Lenio Streck: Leis devem ser alteradas, mas não pela Lava Jato

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O jurista, professor, doutor e pós-doutor em Direito Lenio Luiz Streck avalia que o pacote anticorrupção lançado em 20 de março pelo Ministério Público Federal (MPF) até contém boas ideias. Mas saltam aos olhos propostas que ferem a Constituição Federal, sendo que boa parte delas parece ter sido moldada pela tentativa quase desesperada de se provar os esquemas de corrupção existentes na Petrobras, investigados pela Operação Lava Jato.

Em mensagem ao GGN, Streck reafirma sua posição contrária à proposta do MPF de relativizar provas obtidas de maneira ilícita. “Na democracia, só existe uma fórmula: respeitar a Constituição. Logo, não tem como dar o drible da vaca na questão da ilicitude da prova”, diz. 

O jurista pondera ainda que algumas “disposições legais devem ser alteradas”, mas não porque “agora estamos em face da Lava Jato”. “Não gosto de medidas ad hoc”, pontua.

Leia a entrevista a seguir.

Em artigo publicado essa semana [leia aqui], o senhor critica, principalmente, a relativização das provas obtidas de maneira ilícita e a classificação de corrupção como crime hediondo no pacote anticorrupção do MPF. No caso da relativização da prova, ficou claro que a sugestão do MPF fere cláusula pétrea. Mas a opinião pública também questiona a anulação de grandes casos por “apego à prova”. Esse impasse é, de alguma forma superável? Ou seja: existe alguma outra fórmula que o MPF poderia ter proposto para reduzir os casos encerrados em absoluto porque parte das provas foram comprometidas?

Na democracia, só existe uma fórmula: respeitar a Constituição. Logo, não tem como dar o drible da vaca na questão da ilicitude da prova. Não se negociam direitos fundamentais. Interesses de instituições ou de governos não podem ser confundidos com direitos.

Muitos juristas criticam, na Operação Lava Jato, o uso de prisão de empresários para chegar à delação premiada. O que o senhor achou das propostas do MPF sobre regulamentar a prisão preventiva e da ideia de criar meios para o Ministério Público ter “paridade de armas” junto ao tribunal na discussão sobre Habeas Corpus?

Temos que deixar claro uma coisa: a culpa da corrupção não é do Direito. A Constituição não é responsável pela corrupção. Não é necessário relativizar direitos para se chegar a um bom combate à impunidade. Há que se entender que o processo penal só existe para que o Estado não possa condenar alguém diretamente. Explicando melhor: na democracia, doa a quem doer, não basta ter certeza que alguém é culpado. Tem de provar. Isso quer dizer que o processo é garantia contra o Estado. Se usarmos o processo a favor do Estado nesses casos, estaremos invertendo o devido processo legal.

É evidente que algumas disposições legais devem ser alteradas. Mas isso não deve ser feito “só-porque-agora-estamos-em-face-da-Lava-Jato”. Vamos discutir isso não com os olhos no passado, simplesmente, ou no presente que emociona. Estamos todos feridos pela corrupção. Logo, é fácil nos empolgarmos para diminuir garantias. Temos de pensar no futuro. Há quantos anos existem essas regras jurídicas? Por que só agora é pacote? Eu mesmo vinha propondo medidas há 20 anos. Sempre alertei para o fato de que, no Brasil, “la ley es como la serpiente: solo pica al descalzos”. Pois não me ouviram, inclusive dentro do MP. O que teria mudado?

Qual é sua avaliação sobre a proposta de acabar com embargos infringentes, recursos que ganharam atenção na mídia no julgamento do mensalão, assim como extinguir a figura de revisor e da aplicação imediata de condenações quando for reconhecido abuso no direito de recorrer? 

Minha resposta anterior resolve essa pergunta. Não gosto de medidas ad hoc.

