Lei vai inibir favorecimentos do Estado a parceiros privados, por Márcia Semer

Artigo do Brasil Debate

Por Márcia Maria Barreta F. Semer*

Depois da Lei de Acesso à Informação Pública (Lei 12.527) e da Lei Anticorrupção (Lei 12.846), editadas, respectivamente, em 2011 e 2013, mais um novo e igualmente inovador diploma legal, sancionado em 31 de julho último, entrará em cena nos próximos meses como instrumento normativo aparentemente capaz de ajudar no combate à corrupção.

Notadamente, à corrupção que se molda no favorecimento, no compadrio, na utilização do Estado como aparelho, aparato ou malha de proteção dos “parceiros”.

Trata-se mais precisamente da Lei Federal nº 13.019/2014, chamada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Ela impõe ao Estado brasileiro (União, Estados e Municípios) todo um procedimento público, objetivo e, pode-se dizer, competitivo, para a aplicação de recursos estatais na realização de atividades de interesse público por entidades privadas sem fins lucrativos.

A partir da entrada em vigor da lei 13.019/2014, que ocorrerá no final de outubro, as parcerias voluntárias envolvendo ou não transferências de recursos financeiros dependerão, para se concretizarem, além da tradicional regularidade jurídica, fiscal e previdenciária:

(i)                de seleção por Chamamento Público,

(ii)              de comprovação de que a entidade existe há pelo menos três anos quando for desenvolver sozinha o objeto da parceria ou comprovação de existência da entidade há pelo menos cinco anos para atuação em rede,

(iii)           demonstração de experiência prévia para a realização do objeto da parceria,

(iv)           dentre outros requisitos objetivos, de moralidade e eficiência administrativas.

Hoje essas parcerias são formalizadas por convênios, cujo regramento frouxo da maioria dos Estados e Municípios da federação não prevê qualquer tipo de procedimento público para escolha do beneficiário da parceria.

Isto tudo significa que se fecha o cerco, reduzem-se os espaços para que o governante ou o administrador mal intencionado faça do ente público seu quintal, use o aparato estatal para atendimento de seus interesses, abuse dos recursos públicos para benefício dos mesmos.

Enfim, o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil torna menos relevante e mesmo insuficiente a mera condição de “amigo do rei” para a obtenção de recursos estatais nesse tema da celebração de parcerias, tirando do papel e trazendo para a vida real o muitas vezes negligenciado princípio constitucional da impessoalidade.

É verdade que na União, notadamente a partir de 2011, o decreto que regula o instituto dos convênios no âmbito federal (Decreto 6.170/2007 e alterações) já estabelece comandos semelhantes de moralidade.

Mas esta não é a realidade dos Estados e Municípios, sendo exemplo o próprio Estado de São Paulo que, a despeito de ter promovido alteração recente no decreto sobre convênios (em 2013), não se preocupou em introduzir para suas parcerias qualquer tipo de requisito objetivo de seleção.

Mas isso não é só. Ademais de tornar objetivo e, consequentemente, mais democrático, o acesso da sociedade civil organizada aos recursos públicos destinados a atividades desenvolvidas em parceria, a Lei 13.019/2014 introduz mecanismo absolutamente novidadeiro de gestão pública participativa que merece a atenção não só dos operadores do direito, mas de toda a sociedade.

É que esse Marco Regulatório institui o que denomina Procedimento de Manifestação de Interesse Social, segundo o qual é possível às organizações da sociedade civil, aos movimentos sociais e aos cidadãos apresentarem ao Poder Público propostas de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento mediante parceria.

Abre-se formalmente um caminho diferente na gestão estatal, uma via marcada pelo relacionamento direto entre a sociedade organizada e o Estado-Administração.

O governante ou administrador não é mais o centro exclusivo de onde emanam as iniciativas para gestão da máquina pública. Outros agentes, não necessariamente integrantes do mundo político-partidário, são legalmente convidados a oferecer propostas, a participar.

Três serão, para tanto, os instrumentos jurídicos que definirão o tipo de parceria adotada pelo Estado para a consecução de finalidades de interesse público:

(1)  Convênios, que ficarão restritos às parcerias firmadas entre os entes federados;

(2)  Termo de Colaboração, que formalizará as parcerias propostas pela Administração às organizações civis, e

(3)  Termo de Fomento, que servirá para pactuar as parcerias propostas pelas organizações da sociedade civil ao Estado.

Considerando, ainda, que a nova legislação prevê sanções aplicáveis às entidades parceiras nos casos de execução da parceria em desacordo com o Plano de Trabalho ou as leis – o que não ocorre com os atuais convênios que não admitem cláusula sancionatória -, e que estabelece todo um regramento detalhado para a prestação de contas nas parcerias firmadas, podemos dizer que mais um passo importante acaba de ser dado no Brasil para o combate à corrupção.

*Márcia Maria Barreta F. Semer é Procuradora do Estado de São Paulo, é mestre em Direito do Estado pela USP e membro da Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos da OAB/SP

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Redação

2 Comentários

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  1. Re chamada:  COMO?  Ate aviao

    Re chamada:  COMO?  Ate aviao eh comprado com laranjas nao-identificaveis no Brasil.

    O Brasil legaliza o laranjal todo e sai com uma dessas?

  2. IL

    As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI’s) são instituições de grande relevância no exercício da assistência social no Brasil. São elas que realmente executam as políticas públicas de proteção especial aos idosos fragilizados e institucionalizados. São elas que cuidam dos dementes, dos avecezados, dos idosos dependentes que foram abandonados por seus próprios familiares.

    Um dos efeitos negativos da referida lei será a grande dificuldade que as ILPI’s filantrópicas enfrentarão com todas essas exigências burocráticas. Essas instituições já sofrem com todo o controle social e estatal. Seus funcionários administrativos se dedicam todos os dias a fazer relatórios, controles internos, preenchimento de formulários governamentais, prestações de contas, ofícios, listagens, dentre outros documentos. 

    Penso que essa lei delega ao Poder Público uma espécie de intervenção estatal às associações de direito privado. Trata-se de puro intervencionismo estatal. O que isso poderá acarretar: fechamentos e mais fechamentos de entidades assistenciais. Já recebem recursos esparcos do Poder Público, fazem às vezes do Poder Público e ainda por cima surge uma lei mais radical ainda.

    Já está muito difícil conseguir candidatos voluntários para os cargos administrativos e de Diretorias das ILPI’s. Com essa lei, muitas entidades ficarão sem representantes legais. Será o fim do idealismo, será o fim do voluntariado e da caridade nas entidades sociais.

    Se preparem senhores prefeitos, se preparem para assumir ILPI’s. Se preparem para assumir o papel que até agora era do Terceiro Setor. O que era privado se tornará público. 

     

     

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