O cárcere se banaliza como remédio para delito menor, por Pedro Serrano

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Assis Ribeiro

da Carta Capital

A prisão sem defesa prévia é a causa da violência, não a sua solução

por Pedro Estevam Serrano

Temos cerca de 550 mil presos e quase a mesma quantia de ordens de prisão ainda não cumpridas. O cárcere se banaliza como remédio para qualquer delito menor

Nesta ultima sexta feira 5 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) lançou em São Paulo um importantíssimo relatório Sobre o uso da Prisão Provisória nas Américas. O relatório aponta o Brasil como o segundo país nas Américas que mais aprisiona, com 550 mil prisioneiros, atrás apenas dos Estados Unidos.

Tal dado demonstra que, ao contrário do que pensa o senso comum, prende-se muito no Brasil e, diga-se, prende-se muito mal.

A imensa maioria dos encarcerados o são por delitos de baixa periculosidade social, como furtos, roubo sem violência física e trafico de pequenas quantidades de drogas. Gente que não deveria estar presa aprendendo como cometer crimes graves.

Mas o que comentaremos hoje é o dado principal do relatório, que diz respeito ao índice de 40% de nossa população carcerária presa cautelarmente, ou seja: presa sem ainda ter se defendido.

Não é necessário dizer que essa população aprisionada é pobre, todos sabem deste fato.

Prender alguém sem direito prévio à defesa já é em si um atentado contra a condição humana da pessoa. Banalizar esse tipo de prisão como ocorre no Brasil, além de totalmente incivilizado, é uma evidente pratica própria de um Estado de Exceção permanente que persegue e encarcera nossa população pobre, suspendendo cotidianamente seus direitos fundamentais mínimos como seres humanos e cidadãos.

A prisão provisória ou cautelar virou a resposta do Estado brasileiro ao medo da violência urbana e ao lançamento injusto e ideológico da responsabilidade por esse grave problema público na conta dos pobres.

Nossas elites têm no pobre a figura do bandido, do inimigo a ser combatido a qualquer custo e sem limites suspendendo sua condição humana no plano jurídico, subtraindo-lhe qualquer forma de proteção jurídica ou política mínima, assim como seus direitos à vida, à integridade física e à liberdade.

A população aprisionada sem direito de defesa não tem nesse fato apenas uma suspensão do seu devido direito a liberdade. Ninguém desconhece que, nas condições  desumanas do cárcere no Brasil, a possibilidade de sobreviver fora da cela é imensamente maior que dentro dela.

Agressões à integridade física e à vida são cotidianas em prisões onde o Estado só controla o encarceramento dos muros para fora, deixando a real gestão interna da vida dos aprisionados para o crime organizado.

A compreensão da violência urbana com uma visão punitiva, desinformada e irracional como resposta pura e bruta ao ódio devotado aos “bandidos inimigos” pela população incluída só alimenta a máquina social da violência. O crime organizado nasceu e sobrevive nas prisões e é lá que ensina a prática da violência criminosa a pequenos furtadores e supostos traficantes, a maioria presa sem ter se defendido.

O cárcere brasileiro se transformou no grande berçário da violência. A vocação de nossas organizações políticas e midiáticas em agradar hipocritamente, aderindo ao senso comum punitivista de nossa população, sem procurar convencê-la a racionalizar o debate público, é, sem duvida, um dos maiores fatores que estimula e constrói o ambiente para o vicejar da violência como pratica cotidiana.

Temos cerca de 550 mil presos e mais quase a mesma quantia de ordens de prisão ainda não cumpridas. Não há dinheiro público nem haverá que possibilite qualquer forma de controle estatal adequado sobre a vida prisional dessa população. O cárcere que deveria abrigar apenas prisioneiros condenados por crimes violentos se banaliza como remédio para qualquer delito menor, ampliando mais o problema do que qualquer possibilidade de resolvê-lo ou mitigá-lo.

A prática de prender sem direito prévio à defesa pessoas pobres – e no mais das vezes praticantes de crimes pouco graves mais do que uma ausência de civilidade e respeito à condição humana – é uma profunda insensatez praticada cotidianamente por nossas autoridades judiciárias.

A maioria dessa população deve ser libertada imediatamente como forma, ao menos, de se diminuir o caos e afinar o caldo de violência que vivemos.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1.  
    Alguns tem aquele desejo

     

    Alguns tem aquele desejo oculto de matar a todos que saem dos padroes de comportamento. o tal “cadeia neles!” pode ser traduzida como a decisao de pilatos em relacao a Jesus: “eh pra matar mesmo”.

    Os mais imbecis acham que falar sobre isso eh “defender bandido”. Quer identificar um imbecil? Diga a ele que mais da metade dos presos estah encarcerado por crimes de baixa periculosidade, como descrito no post. O im,becil irah acusa-lo de defensor de bandido como num estado de cegueira e surdez onde a unica coisa que importa eh matar para “limpar” a sociedade.

