Lava Jato usou provas obtidas ilegalmente para solicitar prisão de futuros delatores

Vladmir Aras, então chefe Secretária de Cooperação Internacional do MPF, sabia mas não fez nada para impedir que a força-tarefa violasse as normas de cooperação internacional

Jornal GGN – A Lava Jato usou dados obtidos à margem dos canais de cooperação internacional para prender futuros delatores. É o que revelam reportagens do UOL produzidas em parceria com o site The Intercept Brasil, publicadas nesta sexta-feira (27).

Mensagens vazadas do aplicativo Telegram, enviadas por uma fonte anônima ao Intercept, mostram que os procuradores da Lava Jato tiveram acesso ilegal ao sistema de propinas da Odebrecht, chamado Drousys, quase um ano antes de a Secretaria de Pesquisa e Análise (SPEA), da Procuradoria-Geral da República (PGR), liberar o material.

No dia 14 de maio de 2016, no chat “João Santana – Ode”, destinado a discutir informações deletadas pelo ex-marqueteiro de campanhas petistas, a procuradora Laura Tessler cita descobertas feitas através do Drousys.

“Outra coisa: o nome do Adriano Juca (diretor Jdco da ODE) apareceu no Drousys nas rápidas pesquisas que fizemos…pelo pouco que vimos, me pareceu que tava bem por dentro do esquema das operações estruturadas…pedi pra assistente do Stefan fazer uma pesquisa pelo nome e pelas iniciais dele para analisarmos como inteligência…ela prometeu nos mandar o que aparecer”, afirmou.

O coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, respondeu entusiasmado à notícia. “Importantíssimo Laura”. “Quando “adiamos” a reunião da Ode [Odebrecht] nesta semana, o objetivo era em especial ver o que Vcs obteriam na Suíça e incluir todos os interessados (Vcs estavam fora) na decisão de estratégia!! Perfeito”, prosseguiu.

“Lembrando que precisamos tb decidir como engajar os atores externos, EUA e Suíça, se e na medida em que as negociações eventualmente avançarem”, completou.

O acesso direto dos procuradores da Lava Jato ao Drousys foi possível graças à aproximação entre eles e a equipe do então procurador suíço Stefan Lenz, como mostra a mensagem de Laura Tessler.

Foi somente quase um ano depois, em abril de 2017, que a SPEA, responsável por estruturar o volume de dados para consulta dos procuradores da Lava Jato, liberou o material do Drousys aos membros da força-tarefa, como mostra mensagem enviada pelo procurador da República, de dentro da Secretaria, Daniel Salgado, para o procurador da Lava Jato Athayde Ribeiro Costa, naquele dia:

O acesso integral ao sistema Drousys foi uma das exigências da Lava Jato para fechar acordos de delação premiada com executivos da Odebrecht, incluindo Emília e Marcelo Odebrecht. Na época as defesas chegaram a desconfiar da manobra da força-tarefa de Curitiba.

“A extensão das buscas e o nível de detalhamento a que chegaram chamou muito a atenção. Tinham detalhes sobre servidores de e-mail e de documentos que estavam na sala de pessoas físicas específicas… Isso antes mesmo de delações e remessas de documentos importantes para desvendar o esquema da Odebrecht serem concluídas. Não havia chance de uma investigação no Brasil naquele momento já dispor desse tipo de informação”, disse uma fonte ligada à Odebrecht para o UOL.

Vladmir Aras sabia

O procurador regional da República Vladmir Aras, que comandava a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), do MPF, chegou a alertar Dallagnol sobre os riscos, em uma mensagem enviada no dia 10 de março de 2015.

“Delta, melhor ter cuidado. Que tipo de situação é? As defesas podem questionar o canal. O DRCI também”, disse Aras. A DRCI é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, autoridade ligada ao Ministério da Justiça que coordena as cooperações do Brasil com outros países.

Dallagnol respondeu a Aras: “Concordo. Não usaria para prova em denúncia, regra geral. Vamos usar para cautelar. Se cair, chega pelo canal oficial e pedimos de novo. Trankilo, Mestre”. A conversa segue a madrugada do dia 11 de março, quando Aras questinou: “São dados bancários?”.

Dallagno respondeu que “sim”, mas que não irá usar os dados “como prova de acusação”. “É algo excepcional é justificável”, arrematou o coordenador da Lava Jato.

Vladmir Aras perguntou, então, se as informações seriam usadas para embasar prisões preventivas. “Vai pedir prisão do Renato duque e do Zelada [ex-diretores da Petrobras]?”.

“Estamos avaliando as possibilidades. Relaxe que seremos cuidadosos. Mas, é claro, é natural tomar algumas decisões de risco calculado em grandes investigações”, concluiu Dallagnol.

Cinco dias depois dessa troca de mensagens, Renato Duque foi preso na Operação Que País É Esse?, na 10ª fase da Lava Jato. Como chefe da SCI, Aras tinha obrigação de conduzir a Lava Jato ao cumprimento dos trâmites legais, mas não fez nada para impedir que a força-tarefa violasse as normas de cooperação internacional.

A reportagem UOL-Intercept mostra ainda que, em um chat no Telegram de 10 outubro de 2015, Aras articulou com Dallagnol uma resposta a perguntas enviadas pelo delegado da Polícia Federal, Ricardo Saadi, que na época comandava o DRCI. Uma das perguntas era sobre a vinda de investigadores dos Estados Unidos para reuniões com a Lava Jato.

“Todos os atos de cooperação têm observado os tratados aplicáveis e a legislação brasileira”, diz trecho escrito por Aras na resposta sugerida para Dallagnol.

Na ordem de prisão de Renato Duque, o então juiz Sergio Moro citou que a Lava Jato havia anexado dados sobre contas bancárias que o ex-diretor da Petrobras mantinha em Mônaco.

“No processo 5004367-57.2015.4.04.7000, a pedido do Ministério Público Federal, decretei a quebra de sigilo bancário e o bloqueio de ativos mantidos em contas secretas titularizadas por Renato de Souza Duque e mantidas em instituições financeiras no Principado de Mônaco”.

Um trecho incluído na denúncia dos procuradores da Lava Jato, feita no âmbito da Operação que País É Esse?, mostra que eles calcularam a possibilidade de Duque e outros réus questionarem a ilegalidade na troca de informações com autoridades estrangeiras.

Na denúncia, a força-tarefa da Lava jato pediu para Moro que “sejam todos os denunciados alertados de que qualquer óbice à vinda de documentos do exterior deve ser deduzido perante a justiça brasileira, mais especificamente perante este juízo, sob pena de se caracterizar obstrução à justiça”.

Em novembro de 2014, ocorreu o primeiro encontro entre membros da Lava Jato e investigadores da Suíça. Na ocasião, Dallagnol trouxe em segredo, daquele país para o Brasil, um pen drive com dados bancários de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Abastecimento da Petrobras e um dos primeiros delatores da operação, mais uma vez passando por cima do DRCI, canal oficial por onde devem tramitar todos os materiais obtidos via cooperação internacional do Brasil com outros países.

*Clique aqui para ler as matérias UOL-Intercept na íntegra.

O GGN prepara uma série de vídeos sobre a interferência dos EUA na Lava Jato. Quer apoiar o projeto? Acesse: www.catarse.me/LavaJatoLadoB

Redação

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