Dilma, no pacote anticorrupção, propôs um acordo de cooperação entre entidades que devem buscar propostas para agilizar processos judiciais e procedimentos administrativos relacionados à corrupção. O senhor acha que o Planalto acertou nesse passo? Qual foi sua avaliação sobre o pacote entregue pelo Executivo ao Congresso?

O governo chega tarde. Há quanto tempo deveria ter tomado providências? Por que os governos – não só esse, mas os três ou quatro anteriores – não mobilizaram suas bases para aprovar um novo Código Penal e um novo Código de Processo Penal? Tem muita gente querendo surfar na onda da Lava Jato.

O senhor escreveu que há outras “coisas interessantes” no pacote do MPF que se ofuscaram pela relativização das provas ilícitas. O que tem de destacável nesse leque de “coisas interessantes”?

Embora já tenha dito que medidas no varejo pouco resolvem, parece-me que a criação de um recurso em que o Ministério Público poderia discutir Habeas Corpus dentro do próprio tribunal que concede a ordem, para “uma paridade de armas” quando discordar da liberdade [é algo de destaque no pacote]. Trata-se de, neste caso, dar a devida chance para a sociedade, representada pelo MP, discutir os criterios usados para a concessão da liberdade.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. Existe advogado barrado da

    Existe advogado barrado da profissao no Brasil por apresentar uma prova pra juiz ou juri que foi terminantemente prohibida por ser ilegal?

    Pois eh…

    Nem isso existe no Brasil.

  2. Pos-doutor

    Minha Cara Cintia Alves e demais, apenas para lembrá-los que pós-doutor não é título. Não se defende uma tese no pós-doutorado, o que se faz quando muito é um aprofundamento da pesquisa ou um estágio mesmo. Já chega ter que chamar advogado e médico de doutor sem o ser…

  3. Lenio Streck

    “Não gosto de medidas ad hoc”, diz o nobre advogado. 

    Mas o que no nosso país nãs é ad hoc?

    A Constituição, pelo que se vê e ele explica, é ad hoc; a delação do Youssef é ad hoc, a Lava a Jato é ad hoc; a lista do HSBC no nascedouro não era pra ser mas já tá virando ad hoc; os programas partidários, pelo que se lê, são ad hoc.

    A mídia, então nem se fala, quase toda ad hoc – o Jornal Nacional é ad hoc,  Bonner, – nossa! – esse é pra lá de ad hoc, Merval, Waack, são sinônimos de ad hoc.

    Discursos, mudanças eleitorais, reeleição, Conselho de ética, CPIs, Juiz Moro, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, PMDB, 

    meu Deus o que não é ad hoc?  

    Depois de meses do término da Copa do Mundo, vemos que o padrão FIFA, no Brasil, é ad hoc. 

    Se aprofundarmos  a pesquisa chegaremos, hoje,  ao sexo ad hoc. Depende da posição ad hoc!

    E esclareço que escrevi esss linhas por causa do ad hoc do texto supra.  

  4. DEBATER É PRECISO

    O honorável Professor Lênio Streck pareceu seduzido pelo compreensível impulso de mostrar distância de gregos, troianos, et reliqua. Melhor seria demonstrar a capacidade de auxiliar a compreensão das filigranas envolvidas no imbróglio em tela, especialmente no que tange à defesa da importância inexorável das garantias constitucionais. E cumpre ressalvar a necessidade crucial de somar esforços no sentido de construir o efetivo aprimoramento das instituições jurídicas e políticas, através de um processo constante de desenvolvimento de uma conscientização coletiva, com base no amplo exercício da democracia. Neste sentido, resulta muito positiva a divulgação e o debate de críticas e sugestões relativas aos diversos procedimentos saneadores (legislativos, administrativos e judiciários) urgentemente demandados para preservação do interesse público tanto no âmbito da investigação quanto da coibição das práticas corruptas. O caminho é longo, construído durante o caminhar. E o combustível é a fé na cidadania.

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