Como a Lava Jato forçou o destravamento de delações usando uma mulher

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Marcelo Auler conta em “Enciclopédia do Golpe” os métodos nada ortodoxos utilizados pelos procuradores e policiais federais de Curitiba para destravar as delações que ajudaram a derrubar o governo do PT. Como Sergio Moro vai julgar a testemunha explosiva, processada pela Lava Jato somente após decidir revelar os bastidores?

Jornal GGN – Na coletânea “Enciclopédia do Golpe”, que será lançada no final de novembro em Curitiba, o repórter e blogueiro Marcelo Auler registrou os bastidores iniciais de uma ação penal que está em curso, na Vara Federal comandada por Sergio Moro, com poder de dar muita dor de cabeça aos procuradores e policiais. Isso, claro, se no establishment que circunda a Lava Jato ainda puder existir o mínimo de interesse em fazer valer as leis contra os abusos praticados na raiz da operação.

Auler detalha no livro como Meire Poza, a contadora de Alberto Youssef, foi usada pelas equipes lideradas pelo delegado Marcio Anselmo e pelo procurador da República Deltan Dallagnol para forçar delações premiadas e até mesmo produzir provas possivelmente ilegais.

Desde 2014, Meire foi para a Lava Jato, nas palavras do agente Rodrigo Prado Pereira, o que os federais chamam de “ganso”. Uma pessoa que estava muito “empolgada” para ajudar nas investigações, confiante de que não seria denunciada. A fé da contadora residia, segundo seus advogados, nas palavras do delegado Anselmo, que afirmou: “Se te denunciaram, me coloca de testemunha que vou pedir o perdão judicial.”

A promessa caiu por terra poucos meses depois de o escritório de Meire ser incendiado, em mais uma possível ameaça contra sua vida e sua família. Abandonada pela Lava Jato de, Meire decidiu contar como foi seu relacionamento com a força-tarefa a um procurador de São Paulo, em meados de 2015 – um ano após iniciar sua missão de “agente infiltrada” em Curitiba.

Auler cravou no texto que integra a Enciclopédia, ao qual o GGN teve acesso na íntegra, que coube à Meire “o papel de convencer (pressionar?) presos a prestarem a delação premiada.”

Sem o “empurrão” dela, delações como as de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não sairiam a tempo de a Lava Jato montar uma operação boca-de-urna contra o PT e Dilma Rousseff.

PRESSÃO PSICOLÓGICA

Meire destravou tudo a pedido, segundo relatos que constam no livro “Assassinato de Reputações, muito além da Lava Jato”, do delegado de Curitiba Eduardo Mauat, que acabou dando autorização para ela “visitar” e “convencer” o advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, empregado de Youssef.

Costa, de acordo com a publicação, era “arrogante demais, tripudiou com o Ministério Público e vai ficar de castigo. Você não pode visitá-lo”, teria dito o agente Rodrigo Prado. Mais um elemento a corroborar as críticas de que as prisões foram e são usadas como nos tempos medievais.

“A sua insistência acabou levando o delegado Eduardo Mauat a permitir o encontro e dele tirar proveito. Permitiu dez minutos de contato para que ela o convencesse a falar o que sabia. Para isso, levou um recado curto e grosso: Se não aderisse à delação, não vamos libertar ele, é capaz do Alberto (Youssef) sair e ele ficar preso aqui’ (sic)”, escreveu Auler.

Meire chorou, implorou, apelou para a família e para a falta de perspectiva de sair da prisão, e convenceu o advogado a colaborar. Na prática, não teve delação oficial e homologada. Teve – como nos casos de Léo Pinheiro, Antonio Palocci e Renato Duque, em ações contra Lula – depoimento ao juiz Sergio Moro. Tudo dentro do script.

No dia em que o testemunho de Carlos Alberto foi colhido por Moro, Paulo Roberto Costa envergou: se encontrou com a equipe de Dallagnol para fechar um termo de delação. Motivado, é claro, pela transferência súbita de cela do funcionário de Youssef, que teria feito o mesmo que Meire: pressionou o ex-diretor da Petrobras a dançar de acordo com a música. Depois disso tudo, foi solto por Moro.

