Juristas acusam Ives de ter elaborado um parecer de torcida

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Os juristas Lenio Streck, Marcelo Cattoni e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima afirmam que o parecer de Ives Gandra  apontando a possibilidade jurídica de impeachment da presidente Dilma está errado. Os juristas enviaram artigo ao Consultor Jurídico e apontam que a tese defendida por Ives é inconstitucional, que usa elementos jurídicos para montar uma decisão politica e alertam, com diz de Moreira Alves, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, que um processo de impeachment não é o espaço onde tudo é possível”. Leia a íntegra do artigo publicado no Conjur.

do Conjur

PONTOS DE VISTA

Não há elementos jurídicos para impeachment de Dilma, rebatem juristas

O parecer do jurista Ives Gandra que aponta a possibilidade jurídica de impeachment da presidente Dilma Rousseff está errado. É o que dizem Lenio Streck, ex-procurador de Justiça, professor e advogado; Marcelo Cattoni, doutor em Direito e professor da UFMG; e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, doutor em Direito e professor da Unifor-CE.

Em artigo enviado à revista eletrônica Consultor Jurídico, eles apontam que a tese defendida por Gandra é inconstitucional, pois usa elementos jurídicos para justificar uma decisão política. O artigo cita ainda o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Moreira Alves, segundo quem “um processo de impeachment não é o espaço onde tudo é possível”.

Leia o artigo:

O jurista Ives Gandra elaborou parecer, dado a público, sustentando existirem elementos jurídicos para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Diz o professor que “apesar dos aspectos jurídicos, a decisão doimpeachment é sempre política, pois cabe somente aos parlamentares analisar a admissão e o mérito”. Diz, em síntese, que é possível oimpeachment porque haveria improbidade administrativa prevista no inciso V, do artigo 85, da Constituição Federal: “o dolo nesse caso não é necessário”. Mais: “Quando, na administração pública, o agente público permite que toda a espécie de falcatruas sejam realizadas sob sua supervisão ou falta de supervisão, caracteriza-se a atuação negligente e a improbidade administrativa por culpa. Quem é pago pelo cidadão para bem gerir a coisa pública e permite seja dilapidada por atos criminosos, é claramente negligente e deve responder por esses atos”. 

Para resumir ainda mais, Ives Gandra quis dizer que comete o crime de improbidade por omissão quem se omite em conhecer o que está ocorrendo com seus subordinados, permitindo que haja desvios de recursos da sociedade para fins ilícitos. Simples assim.

É o relatório, poderíamos assim dizer, fosse uma sentença.

Preliminarmente, é necessário deixar claro que falar sobre impeachment de um(a) presidente da República de um país de 200 milhões de habitantes não é um ato de torcida. Ou se faz um parecer técnico, suspendendo os seus pré-juízos (Vor-urteil) ou se elabora uma opinião comprometida ideologicamente. Mas daí tem de assumir que não é técnico. O que não dá para fazer é misturar as duas coisas: sob a aparência da tecnicidade, um parecer comprometido. Vários leitores da ConJur detectaram bem esse problema no parecer do ilustre professor paulista.

De todo modo, vamos falar um pouco sobre isso. Afinal, existe literatura jurídica (doutrina e jurisprudência) que confortam facilmente uma tese contrária à do parecerista.

Já de saída, ao dizer que há argumentos jurídicos para sustentar uma tese política, Gandra mistura alhos com bugalhos. No caso, Gandra usa a política como elemento predador do direito. Aliás, o Direito tem de se cuidar dos inúmeros predadores exógenos e endógenos. Os principais predadores exógenos são: a política, a moral e a economia. O direito não pode ser reduzido, sem as devidas mediações institucionais a um mero instrumento à disposição da política. Além disso, há um sério problema de teoria da constituição no argumento do parecerista. Ele talvez compreenda mal o papel da Constituição democrática.   Pois se de um ponto de vista sistêmico a Constituição é um acoplamento estrutural entre direito e política, isso pressupõe, por um lado, uma diferenciação funcional entre direito e política e, por outro, prestações entre ambos os sistemas, de tal forma que o direito legitime a política e esta garanta efetividade ao direito. Assim, a Constituição é parâmetro de validade para o direito e de legitimidade para a política.

