Medida da Câmara levará à perseguição seletiva de juízes, diz ANJ

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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A instituição de crimes de responsabilidade à magistratura levará à punição seletiva de juízes garantistas 
 
Jornal GGN – Para a Associação Juízes para a Democracia, a mudança aprovada pela Câmara dos Deputados com a criminalização do “abuso de poder” de juízes e membros do Ministério Público pode ter efeito reverso.
 
“O crime de responsabilidade contra juízes, portanto, não passa de mais um mecanismo aparentemente jurídico que, certamente, levará à perseguição seletiva de juízas e juízes que, no seu garantismo, obstam a seletividade penal”, posicionaram-se André Augusto Salvador Bezerra e Eduardo de Lima Galduróz, da ANJ.
 
Do Justificando
 
A instituição de crimes de responsabilidade à magistratura levará à punição seletiva de juízes garantistas 
 
Por André Augusto Salvador Bezerra e Eduardo de Lima Galduróz

Na calada da madrugada do dia 30 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou a instituição de crime de responsabilidade contra juízas e juízes que atuarem de “forma incompatível com o cargo”.

Embora tenha recebido apoio de alguns setores progressistas e movimentos populares, que enxergam na medida uma saudável restrição a abusos cometidos no exercício do poder punitivo, a legitimar ações truculentas do Estado e propiciar perseguição a determinados setores, é preciso que a alteração legislativa seja analisada com mais cautela.

Conforme já defendido no artigo O fim de mais um outubro sob o trauma do Carandiru reforça a relevância das lutas da AJD, de autoria dos subscritores deste texto, o Direito Penal não foi concebido para a emancipação de estratos sociais historicamente subalternos aos grupos política e economicamente dominantes; ao contrário, serve justamente ao disciplinamento e neutralização do excedente da força de trabalho não absorvido pelo mercado, que, não sendo útil à sociedade de consumo, é atirado e esquecido nos estabelecimentos penitenciários cujas condições fazem recordar o Medievo.

Para tal escopo punitivista, o sistema necessita de juízes que legitimem a seletividade da política de persecução penal. Em outros termos, juízes que apliquem acriticamente a lei penal (esquecidos de que seu principal objetivo é proteger liberdades, e não viabilizar punições) e, ainda que com as melhores intenções – oriundas de um arcabouço de transmissão de conhecimento propagadora de visão de mundo autoritária-, auxiliem na tarefa de excluir a liberdade daquela parcela social e economicamente subalterna, formadora da grande massa carcerária.

Daí que juízes que assim não agem – conhecidos como garantistas, por aplicarem as garantias das liberdades públicas constitucionais –  passam a ser vistos como verdadeiros obstáculos aos grupos dominantes. A famosa frase “a polícia prende, mas o Judiciário solta”, corrente nos programas policialescos de rádio e televisão, simboliza, perfeitamente, a censura hegemônica ao exercício da independência funcional que privilegia os fins emancipatórios dos direitos.

Neste ano de 2016, o acirramento dos conflitos políticos brasileiros e o fortalecimento de demandas autoritárias oriundas dos setores mais conservadores da sociedade civil agravaram esse quadro. Atualmente, há, pelo país, magistradas e magistrados sendo constrangidos por procedimentos prévios ou por processos administrativos em razão de, no exercício de sua independência funcional, terem ousado fazer valer a Constituição frente ao poder punitivo, decretando a ilegalidade de prisões por agentes destituídos de atribuição de policiamento ostensivo; absolvendo cidadãos acusados de crimes cuja validade sequer passaria pelo controle de convencionalidade, como o desacato; determinando, em 2a instância, a soltura imediata de presos que deveriam estar em liberdade, dentre tantos outros.

Por outro lado, desconhece-se a instauração de idênticos procedimentos prévios ou de processos administrativos contra magistrados que legitimam a atuação repressiva do Estado, muitas vezes relativizando garantias constitucionalmente asseguradas. Afinal de contas, como se viu, ainda que involuntariamente, legitimam a seletividade penal dominante.

É necessário, portanto, que se julguem as alterações legislativas mais por sua origem e finalidades latentes do que, propriamente, por seu conteúdo.

Não se olvide que as garantias penais, e toda a revolução civilizatória do processo penal instaurada com o Iluminismo, foram criadas pela burguesia como forma de se proteger contra as arbitrariedades do poder monárquico; não foram forjadas para proteger o povo que, não por acaso, é quem mais sofre ainda hoje com os abusos do Estado.

