Justiça é branda com acusações de tortura pela policia

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Justificando

Justiça é branda com policiais e agentes carcerários acusados de tortura, aponta estudo

Por Alexandre Putti 
 

Um levantamento divulgado hoje (27) pela Conectas, revela um panorama sobre o acusados, vítimas e perfil de processos que versam sobre o crime de tortura, previsto na Lei 9.455/97. O estudo aponta a maior incidência de tortura visando a “confissão” de algo, além de revelar uma postura mais branda por parte do Justiça, quando o acusado é do servidor público.

A pesquisa foi feita pelo Conectas Direitos Humanos, o Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Pastoral Carcerária e a Ação dos Cristãos para a Abolição.

Perfil dos acusados. Entre agentes públicos e privados, os primeiros se saem melhor no Judiciário.

Os agentes públicos representam 61% dos casos, seguidos por agentes privados, com 37%. Em 2% dos casos não foi possível identificar o perfil do acusado. Por agentes públicos, entende-se funcionários do Estado, como carcerários, guardas e policiais, enquanto agentes privados correspondem a pais, mães, padrastos, madrastas, babás ou quaisquer pessoas que não se enquadravam na categoria “agente público”. 

Nesse sentido, os agentes públicos acusados de tortura tem uma chance maior do que agentes privados de saírem absolvidos, como demonstra o gráfico abaixo:

gráfico totura 3

Um dos fatores que facilitam isso é o órgão pericial pertencer à própria polícia. Para a advogada do programa de Justiça da Conectas, Vivian Calderoni, “os dados mostram que a Justiça opera de maneira diferenciada em função do perfil do réu e da vítima. Muitas das absolvições, nos casos em que os agentes públicos são os acusados, são justificadas pela falta de provas. Isso pode revelar uma preocupante falta de capacidade do Sistema de Justiça de apurar a tortura cometida por seus funcionários, ou uma tendência a desqualificar o testemunho de vítimas que são suspeitas ou cumprem pena por outro crime”, afirma Vivian.

Perfil das vítimas. A tortura ronda quem é pressionado para “confessar” algo

De todos os casos de torturas, 51% eram homens, maiores de 18 anos, representando a grande maioria do gráfico. Dentre os homens, há a parcela de suspeitos de algum crime e o os que já foram condenados.

No panorama geral, os suspeitos de algum crime representam 21%, enquanto os condenados apenas 9%. Nesse cenário, percebe-se que muitas torturas são realizadas com o objetivo de obter confissões, enquanto, outras se apresentam como castigo.

Somados, crianças e os adolescentes representam 33% das vítimas de tortura, o que levantou na pesquisa a necessidade de se estudar as causas, embora boa parte das torturas venham do ambiente doméstico.

Segundo o estudo, as mulheres representam 8,2% das vítimas de tortura. A pesquisa se assemelha a outras publicadas quando conclui que a mulher sofre mais violência nos Estados do Nordeste, em que pese a diferença entre as outras regiões, como Sul e Sudeste não seja grande. 

É fundamental ressaltar que o estudo não abrange casos de processos que versam sobre a Lei Maria da Penha. Ou seja, apesar de inúmeras mulheres sofrerem tortura no ambiente de violência doméstica, o estudo lida, especificamente, com quem é autor e vítima nos casos da Lei 9455/97. 

Outro dado igualmente alarmante é o número de vítimas de tortura que chegaram a óbito: 24 pessoas, sendo que 14 delas eram suspeitos ou presos, 9 crianças e 1 ex-namorada.

gráfico tortura 2

Falha do Estado. Casos que escapam à Justiça por falta de investigação

Diante desse cenário, o estudo aponta como urgente que o Estado brasileiro adote medidas para melhor prevenir a tortura praticada pelos agentes públicos, assim como se esforce para que, havendo o envolvimento desses atores, sejam produzidas provas suficientes para esclarecer o caso, uma vez que a insuficiência de provas é motivo de grande parte das absolvições.

Nesse sentido, o estudo conclui que se uma das maiores dificuldades para a obtenção de provas é justamente o fato de o crime de tortura ser um crime de oportunidade – e, portanto, cometido nos momentos em que não há testemunhas – a criação de mecanismos de monitoramento dos espaços onde ocorre se faz ainda mais relevante.

Na comunidade científica, algumas medidas são pensadas, tanto para diminuir a incidência de tortura, quanto para obter maiores mecanismos de prova. Dentre elas, a instalação de filmadoras em viaturas policiais, como também a instalação de circuito interno em salas prisionais.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  1. Tortura policial é ‘problema crônico’ no Brasil

    29/01/2015 12h03 – Atualizado em 29/01/2015 18p7

    Tortura policial é ‘problema crônico’ no Brasil, diz Human Rights Watch

    Entidade analisou denúncias de agressões a detentos.
    Relatório aponta alta letalidade policial e desrespeito a direitos humanos.

    Relatório da entidade Human Rights Watch (HRW) afirma que o Brasil precisa ainda superar problemas envolvendo tortura por agentes policiais, execuções e as condições desumanas das prisões. A organização classifica a tortura como um “problema crônico” nas forças de segurança e centros de detenção do país e também critica o excesso de uso da força letal por agentes, em especial em casos de São Paulo e no Rio.

    O levantamento divulgado nesta quinta-feira (29) analisa a proteção aos direitos humanos em 90 países.