Para além de um ponto de vista sistêmico ou funcionalista, do ponto de vista da teoria da ação a Constituição é a expressão, no tempo, de um compromisso entre as forças políticos sociais, não resta dúvida. Mas todo compromisso, enquanto promessa mútua, possui um sentido performativo de caráter ilocucionario ou normativo: a Constituição constitui; ou seja, é a expressão da auto constituição democrática de um povo de cidadãos que se reconhecem como livres e iguais.

O que, em outras palavras, significa que a Constituição é uma mediação, no tempo, entre Direito e política.  Falar em elementos jurídicos que justificam uma decisão política, nos termos do argumento de Gandra, pressupõe o argumento autoritário de um direito como instrumento da política. Esse é o busílis do equívoco do professor. Assim, ao invés de mediação, o que ocorre é um curto-circuito entre Direito e política no plano constitucional, chame-se isso de colonização do Direito pela política, corrupção do código do Direito pela política, ação predatória da política no Direito, ilegitimidade política ou, simplesmente, defesa de uma tese inconstitucional!!

O curto-circuito detectado pelos leitores da ConJur
Onde está o curto-circuito no argumento do professor Gandra? Observemos como nem é necessário lançar mão de grandes compêndios sobre a matéria. Vários leitores da ConJur mataram a charada. O comentarista G. Santos (serventuário) escreveu: “O Professor mistura lei de improbidade com lei de crimes de responsabilidade. Lança mão do vago art. 9º, 3, da Lei 1079/50 para justificar seu parecer de que se admite crime de responsabilidade culposo, e, pior, chega a afirmar que o art. 85, V da CF seria auto-aplicável! Só que o parágrafo único do mesmo artigo é expresso ao prescrever que “Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.

E complementa o nosso leitor conjurista: “A parte final do parecer é assustadora. Quando o Professor vai ‘aos fatos’, não consegue disfarçar sua parcialidade, concluindo que está caracterizado crime de responsabilidade culposo, e fundamenta no art. 11 da Lei de Improbidade!
Cria um tertium genus com o uso indiscriminado da Lei 1.079 com a lei 8429, sem sequer mencionar os entendimentos do STF e do STJ sobre o tema”. Bingo, G.Santos.

Já o comentarista Jjsilva4 (Outros), diz: “Com a devida vênia, os crimes de responsabilidade, de nítida natureza penal, não se presumem culposos, como qualquer outro (art. 18, parágrafo único do CP), não se podendo inferir negligência imprudência ou imperícia como pressupostos da improbidade prevista no art. 4, V da Lei 1.079/50, sob pena de grave afronta a toda teoria geral de direito penal elementar, que se aprende no segundo ano da faculdade.
Da mesma forma, não dá para querer interpretar o art. 85 da CF a partir da Lei 8.429/92, que é lei derivada da Constituição, mas apenas o contrário, o que não leva a conclusão alguma a respeito do cometimento de crime. Concluo que há no douto parecer forte carga ideológica que acaba por sacrificar a técnica jurídica. Não sei se prevalecerá, se persuadirá os políticos e a comunidade jurídica em geral. A conferir.”  Bingo, JSilva.

Finalmente, o comentarista Hélder Braulino, com jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,  mostra que  somente os tipos do artigo 10 admitem civilmente a forma culposa. O crime culposo exige previsão na lei e não pode ser implícito. A omissão da Lei 1.079/50 vem seguida do advérbio “dolosamente” e a não responsabilização dos subordinados se dá “de forma manifesta (artigo 9º, incisos 1 e 3). O que se diz por “manifesto” é incompatível com qualquer das modalidades da culpa (imperícia, negligência ou imprudência). A governanta não os pune mesmo quando atuam de forma “manifesta”. O que vem a significar “forma manifesta” afasta a figura culposa. O leitor Hélder encerra mostrando que a omissão mencionada na Lei de Improbidade é, mesmo, dolosa.

