolhidos. Além do MPF e do MPM, integram o MPU o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Quem também defende que a PGR não é uma exclusividade do MPF é André Mendonça, o advogado-geral da União. No mesmo encontro com jornalistas, ele afirmou que o cargo poderia ser ocupado por membros dos Ministérios Públicos do Trabalho, Militar e do DF. A divergência indica que a escolha do sucessor de Dodge pode parar na Justiça, mais especificamente no Supremo Tribunal Federal, cujos membros também podem ser processados pelo procurador-geral da República.

Além da possibilidade de o governo desprezar a lista tríplice e de integrantes de fora do MPF buscarem o cargo, a disputa pela sucessão de Dodge envolve disputas que ocorrem dentro do próprio MPF. A instituição estaria dividida entre alas que apoiam Dodge e outras alinhadas a seu antecessor, Rodrigo Janot.

O ex-procurador-geral Fonteles não apoiou Dodge na última eleição, mas elogia sua atuação desde 2017, quando assumiu o cargo de procuradora-geral da República. Para ele, as divisões dentro do MPF são preocupantes.

“Hoje há realmente uma busca por poder dentro da instituição, mas a resposta deve ser a unidade dentro da adversidade”, diz. O risco é a cisão facilitar uma eventual tentativa de não seguir a lista tríplice. “A norma deve obedecer até a boa tradição”, diz. “Mas hoje vejo com extrema preocupação a possibilidade de se desprezar a lista, como o presidente Fernando Henrique desprezou solenemente.”

Redação

7 Comentários

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  1. Sou a favor de eleição + prova de redação. Com o presidente definindo tema pra melhorar o MP, como o fim do corporativismo, as auxílios ilegais que ganham ou a baixa resolução de crimes.
    Cada 10% dos votos veleria 1 ponto. Soma-se os pontos dos votos com o da redação.

  2. Como ele pode acabar com o que não existe?
    A constituição garante ao presidente a liberdade para indicar quem preferir para ser PGR desde que seja um membro do ministério público, e isso já foi uma concessão à corporação.

  3. As milícias ministeriais já estão em movimento de campanha eleitoral, de olho na indicação do titular do cargo de Procurador Geral da República. Tem que ser um nome alinhado com as pautas corporativas da organização sindical que se denomina ANPR. Os procuradores são contra as organizações sindicais legais, representativas dos trabalhadores da ralé. Direitos e privilégios só para eles. Para saber qual é a linha de pensamento dominante entre os membros do MP basta saber quem eles elegem para a presidência da ANPR. Para saber o que interessa ao presidente da ANPR, basta procurar saber onde e com quem ele anda.
    https://www.premioinnovare.com.br/conselho-superior

  4. Essa quadrilha percebeu que o STF está mudando de lado e não quer que aconteça o mesmo na PGR.

    A verdade é que Toffoli percebeu na prisão De Temer que na quadrilha que ele e outros ministros resolveram apoiar não existe fidelidade.

    Com isso achou que iria conseguir dar um recado aos representantes no Brasil da organização criminosa norte-americana que financiou o golpe contra Dilma, a prisão de Lula e o golpe militar branco.

    Mas ele se precipitou, a melhor forma de reverter e acabar com esse braço no Brasil da organização criminosa norte-americana é contar a verdade pra sociedade. Como ele fiz ao dizer que a Lava Jato esta defendendo interesses de empresários norte-americanos.

    Pra entender como funciona a organização criminosa norte-americana basta ver os vídeos em “Máfia Estadunidense”:https://www.youtube.com/playlist?list=PLdlG8ZVM5X8Srww9K06bhX_bBXSWfEYcY

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