O projeto de lei que responsabiliza juízes por crimes de responsabilidade não é, da mesma forma, uma conquista progressista ou popular

Foi, também, forjado pela elite política para proteger a si própria das arbitrariedades do poder punitivo; a população pobre que superlota presídios continuará a ter seus direitos fundamentais violados cotidianamente e, baixada a poeira, os juízes garantistas, que insistem, quixotescamente, em estabelecer limites constitucionais contra o poder de punir do Estado é que serão mais gravemente atingidos pelas punições estabelecidas.

O crime de responsabilidade contra juízes, portanto, não passa de mais um mecanismo aparentemente jurídico que, certamente, levará à perseguição seletiva de juízas e juízes que, no seu garantismo, obstam a seletividade penal. 

No atual momento de tensão política e de retrocesso de direitos, não se pode cair em velhas ilusões. É preciso, mais do que nunca, lembrar as demandas históricas da Associação Juízes para a Democracia (AJD) em favor das liberdades públicas em detrimento do fortalecimento de mecanismos seletivos de punição. 

André Augusto Salvador Bezerra é presidente do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

Eduardo de Lima Galduróz é secretário do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).      

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

21 Comentários

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  1. Todo mundo tem códigos de responsabilidade

    Todo agente público, todo trabalhador na iniciativa privada, todo aluno na escola e na faculdade, todo mundo tem códigos de responsabilidade, ética e atitude durante a sua vida. Na Igreja, no trabalho, dentro do ônibus, existem regras de conduta, escritas ou não, que devem ser seguidas. Sem isso não é sociedade, é barbárie.

    Por que só os Juízes e Procuradores do MP querem ser imunes a isso?

    Por que acham que devem trabalhar como bem entendem, sem responder de forma alguma por seus atos?

    1. Perfeito, Alan.
      Soa como

      Perfeito, Alan.

      Soa como piada ouvi-los falar de “seletividade”. Sobretudo porque a quase totslidade deles sabem muito bem que integram o poder mais corrupto da República; uma verdadeira caixa preta fora do alcance da visão da cidadania.

       

  2. Engraçado…

    Avisem a república de Curitiba.

    “esquecidos de que seu principal objetivo é proteger liberdades, e não viabilizar punições”.

    O que vossas excelências fizeram para deter o Savonarola curitibano. Agora vêm com esta esparrela?

     

    “(…)não se pode cair em velhas ilusões.” Ilusões do tipo tipo, juízes imparciais????

     

     

  3. Engraçado…

    Avisem a república de Curitiba.

    “esquecidos de que seu principal objetivo é proteger liberdades, e não viabilizar punições”.

    O que vossas excelências fizeram para deter o Savonarola curitibano. Agora vêm com esta esparrela?

     

    “(…)não se pode cair em velhas ilusões.” Ilusões do tipo tipo, juízes imparciais????

     

     

  4. Que se dane ! Bem feito !
    É

    Que se dane ! Bem feito !

    É por causa de parte do  judiciário que o país se encontra nesse estado.

    Muitos desse meio deram apoio ao golpistas, bem feito ! Toma !

    Bate de frente com o Temer e sua gang para ver o que acontece.

  5. Que lindo!!!
    Quer dizer que

    Que lindo!!!

    Quer dizer que selecionar inimigos políticos e usarem todo tipo de perseguição, desde vazamentos até calúnias de revistas como arma para perseguir pessoas de quem não se tem prova nenhuma, é fazer lustiça. Mas quando se tem que fazer justiça sem arbitrariedades e abuso de poder  e ter que responder pelos excessos e o fim do mundo?

    Apesar de serem uns safados sem vergonha, os deputados, pelo que vi, só cortaram aquilo que era extremamente absudo. ,

    Quem que esses cara do mp e magistratura pensam que são? estão no patamar dos deuses que não devem satisfação a ninguém?

    Moçada, agora ficou bom, são os “rapazes do bem do judiciário” contra os “homens probos” do congresso.

    Se o pessoal do nosso “imparcia judiciáriol” não quisesse isso, era só não darem força pro aócio na campanha eleitoral. 

    Tão reclamando de Quê?

    A Dilma deve estar rolando de rir desses palhaços.

  6. Bem feito!

    A turminha do power point contra Lula achou que procuradores e juizecos iriam seguir fazendo o que quiserem!

    Juiz ladrão hoje é castigado com férias antecipadas e aposentadoria integral.

    Por fim deram uma bola dentro da câmara. Agora no senado!

    Eles mesmos mataram a lava-jato, pela sua parcialidade e viés político. Quem manda aqui é o povo e os seus representantes, não aqueles meritocráticos de Green card, 

  7. Essa

    tigrada de toga (NÃO SÃO TODOS) são uns hipócritas manipuladores e os paneleiros estão caindo como um patinho nessa narativa suja. Na verdade essta tigra está buscando uma nova lei da anista (aplicada somente a eles, claro), mas uma anistia antecipada, isto é, podem esculhambar, avacalhar, ameaçar, roubar e cometer todas as malfeitorias possiveis que mesmo assim não podem ser julgados. Sob o comando do Janot, da Carmen Lúcia Sem Noção e dos jihadistas de Curitiba, parte do Judiciário está criando a sua própria jabuticaba.

