O Brasil não precisa optar entre o combate à corrupção e o Estado de Direito

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

De ministros e ministros, por Dora Cavalcanti

Uma audiência do ministro da Justiça com o procurador-geral da República não despertaria repulsa. Já a defesa deve ficar calada. Pobres cláusulas pétreas

Em meio aos festejos de Carnaval, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa resolveu vociferar contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reputando incompatível com a ética do cargo sua atitude de receber advogados de empresas investigadas na Operação Lava Jato.

O comentário não chega a surpreender dado o histórico do ex-presidente do Supremo, avesso ao direito de defesa, nele incluídos os advogados e sua obrigação profissional de zelar pelo respeito às garantias individuais do cidadão.

Como bem disse o jornalista Ricardo Noblat, mereceria ser lido apenas como “flor do recesso”, típica dos períodos de marasmo no noticiário, não fosse o clima de ódio à defesa instalado no país. A manifestação de Barbosa é a tradução perfeita do momento de quase suspensão dos direitos individuais que estamos atravessando. Explico.

Considero-me uma advogada técnica. Em vez da oratória cativante ou do traquejo com a mídia, forjei meu sucesso na dedicação ao estudo da causa, do processo, dos detalhes. Todavia, não posso deixar de estranhar o fato de que nem um único jornalista me procurou para falar sobre a audiência que tive no Ministério da Justiça em 5 de fevereiro.

Afinal, tivesse sido questionada, eu poderia ter esclarecido que a petição endereçada ao ministro da Justiça em nada diferia de outra anteriormente dirigida ao ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, e ainda se somava a outras três protocoladas diretamente perante a 13ª Vara Federal de Curitiba.

Em todas essas manifestações a defesa protestou contra o vazamento criminoso de informações protegidas pelo sigilo processual, que em outros países levaria à aplicação de penalidades severas ou à invalidação dos procedimentos.

Assim, a defesa foi ao Ministério da Justiça noticiar que a única providência adotada no bojo do inquérito nº 1.017/14, instaurado na Delegacia de Polícia Federal em Curitiba para apurar os vazamentos, fora a oitiva de três ou quatro jornalistas.

Em outras palavras, nada foi feito, pois é óbvio que o jornalista está vinculado ao sigilo de fonte, e sobre sua conduta não recai qualquer irregularidade. Ocorre que o real trabalho da defesa já não interessa. A paridade de armas pode ir às favas.

Certamente uma audiência do ministro da Justiça com o procurador-geral da República para tratar das investigações em Curitiba não despertaria qualquer repulsa. A defesa é que deve ficar calada, tímida, vexada. Pobres cláusulas pétreas.

A presunção de inocência e o devido processo legal aparecem como obstáculos incômodos ao combate à corrupção e ao justiçamento daqueles que detêm poder político e econômico. E isso me aflige. Aflige-me pelos clientes de hoje e, sobretudo, pelos de amanhã. Angustia-me o risco que corre meu principal cliente, o direito de defesa em si.

Por isso, é preciso denunciar a falácia: o Brasil não precisa optar entre o combate à corrupção e o Estado de Direito. Não estamos diante de alternativas excludentes! É salutar e essencial desvendar e coibir os saques às verbas públicas, é igualmente essencial que façamos isso sem jogar fora o núcleo duro dos direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal.

Aos que adoram postar aos quatro ventos que estaria em curso a “venezualização” do país, peço que reflitam sobre esse esforço concentrado liderado pela Operação Lava Jato para cravejar de morte o Estado de Direito. Afinal, há algo mais totalitário do que condenar sem processo? Prisões ilegais, desnecessárias, representam a pior forma de violência do Estado contra o indivíduo.

Já que estou a tratar de ministros, atuais e passados, não posso deixar de pensar na falta que me faz aquele que foi meu ministro de vocação, Márcio Thomaz Bastos. Que o ministro Cardozo tome a ácida comparação com ele como o maior dos elogios, e encontre sabedoria e novos caminhos nas críticas recebidas.

DORA CAVALCANTI CORDANI, 44, advogada criminal, é sócia do escritório Cavalcanti & Arruda Botelho – Advogados. É conselheira nata do IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Quem votou em Dilma e

    Quem votou em Dilma e gostaria de ver seu governo superando mazelas, via, de há muito, as fragilidades de Eduardo Cardoso como ministro. Desde sempre não faltaram razões pra querermos vê-lo longe da assessoria do Governo Federal por sua enorme incompetência, por ele estar sempre em cima do muro em questões que somente a ele caberia ações eficientes e eficazes, por isso mesmo tendo agido como quem estava contra o governo. 

    Agora o que está em alta é o modo como se dá o pedido de afastamento do homem. Primeiro por nunca sabermos, ao certo, como Veja e Glbo sempre estão na frente das informações. Depois, por ser o algoz-mor dele exatamente um ser desprezível, que despreza tudo e todos que não acatem suas ideias. Foi assim com alguns dos seus pares no STF; com jornalistas, e até mesmo com um advogado de peso, que saiu do STF como um ladrão, debaixo de ofensas, humilhado deante das câmeras. Um fato tão grotesco como aquele já seria suficiente para demonstrar que o advogado JB não gosta de advogado desde que se sentiu o rei do STF. 

