‘Lava Jato precisa ser colocada nos trilhos, e quem tem que fazer isso é a lei’, diz Ali Mazloum

Juiz que rejeitou denúncia contra Lula afirma que há um "consórcio entre Ministério Público e juiz" no âmbito da Lava Jato que precisa ser desmontado pelo Judiciário

Jornal GGN – “Esses fatos, na verdade, eu já vinha denunciando em artigos desde 2008, 2009. Eu falava do consórcio entre Ministério Público e juiz. Para mim isso não causou tanto espanto”, disse o juiz Ali Mazloum ao ser perguntado por um repórter da Folha de S.Paulo sobre as mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil mostrando diálogos entre procuradores da Lava Jato do Paraná que indicam que o ex-juiz Sergio Moro orientou a Procuradoria em alguns casos.

“Eu não tenho dúvida nenhuma de que se fosse esse mesmo fato em cima de processos comuns, o processo estaria nulo. Então ali o grande problema são os personagens envolvidos neste processo”, prosseguiu o magistrado.

“Existe um componente político muito grande, um apelo à popularidade de determinados personagens, então eu não tenho dúvida de que aquilo não é certa proximidade. Ali há uma promiscuidade, um consórcio evidenciado por essas conversas e eu não tenho dúvida da nulidade. A questão é se o Judiciário vai aplicar a Constituição para estes casos relacionados com essas conversas”, ponderou.

O juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo ganhou destaque nos jornais na semana passada, depois de rejeitar uma denúncia feita pela força-tarefa da Lava Lato de São Paulo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu irmão, José Ferreira da Silva (conhecido como Frei Chico) e três executivos da Odebrecht, entre eles o ex-diretor Alexandrino Alencar, o ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht e Emílio Odebrecht.

“A denúncia é inepta. Não seria preciso ter aguçado senso de justiça, bastando de um pouco de bom senso para perceber que a acusação está lastreada em interpretações e um amontoado de suposições”, declarou Mazloum na decisão.

A principal crítica do magistrado no caso foi a Lava Jato usar as delações como base única para instaurar uma ação. “O senhor acha que há um exagero no uso das delações premiadas?”, pergunta o repórter da Folha.

“Acredito que sim, há um exagero. Acredito que muitos operadores do direito, muitas pessoas do setor da imprensa, eles tomam a delação como se elas fossem a prova. E a delação premiada, a colaboração de um corréu, de alguém que praticou um crime também, na verdade é um meio de prova. Não é a prova”, explica o magistrado que é autor do livro “Reserva de Jurisdição – Os Limites do Juiz na Investigação Criminal”, publicado em 2016 pela editora Matrix, onde discute, além do uso das delações, interceptações telefônicas e quebras de sigilos bancário e fiscal.

“Então o delator, além do que ele está dizendo no depoimento, ele tem que indicar onde é que estão as provas. Há um abuso, há um entendimento equivocado sobre este instituto tão importante na investigação criminal”, prosseguiu o juiz na entrevista.

“Esse caso que passou pelas minhas mãos [envolvendo Lula e seu irmão mais velho] é um erro crasso, para mim, de um acusador. Então eu acho que a Lava Jato tem que ser colocada no lugar. E quem tem que colocar a Lava Jato nos trilhos da lei, nos trilhos da Constituição, nos trilhos da Justiça é o Poder Judiciário. Talvez não este atual. Eu acho que este Poder Judiciário atual deixa muito a desejar”, pontuou.

Mazloum é um crítico de longa data do abuso de autoridade de membros do Ministério Público. Suas manifestações o colocaram na mira de procuradores. Em 2003, ele foi incluído nas investigações da Operação Anaconda, como participante de um esquema de venda de sentenças.

“Eu conheço o método do Ministério Público, como eles agem. É pacote completo”, diz. “Aí eles vão te acusar de crime, acusar de processo administrativo, vão te acusar de improbidade, tudo isso. E eu em todas as instâncias ganhei.”

Ao ser lembrando pelo entrevistador de que o juiz João Carlos da Rocha Mattos, o pivô do esquema investigado, foi condenado em última instância, Mazloum respondeu:

“Ele chegou a ser condenado em outros casos. Neste, especificamente, ele foi condenado, mas ocorreu a prescrição. Mas era o único. Ali eu não tenho dúvida que eu e meu irmão [o juiz Casem Mazloum] fomos envolvidos nisso por membros do Ministério Público que ficavam melindrados em razão da nossa atuação independente e acharam que ia ser fácil, né, jogar dois juízes ali e condená-los justamente por causa disso”, ressaltou.

“Eu sou uma pessoa que para alguns membros do Ministério Público Federal sou tido como um inimigo. O que não é verdade. Aqui há muitos casos de condenação, de prisões, inclusive. Os procuradores que atuam aqui atuam há muitos anos. Mas eu não tolero abusos. E eu sou independente. E isso acabou nos levando para esta operação. Eu não tenho dúvida nenhuma”, prosseguiu.

“E a certeza disso é que na instância superior, no caso chegando ao Supremo, um dos casos no próprio STJ [Superior Tribunal de Justiça], nós acabando sendo excluídos. Não é absolvidos. É excluídos. Não deveríamos nem ter sido incluídos. Então isso é uma coisa que a imprensa praticamente não divulgou, não interessava mais. Até entendo o tempo da imprensa, mas ali foi um abuso. Não tenho dúvida de que se isso fosse num país sério esses procuradores não estariam mais na carreira”, concluiu.

Mazloum ressaltou que, na Lava Jato de Curitiba “existe um código penal próprio” sendo aplicado. “Eu vejo assim. Inclusive sobre a Lava Jato eu falei em artigos. Ela tem lá a sua importância, mas ela saiu completamente do sistema processual”, alertou.

“A partir do momento que o juiz abriu mão da imparcialidade que seria necessária para o exercício da sua função, ele escolheu um lado. Escolhendo um lado, naturalmente o outro lado passa a ser uma espécie de inimigo. Então existe uma aversão a pedidos da defesa, existe uma predisposição a rejeitá-los. A grande questão é a neutralidade que se perdeu”, explicou.

Ao ser questionado como prevê o julgamento do pedido de suspeição de Moro no caso tríplex, que deve ocorrer em breve no Supremo Tribunal Federal, o magistrado não quis tratar do caso concreto, mas observou que o resultado será importante “do ponto de vista constitucional”, como exemplo em casos semelhantes.

“A gente aplicar realmente a Constituição, o Estado democrático de Direito, é isso que se espera. O que está escrito na Constituição. É isso que tem que ser aplicado. Não importa se vai desagradar A ou B”, observou.

“Acho que é um caso importante do ponto de vista constitucional, para sabermos qual é o estado em que realmente a gente vive, né? Porque isso é um exemplo, né? O que for aplicado ali vai ter que ser aplicado em outros casos. São os limites do juiz, é isso que eu trato no meu livro. O juiz precisa ter limites”, concluiu.

*Clique aqui para ler a entrevista na íntegra.

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Redação

2 Comentários

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  1. “… quem tem que colocar a Lava Jato nos trilhos da lei (…) é o Poder Judiciário. Talvez não este atual. Eu acho que este Poder Judiciário atual deixa muito a desejar”.
    O Juiz Federal Ali Mazloum NÃO acredita no STF. Alguém acredita ?
    O que fazer com esses criminosos togados, que vivem na boa vida, repleta de privilégios ?

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