Quem defendeu os interesses de Carlos Alberto em sua “delação expontânea” foi ninguém mais, ninguém menos que o advogado Rodrigo Castor de Mattos, irmão do procurador da Lava Jato Diogo Castor de Mattos. A informação foi revelada no bojo da delação do casal João Santana e Mônica Moura. Castor admitiu que fez a defesa até 7/10/2014 e “posteriormente, quando já era assistido pela Defensoria Pública da União, o réu celebrou acordo de colaboração com o Ministério Público Federal em 27/4/2016, sendo homologado em audiência na data de 6/6/2016”.

“Ao pé da letra da lei sancionada em 2013, a negociação por uma deleção premiada deve se iniciar com uma decisão espontânea do acusado. Precisa ter sempre a participação de seu defensor. Mas, junto à Força Tarefa a presença de advogados nem sempre era uma exigência respeitada”, ressaltou Auler.

Com a delação de Costa e vazamentos sistemáticos de depoimentos de Meire à imprensa, Alberto Youssef também se rendeu ao MPF, já por volta de setembro de 2014.

Meire, o “ganso” dos policiais federais de Curitiba, entregou inúmeros documentos ao Márcio Anselmo. Segundo os relatos de Auler, este último chegou a forjar operações de busca e apreensão para esquentar os papéis e usá-los nos inquéritos. “Do contrário não haveria como justificar aquelas ‘provas’ na investigação.”

A contadora também ajudou a Lava Jato a identificar números de telefones relacionados a Youssef. Desde que operação era embrionária, a força-tarefa enfrentava o obstáculo com números de pessoas que tinham foro privilegiado e, portanto, só poderiam ser objetos de investigação sob a batuta do Supremo Tribunal Federal. Mas os esforços da República de Curitiba eram todos no sentido de evitar a avocação dos processos.

Agora que Meire, depois de enxotada da sua função de “ganso”, é processada pela Lava Jato, o agente Rodrigo Prado até confessou em depoimento a Moro que, “por vontade própria”, a contadora fez gravações provavelmente clandestinas que foram “relevantes” para as investigações.

No depoimento que ela ofereceu ao MP em São Paulo [em anexo], ela disse mais: revelou empréstimos de Youssef com bancos internacionais que não despertaram o interesse dos procuradores. Contou dos episódios em que foi orientada a não busca advogado. Acrescentou que o delegado Anselmo a orientou a ter boas relações com os jornalistas que costumam ter privilégios na cobertura da Lava Jato em Curitiba.

O depoimento completo, no qual Prado diz que Meire não contratou advogado para se precaver porque não queria gastar dinheiro com isso, está disponível abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=gw7Tfbcqmcc]

O curioso nesta ação penal contra Meire é o fato de que ela usa como crime a venda de uma propriedade de Youssef para pagar dívidas da empresa que a contadora ajudava a gerenciar, deixadas pelo doleiro após sua prisão. Segundo os advogados dela, os procuradores e os federais sabiam da transação e não ameaçaram com nenhum processo.

Em busca de absolvição, a defesa de Meire quer fazer Moro reconhecer que ela foi fundamental para a Lava Jato.

Por volta dos 13 minutos do vídeo abaixo, um dos advogados da contadora expõe uma lista que deixa Márcio Anselmo perdido, de pessoas e empresas delatados. Constam IT7, Marcelo Simões, contratos com GPI, UTC, Moinho Cearense, a história do empréstimo do avião de Youssef ao ex-deputado André Vargas; denúncias contra Adarico Negromonte, os precatórios do Maranhão e eventos sobre Breno Altman, que ajudaram a Lava Jato a explorar politicamente a morte de Celso Daniel. José Janene, Cândido Vacarezza, João e Ciro Nogueira, Renan Calheiros. O leque de Meire era deveras sortido, embora atendesse ao interesse da Lava Jato em atingir o núcleo político que orbitava o PT.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=v1EGz69wY7k

Com Meire destravando a delação de Carlos Pereira e, por tabela, de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, a chamada República de Curitiba municiou a grande mídia, às vésperas da eleição de 2014. A capa mais emblemática desse período talvez seja a de Veja afirmando que, segundo o doleiro, Dilma e Lula “sabiam de tudo” o que acontecia de ilícito na Petrobras.