Portanto, só com os argumentos dos leitores da ConJur já é suficiente contestar o parecer do ilustre professor. Por isso, este artigo é uma pequena homenagem aos leitores, para mostrar como uma tese desse jaez “bate” na comunidade jurídica. Bate e rebate. Os leitores já bem demonstraram isso. Parabéns aos comentaristas da ConJur, que dia a dia se aprimoram.

De todo modo, numa palavra final, gostaríamos de trazer a lume o que disse o ministro José Carlos Moreira Alves, quando do julgamento do MS 21.689-DF: um processo de impeachment não é o espaço onde tudo é possível. Bingo, ministro Moreira Alves!

Podemos ser contra ou a favor da presidente. Podemos dela gostar ou desgostar. Mas, na hora de discutirmos uma coisa importante como é o impeachment, temos de colocar de lado os nossos pré-juízos, fazendo umaepoché. Afinal, somos juristas para quê?

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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  1. Parecer partidário

    Quando estes agitadores golpistas começarão a ser questionados juridicamente. O Brasil precisa andar e as capitanias heriditárias de SP e Paraná parecem querer impedir isso, como se o néscio do candidato derrotado e do seu “sociólogo” mentor tivessem alguma capacidade de conduzir um país desta dimensão.

    Chega de aturar estes neo-lacerdistas

  2. É a primeira vez que vejo um

    É a primeira vez que vejo um texto de Lenio Streck no blog. Fico feliz, pois trata-se do maior jusfilósofo brasileiro na atualidade. 

  3. É a primeira vez que vejo um

    É a primeira vez que vejo um texto de Lenio Streck no blog. Fico feliz, pois trata-se do maior jusfilósofo brasileiro na atualidade. 

  4. é só uma prestação de serviço,…

     

     

    O sujeito é um advogado competente, … o cliente pagou para obter um parecer que permitisse o impedimento da presidência, …..  ele levantou os motivos que conseguiu e fez o parecer,….

     

     

    É só negócio,….

    1. Só um detalhe me casusa

      Só um detalhe me casusa estranheza, quem pagou 150.000,00 por isso? Com quais interesses? Para uma pessoa que trabalha e tem que suar para pagar as contas espanta terem dinheiro sobrando para gastar com especulações, de onde sai tanta grana? 

  5. Vácuo de Poder
    Como a memória da mídia é seletiva, ninguém comenta sobre janeiro de 1999, que tem algumas semelhança com o processo atual. Naquele.mês FHC tinha acabado de tomar posse e tinha demitido Gustavo Franco numa sexta-feira, instituindo feriado bancário para segunda-feira, por causa da desvalorização da real.
    No fim de semana os especuladores fizeram a festa, como bem sabe o blogueiro. Na segunda-feira nomeou Chico Lopez, que em menos de quinze dias desenvolveu uma teoria, que nem ele conseguiu explicar e acabou preso de forma circense em uma CPI.
    Somente depois dessa lambanças todas, que convocaram o “Goldenboy” do Soros, o ex-futuro ministro da dinastia dos Neves.
    A única semelhança com o momento a atual é que os presidentes estavam em início do mandato. Por que em em 1999 a magnitude foi muito maior. Se não me falha memória, nossas reservas cambiais estavam em frangalhos por causa da crise dos países periféricos, o desemprego nas alturas, portanto economia estado de calamidade.
    Quem fala em vácuo de poder hoje ou é muito esquecido ou prefere não lembrar, para não comprometer o projeto político da mídia monopolista, que o blogueiro conhece tão bem, pois estava nesta época nos tão falado aquário.

  6. Nunca se esqueça: cuida-se de

    Nunca se esqueça: cuida-se de um parecer “contratado”. Ou seja, dependendo do cliente contratante, o resultado.