  8. Esses caras do Judiciário acham que estão lidando com o PT…

    Os do Judiciário/MP fizeram o diabo pra tirar a Dilma e continuam fazendo o Satanás pra condenar o Lula. Achavam o quê, que essa turminha que eles colocaram no Poder seria composta de amadores como os petistas?

    Não, senhores, agora os senhores estão nas mãos dos profissionais do PSDB, do PMDB e do DEM. Se preparem que isso foi só o começo. Ainda vem muito chumbo grosso em cima de vocês!

  9. Fodam-se os juízes e
    Fodam-se os juízes e promotores.

    Eles apoiaram o golpe em troca de aumento salarial.

    Muitos deles ganham acima do teto e desdenham os direitos sociais que ajudaram Michel Temer a revogar.

    Portanto, eles merecem ser esmagados pelos corruptos que entronizaram.

    Eles são golpistas e estão do lado errado da história.

    Não estarei ao lado deles. Fodam-se.

  10. A globo está de um lado eu

    A globo está de um lado eu estou do outro. Depois da farsajato quando o judiciário, MP, PF estiverem de um lado eu sempre estarei do outro. Se eles (globo e quadrilha da farsajato) estiverem em lado opostos posso afirmar que os dois estão querendo nos foder, cada um a sua maneira. Ficarei então contra os dois lados.

  11. Na teoria a proposta é

    Na teoria a proposta é excelente: abre caminho para a punição a excessos cometidos pelos aplicadores da lei. Tenho, porém, alguns temores em relação ao que essa medida representará na prática. Imaginem isso na mão de um Gilmar Mendes a julgar denúncia de um tucano de bico grande contra juiz ou promotor que o tenha “perseguido”… Lembram-se do que ele fez com o juiz De Sanctis após a prisão de Daniel Dantas na Operação Satiagraha? Pergunto: sob essa regra, o que poderia ter acontecido ao juiz? E o pior é que Gilmar Mendes temos apenas um, mas há muitos outros ilustres membros de órgãos julgadores de elevadas instâncias que são extremamente simpáticos aos poderosos de plantão…

  12. Entendo como perfeita válida

    Entendo como perfeita válida o alerta da AJD, porém como está o desmando dos outros 90% também está insuportável. Então há de se correr o risco de ver os 10% serem perseguidos, em favor da ponto de flexão daqueles 90%.

  13. “Primeiro num grande acordão, a gente bota o Michel. . .”

    “Primeiro num grande acordão, a gente bota o Michel”, com a ajuda do Judiciário e tudo o mais, depois a gente “delimita” a Lava Jato e foi exatamente o que Romero Jucá o grande articulador dos golpistas planejou e foi feito. Dilma caiu, Michel foi empossado, o PT arrasado, agora não precisam mais do Lava Jato, é hora de cuspir o bagaço. Adieu Lava Jato.

  14. Carmem Lúcia vem dizer que

    Carmem Lúcia vem dizer que não calarão a Justiça. Mas o judiciário ajudou e está ajudando a calar a democracia. Nem o legilstivo pode calar o judiciário, tampouco o executivo e isso vale para cada um dos três poderes. Com uma grande diferença: o posto mais alto do executivo (presidência da República) e todos os postos do legislativo são eleitos por meio de um processo democrático. O povo elege. Eles tem medo de acusações seletiva?! Quem não tem, caras pálidas?! Até um pobre mortal tem. Esses mortais então são os mais atingidos, mais vulneráveis ao descaso e à  omissão do judiciário. Não gosto desse congresso que foi eleito e acho que muitos entraram por conta dos lobbies e grana que foram investidos nas campanhas, mas acho importante ter um freio legal das ações arbitrárias de qualquer representante da lei, seja quem for. Com provas efetivas, sem historinhas de domínio do fato. A menos que estejamos já numa nação nazi-fascista.

  15. AJD

    Essa AJD é em muitos aspectos o oposto da “República de Curitiba”. Vão ao saite deles: http://www.ajd.org.br Fui lá e li os artigos etc.

    ***

    A advertência deles é real e séria. Leiam de novo. Os autores têm razão. A direita e o efeito manada vão perseguir os juízes progressistas, não protegidos pelo Poder Midiático. Os que forem da direita e protegidos pelo Poder Midiático ficarão blindados.

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