A denúncia contra Meire foi aceita por Moro em dezembro de 2016. A contadora arrolou Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima como testemunhas. Eles declararam-se, em manifestação a Moro, suspeitos para cumprir tal papel em um processo que ajudaram a instruir. “Membros do Ministério Público não podem oficiar em ação penal ou investigação quando tiverem presenciado os fatos sob apuração”, disseram.

O delegado Anselmo, por outro lado, não conseguiu se livrar do depoimento. Mas não teve o desconforto de responder a uma pergunta que os defensores de Meire, para evitar rusgas, não tiveram a audácia de fazer: por que a Lava Jato decidiu processar sua agente infiltrada?

A dúvida instiga ainda mais quando se tem conhecimento, pela imprensa, de que em 2015, quando Meire estava em vias de procurador o MP em São Paulo para relatar tudo os feitos que fez a pedido da Lava Jato, o então ministro da Justiça Eugênio Aragão mandou investigar se, de fato, ela foi usada como agente infiltrada. A julgar pelo tamanho da lista de delatados por Meire, o comprometimento das provas certamente é o maior temor da força-tarefa.

Ao aceitar a denúncia, Moro sinalizou que não é porque Meire está, somente agora, sendo processada pela Lava Jato, desprovida de um acordo de delação premiada formal, que seu esforço não poderá vir a render-lhe nenhum benefício.

Resta saber o que juiz fará com o destino de uma testemunha explosiva.

Leia também: A história da contadora que complica a vida da Lava Jato de Curitiba

 

 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. ….Usando uma mulher?

    O título da postagem é tão desrespeitoso que não convida à leitura.

    De modo geral as pessoas costumam ter nomes, indepententemente do sexo e,  na circunstância,  uma  função no processo.

    Essa designação genérica é,no mínimo, desrespeitosa.

    1. Dizer que a LavaBunda eh

      Dizer que a LavaBunda eh sexista deve ser pouco!

      O caso dessa mulher eh bem pior, no entanto.  Antes fosse so sexismo alheio do mesmo que aconteceu com a irma de um petista presa depois de Moro latir que tinha “provas tecnicas” que era ela tirando dinheiro em um video de banco.

      A chave da chamada nao eh “mulher”.  Eh “usando”.  No “usando”, vale tudo.  No “mulher” nao vale.  Essa eh a diferenca.

      Falando em sexismo, voce ouviu falar da famosa delegada que liberou enfiar o dedo no cu de professor universitario pra que ela pudesse aparecer no jornal?  O nome dela eh Erica Marena.

      1. Sexismo

        Ivan,

        o comentário não quis ser sexista.

        Se a reportagem fosse : …”usando um homem”, a crítica seria a mesma.

        Quando a gente se refere a um fato importante que envolve pessoas, a gente, no mínimo as qualifica.

        Mulher é qualquer uma. Homem é qualquer um.

        Importa saber quem são as pessoas dentro das circunstâncias e que papéis elas representam.

        Sou da opinião que quem cria manchetes, a menos que tenha objetivos discutíveis, deve enunciar seu conteúdo com a devida pertinência.

  2. Essa farsa jato não combate
    Essa farsa jato não combate corrupção coisa nenhuma. Ela foi forjada num lawfare só para perseguir Lula, isso por que ninguém da direita golpista tem capacidade de vence – lo numa eleição direta com votos do povo. Pois esse pessoal da direita não tem nenhum projeto para melhorar nosso País, só o que eles tem é subserviência, traição e entrega do Brasil para os Estados Unidos da América do Norte.

  3. Mari Pozas e a Caixa de Pandora
    É vergonhoso observar o circo montado pelos promotores e juíz para proteger os Golden Boys. Os patronos da agente infiltrada desmontam a mentira e a farsa narrativa criada por essa moderna estrutura de inquisição. Num país sério, a denominada a força tarefa, estaria enfrentando uma minuciosa investigação, que levaria a anulação da operação em seu nascedouro e, a consequente condenação dos seus agentes a perda de função.

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