    1. Você pensa que eu sou LOCKE, bicho!?

      Complementando..

      ato contínuo, o imbecil vai lhe aplicar um argumento terrorista mais ou menos assim:

      – queria ver se um bandido agredisse a um ente querido seu. Um ente de sua família, se possível um menor e indefeso. Obs: quanto mais trágico melhor. Tudo para causar-lhe aquele desejo de repristinação da lei do talião.

      Fácil notar que esse argumento ratifica a imbecilidade recorrente. Se preferir, “resiliente”, para ficar naquele “jargão” empresarial… 

      Todavia, há também outras formas de detectar imbecis. Por exemplo, quando alguém acredita e o propaga aquela máxima da   espécime  homos economicus, natural, atemporal, racional, consumidor poderoso que decide, e coisa do tipo… mamamia…

      Esses são os mentecaptos mais que imbecilizados, bem como faraônicos  mumificados no tempo e no espaço.

      De qualquer forma, estou de acordo: não se deve linchar o devido processo legal nem mesmo para as múmias!

      Saudaçoes

    2. Então estamos ferrados

      Francy, eu já desisti. De acordo com o seu método, 19 entre 20 pessoas com que converso são imbecis. Já cansei de tentar explicar que todos nós também estamos sujeitos a passar por tudo que quem está preso passa. E invariavelmente escuto uma de duas respostas: “imagine, eu nunca cometerei crimes em minha vida” ou “se fizer besteira, tem que prender, tem que matar”! É incrível como esse tema desperta o que há de pior nas pessoas.

      1. Zarastro, como o Mosigenio

        Zarastro, como o Mosigenio disse ai em baixo, o imbecil sempre vai apelar para o “imagina se fosse seu filho, sua filha, sua esposa, etc”. Todos nós estamos sujeitos a virarmos bixo nesses casos, mas o mlehor é sempre pensar que o se vingar destruirá nao apenas a vida daquele que sofreu a violencia, mas também do vingador. As vezes acho que podemos ter o mais avançado grau tecnologico atualemente, mas nao evoluimos um centimetro na contenção do espirito animal.

  2. “O cárcere se banaliza como

    O cárcere se banaliza como remédio para qualquer delito menor

    errado pra cachorro!

    A justiça se banaliza como remédio para qualquer delito menor… qualquer demanda social

    vivemos numa sociedade judicializante ao extremo em todas as demandas áreas da sociedade…

    demandas sociais públicas domésticas que um desarmado policial comunitário quarteirão inglês

    movido de competência, conhecimento, bom senso moral, senso de justiça salomônica pro gasto

    ouve modera processa resolve ali na rua mesmo ali no bairro na presença de juri popular transeunte

    aqui no brasil vira bola de neve de instância em instâncias superiores até a instância federal suprema

    a aborrecer incomodar supremos juízes já estressados soterrados de tanto papel codificado à sua frente

    pelo incremento caixa dois lulopetista mais dinastia do cartel tucano do crime organizado da política partidária

    com  mais banais demanda-crimes de sabonete manteiga saco de batatas sei lá que mais furtado do rmercado…

    se não temos policiais à inglesa vitoriana, creio que, professores públicos valorizados reconhecidos respeitados

    à moda cultura japonesa prestam-se a demandar ouvir ponderar moderar resolver e educar a sociedade civil

    para tais demandas desinteligências seja na escola na comunidade na sociedade brasileira dos homens bons.

     

     

  3. um judiciário que não cumpre

    um judiciário que não cumpre seu dever

    ao deixar tanta gente presa ilegalmente

    está fazendo quê?

    defende a quem, cara-pálida?

    só os banqueiros e os grandes

    interesses economicos, é óbvio.

    o resto faem parte do famigerado “tres pes”.

    ou quatro?

  4. Desde a década de 80 que se

    Desde a década de 80 que se fala dessa loucura que é o sistema prisional brasileira. A Julita Lemgruber já deve estar sem voz. Em sp tem o Roberto da Silva, que inclusive já foi preso…

    O fato mais elementar é que os presídios brasileiros violam TODOS os princípios civilizatórios dos quais o país é signatário. Existem multidões de egressos de escolas de direito que já ouviram falar disso pelo menos um vez mas mesmo assim nada; nada de consciência crítica. A demagogia e o pensamento medieval prevalecem facilmente.

    Augusto Thompson, que foi diretor do sistema penitenciário aqui do Rio dizia que “as pessoas só pensam em presídio quando tem rebelião; quando pega fogo!”. Dizia ele também que “vivia tentando falar com o governador, com outros secretário e nada. Quando tinha uma rebelião o telefone não parava de tocar: ‘ô Thompson, dá um jeito nisso aí!”

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