    Some-se: (1)  Ives é tributarista, deveria ser contratado – sim – para dar um parecer sobre matéria fiscal: (2) Ives é parcial (partidário) e há tempo vem se pondo politicamente contrário à Dilma e seu governo que “entende” chavista.

    Não se deixe também de consultar sua lista de clientes… 

  7. O Gandra está certo. O otário

    O Gandra está certo. O otário queria o parecer. 

    O mesmo assumiu a paternidade de alguem que depois descobriu-se que não era seu filho.

    No Brasil isto é possível. Até hoje Mailson fatura como consultor de Economia.

  8. Quando eu estava na Faculdade
    Quando eu estava na Faculdade de Direito de Osasco, li ou ouvi uma história bem interessante que vem ao caso reproduzir aqui. Certa feita Rui Barbosa foi contratado para dar um Parecer sobre um determinada controvérsia jurídica. Estabelecido o prazo e combinado o preço, o jurista se enfurnou na sua biblioteca e produziu o Parecer. O cliente que o encomendou, porém, começou a protelar o pagamento e a regatear o preço. Irritado, após concluir o trabalho Rui mandou chamar o cliente ao seu escritório dizendo que lhe daria o Parecer de graça. O sujeito foi até o escritório do mestre, Rui Barbosa o atendeu solícito, retirou o Parecer de uma pasta. Mas antes de o entregar ao destinatário, com uma régua, destacou da última página o pedaço da folha em que estava seu nome. Vendo aquilo, o cliente teria perguntado porque o jurista havia lhe dado o Parecer apesar do não pagamento do preço ajustado. Rui Barbosa lhe respondeu que o que tinha valor era assinatura dele.  No caso em questão, o Parecer de Ives Gandra não tem qualquer valor jurídico. De fato, a única virtude deste Parecer foi reduzir a nada o valor da assinatura daquele pseudo-jurista. E ele que se achava um legítimo herdeiro de Rio Barbosa. Ha, ha, ha…. 

  9. Se Ives Gandra é tucano de

    Se Ives Gandra é tucano de carteirinha o parecer dele é nulo. 

    Desde o final da apuração dos votos, que deu vitória a Dilma, Aécio e sua tropa insistem em encontrar brechas para que ele assuma o Poder. Essa oposição ferenha, renhida, prometeu que não daria sossego à Presidenta, e assim tem agido, provando que não foram eleitos para servir ao Brasil, mas, ao contrário, para desservi-lo. 

    Lula e/ou Dilma já deveriam ter encontrado outro jurista capaz de, em nome deles, pôr abaixo as impressões de Ives Gandra. Sem contrapontos, o PT sempre fica por baixo nessas questões que tem o tamanho do Brasil. Ou seja, enquanto a oposição berra, a situação se cala, daí o ódio cada vez mais incorpado na cabeça de quem lê as manchetes. 

  10. Por uma boa remuneração,  nem

    Por uma boa remuneração,  nem precisa de talento excepcional. Um bom escrivinhador consegue “demonstrar” vínculos entre o nosso André Araújo e os bolivarianos da América do Sul, por ele tão estimados e admirados.

  11. Nassif
    Quando fizeram o

    Nassif

    Quando fizeram o impedimento do Collor não existia a internet. Era somente a grande mídia e a manada alienada.Hoje, até este “parecista partidário” é contestado não só por seus pares, mas por toda a academia de estudantes, docentes e outros. Que final de carreira deprimente.

  12. Pareceres

    Querem um parecer contra ou a favor do impeachment? Farei pelo mesmo preço qualquer um dos dois. Agora, se desejarem com defesa da prisão imediata da Presidente, o parecer custa o dobro.  E para defender a pena de morte para ela, bem, daí vamos discutir o valor, pois reputaria difícil…

  13. não que golpistas precisem de

    não que golpistas precisem de algum respaldo legal ou legítimo para realizar sua tarefa. mas é sempre bom ver um torcedor ser desnudado de sua capa de “isento”

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