    Leia mais no G1

     

  2. A pesquisa confirma pesquisas anteriores

    PM tem 60% mais chance de absolvição, diz pesquisa
    Para especialista, há tolerância com a violência policial; levantamento analisou resultado de 1.283 julgamentos
    André de Souza (Email)
    Publicado: 18/01/14 – 19p0

    BRASÍLIA – Um policial militar julgado por homicídio tem 60% mais chance de ser absolvido do que um civil. Os números fazem parte de pesquisa – ainda não concluída – conduzida por Rodrigo Lustosa, presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás, para sua dissertação de mestrado. Ele analisou 1.283 julgamentos realizados no tribunal do júri em Goiânia entre 2008 e 2012.

    Os dados englobam os julgamentos da 13ª e da 14ª Vara Criminal de Goiânia, especializadas em crimes contra a vida. Embora a pesquisa seja restrita a uma cidade, Lustosa acredita que os números refletem um pensamento que tem ampla penetração na sociedade brasileira: ?bandido bom é bandido morto?. Ou seja, se o policial matou, a vítima deveria estar fazendo algo errado.

    De 2008 a 2012, houve 82 julgamentos nas duas varas envolvendo PMs. Mais da metade – 45 – resultou em absolvição. Em outros 12 casos, o crime foi desclassificado para delitos menos graves, como lesão corporal ou homicídio culposo (quando não há intenção de matar). Isso significa que em 57 dos 82 julgamentos (69,51% do total), as teses defensivas foram aceitas. Apenas 25 casos (30,49%) resultaram em condenação.

    Os números são bem diferentes quando se trata de civis. Nesse mesmo período, nos 1.201 julgamentos realizados nas duas varas, mais da metade – 602 – teve como final a condenação. Pouco mais de um terço – 410 – acabou em absolvição, e o restante foi desclassificado para crimes menos graves ou sentenciado a medidas de segurança, como internação hospitalar.

    Lustosa ainda conduz a pesquisa, mas diz acreditar que há tolerância com a violência policial. Ele dá como exemplo uma pesquisa de âmbito nacional publicada em 2010 pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), mostrando que 43% dos entrevistados tiveram algum grau de concordância com a frase ?bandido bom é bandido morto?, enquanto 48% discordaram totalmente ou em parte. A pesquisa mostrou que 45% são favoráveis à pena de morte, enquanto 50% se disseram contra. Além disso, 34% concordaram com a frase ?direitos humanos deveriam ser só para pessoas direitas?.

    – Eu tenho algumas suspeitas. Acho que tribunais de júri assimilam teses pertencentes ao senso comum de justiça (bandido bom é bandido morto). Conforme o perfil da vítima, a possibilidade de o policial militar ser absolvido é muito grande.

    Se comparadas as absolvições, um PM tem 60,72% mais chance do que um civil de acabar livre. Se consideradas as absolvições e os casos em que o crime foi desclassificado para um menos grave, a possibilidade de sucesso de um PM é 39,35% maior.

    Sociólogo afirma que vítimas viram culpadas
    Investigação de crimes é frágil e impede que MP apresente denúncias
    O GLOBO
    Publicado: 18/01/14 – 19p9

    BRASÍLIA – Ano a ano, o desempenho da defesa de policiais militares só foi pior em 2008. Foram 214 julgamentos naquele ano, dos quais oito envolveram PMs. Foram seis condenações (75%) e duas absolvições (25%). No mesmo ano, dos 206 julgamentos que não envolviam PMs, houve condenação em 54,37% dos casos e absolvição em 35,92%.

    De 2009 a 2012, o cenário sempre foi mais favorável aos PMs. Em 2009, metade foi absolvida, contra 33,22% dos não PMs. Em 2010, os percentuais foram, respectivamente, 62,5% e 36,41%. No ano seguinte, 60,87% contra 35,82%. Em 2012, último ano da pesquisa, os PMs foram absolvidos em 57,58% dos julgamentos, e os civis, em 30,35%.

    Rodrigo Lustosa desconfia que os números podem ser piores, uma vez que nem todos os casos de violência policial são julgados.

    – Quais são os que chegam ao júri? Todos? Não. Você tem problemas em todas as pontas do sistema de Justiça. Um: a deficiência da própria investigação, tem aqueles que nunca serão descobertos. Dois: a fragilidade das investigações feitas em casos tais. O Ministério Público muitas vezes deixa de oferecer denúncias nesses casos, porque não tem elementos suficientes – diz Lustosa, concluindo:

    – Não temos como afirmar que o júri julga a maioria dos casos. Eu acho que a maioria não é descoberta. Quando é descoberta não é denunciada. Quando é denunciado não chega a júri, porque o juiz entende que não tem elementos suficientes para mandar a júri. E quando chega, tem mais chance de absolvição.

    O sociólogo Julio Jacobo, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e autor do estudo ?Mapa de violência?, que tem abrangência nacional, destaca a figura do auto de resistência. Muitas vezes, o policial diz que houve resistência da vítima simplesmente para justificar uma execução.

    – Há todo um mecanismo institucional que transforma as vítimas em culpadas. A mulher estuprada é que provocou – compara Jacobo, acrescentando que isso justifica a tolerância com a violência policial e, pior, estimula a criação de mecanismos ?justiceiros? dentro da própria corporação, à margem da lei, como as milícias.

    Procurada, a PM de Goiás disse que não poderia comentar a pesquisa, uma vez que as absolvições e condenações são decididas pelo júri, composto por representantes da sociedade, e não pela corporação. Em 1996, a legislação federal foi alterada e determinou que os crimes praticados por militar contra a vida de um civil devem ser julgados na Justiça comum, e não na militar. Em 2004, uma emenda constitucional determinou que cabe ao tribunal do júri julgar crime de militar praticado contra civil.

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