    O desgaste do Ministro da Justiça está apenas começando. A oposição já fez cara feia, e vai convocar a presença dele no Congresso para explicações. Explicações, inclusive, aos advogados tucanos, que deveriam estar a favor de Cardoso, não fosse a perseguição contumaz contra o PT e o Governo. Tucanos e assessores da ditadura querem o caos. Uns querem até a volta dos anos de chumbo, se possível for. Não são políticos, votados num regime democrático, que pensam um Brasil melhor, feliz, mas uma corja de gente frstrada, invejosa, incapaz de amar o País. 

    Vamos ver se aquele Cardoso pobre de ideias e ações, desta vez saberá mostrar a altivez do seu cargo, defendo-o como tem que ser, pois agora não são outras pessoas a carecerem da mão dele, mas ele próprio.

  2. Concordo e digo mais. Num dia

    Concordo e digo mais. Num dia a imprensa atacou o Ministro da Justiça porque ele recebeu advogados de empresas supostamente envolvidas no escândalo da Petrobras. No outro, a OAB reagiu dizendo ser prerrogativa dos advogados ser recebidos pelas autoridades.  O Juiz encarregado do processo veio a público dizer que é intolerável o Ministro da Justiça e os advogados tratarem de assuntos relativos ao caso.

    A imprensa está errada. Não compete aos jornalistas revogar o Estatuto da OAB ou limitar o poder exercido pelo Ministro da Justiça. A OAB está certa ao defender as prerrogativas dos advogados. A entidade também poderia ter dito que o guardião do art. 133, da CF/88, é o STF e não a imprensa. O Juiz não deveria tomar parte de um debate extra-autos que não lhe diz respeito demonstrando ter interesse no caso que está sob seus cuidados.

    O art. 35, I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura, impõe ao magistrado o dever de:

    “I- cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício

    VIII- manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.”

     

    O Juiz não pode impedir os advogados de se encontrarem com o Ministro da Justiça para tratar de assunto que diga respeito aos interesses de seus clientes e que esteja dentro do campo de atuação daquela autoridade. Não pode, fora dos limites do processo em que está a atuar, impedir o Ministro da Justiça de exercer o poder que lhe é conferido pela legislação em vigor.

    Um Juiz não exerce função semelhante a de Deputado, Senador ou Ministro de Estado, tampouco é eleito pelo povo para participar dos debates políticos no Congresso, nas ruas e na imprensa. Sua missão é proferir decisões válidas nos processos que estão sob seus cuidados e manter a discrição privada e pública que lhe são impostas pelo art. 35, da Lei Orgânica da Magistratura. No Brasil, o Juiz não pode alimentar a imprensa com informações sigilosas, e não deve, em hipótese alguma, discutir publicamente questões jurídicas com advogados, partes e outras autoridades.

    Ao se posicionar na imprensa, fora dos autos como se fosse o único interessado no processo da Lava a Jato, além de possivelmente violar as obrigações lhe impostas pela Lei Complementar 35/1979, o Juiz se tornou suspeito de parcialidade. E neste caso, ele deve se afastar ou ser afastado do processo para que a legalidade do mesmo seja preservada. Se isto não ocorrer, todos os atos que ele praticar ficarão sujeitos a ser anulados pelas instâncias superiores. 

  3. Joaquim Barbosa recebeu advogados de partes

    Quando foi presidente do STF Joaquim Barbosa concedeu audiências a advogados de partes nos processos, inclusive a advogados de réus da AP 470, o chamado Mensalão.

    Qualquer foca poderia saber disso, se fosse à seção “Notícias” do sítio do STF e fizesse uma busca. As audiências concedidas a advogados estão lá registradas, na agenda de Joaquim Barbosa quando presidente da Corte, e ainda com a ressalva de que o advogado da parte contrária no mesmo processo poderia também solicitar audiência pra tratar do mesmo assunto.

    No dia 10 de dezembro de 2013, por exemplo, ele recebeu os advogados do ex-deputado Pedro Corrêa. E no dia 2 de dezembro do mesmo ano recebeu os advogados da ex-presidente do Banco Rural, Katia Rabello. Isso só no mês de dezembro de 2013.

    Por óbvio, Joaquim Barbosa não renunciou ao cargo de ministro do STF por ter recebido advogados das partes – a punição que ele cobra agora em relação ao ministro da Justiça. 

    Mas no Brasil, como sabemos, a imprensa não faz contraponto quando a denúncia é contra o PT ou o Governo Federal.

  4. Se o processo assumir um caráter rigoroso no seu desenrolar….

    O problema básico é se o processo assumir um caráter meramente jurídico restrito, ao que deve qualquer juízo no mundo fazer, ele perde o impacto mediático e a mera ida dos advogados ao ministro da Justiça já colocou o Juiz Moro na defensiva.

    Esta defensiva impede que vazamentos seletivos se reproduzam ad infinitum e qualquer notícia sobre a Lava a Jato deverá ficar restrita ao rito processual, que garante aos acusados a defesa.

    Ninguém duvida que as mega-empreiteiras tem uma ação nefasta em termos de aliciamento de agentes públicos, porém vazamentos seletivos restringem a esta ação ao atual governo federal, enquanto a abertura total dos depoimentos deve envolver de forma intensa políticos da oposição.

    Parece que a ilegalidade destes vazamentos seletivos, como outros atos mais graves na detenção dos acusados, está sendo levada de forma proposital, pois em algum momento a ilegalidade pode simplesmente extinguir o processo, deixando somente a memória de fatos devidamente escolhidos.

  5. concordo.
    o direito de defesa

    concordo.

    o direito de defesa não pode eximir da averiguação

    dos possíveis culpados, mas sem vaamentos criminosos etc e tal… 

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