O modelo brasileiro e sua adoção na África do Sul

ATUALIZADO ÀS 11h36

O “Lula moment” e o futuro da África do Sul

Modelo brasileiro é referência, mas não deve ser centrado apenas na figura de Lula, diz especialista

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

Considerado um dos presidentes mais carismáticos e conhecidos no mundo, Lula empresta seu nome a uma expressão cunhada na África do Sul para indicar mudanças radicais na gestão daquele país. Cunhado pelo secretário do Congress of South African Trade Unions (COSATU), Zwelinzima Vavi, o “Lula moment” faz referência às transformações na economia e na gestão que marcaram especialmente o segundo mandato do ex-presidente brasileiro. E, segundo Vavi, tais mudanças devem servir de inspiração para o segundo mandato do presidente sul-africano Jacob Zuma, que também é líder de seu partido, o Congresso Nacional Africano.

Com o foco na figura de Lula, Zuma deverá seguir o exemplo do brasileiro, considerado revolucionário por Vavi. No entanto, embora Lula tenha desempenhado papel fundamental na transição para uma economia moderna no Brasil, a África do Sul deve observar todo o processo e os agentes que contribuiram para as transformações, e não apenas centrar os esforços numa liderança. A avaliação é de Lyal White, diretor do Centro de Mercados Dinâmicos do Gordon Institute of Business Sciencea, em artigo publicado na última sexta-feira (23) no site do jornal sul-africano Mail & Guardian. (Para ler o artigo completo, em inglês, clique aqui). 

Para Vavi, secretário do COSATU, congresso que reúne sindicatos da África do Sul, o país necessita de um “momento Lula”. Basicamente, o modelo foi capaz de transformar progressivamente o Brasil em uma economia integrada e cada vez mais aberta. No entanto, chamar este momento de único é um tanto errado, alerta o artigo de White.

Lyal White: “Corrupção serviu para mostrar maturidade política na gestão Lula”

O chamado “momento Lula”, que voltou a ser notícia no continente africano após a recente visita à África do Sul, faz referência à radical mudança ocorrida durante o segundo mandato (2006-2010), com a consolidação de políticas públicas para os mais pobres e da liderança e poder diante do PT.

“Isto coincidiu com as primeiras reformas estruturais ganhando força, permitindo ao país aproveitar o boom de commodities. O crescimento de multinacionais brasileiras trouxe produtividade a atração de investimentos. O Brasil tornou-se o maior exportador de carne bovina, café, suco de laranja, açúcar e combustível etanol e o segundo maior produtor de grãos de soja, atrás apenas dos Estados Unidos”, destaca White. 

Outro ponto fundamental colocado no artigo é a inovação na agricultura, iniciada na década de 1960, quando o Brasil era importador de alimentos, assim como a África do Sul atualmente. Além disso, a divisão entre ricos e pobres diminuiu. “Durante muito tempo, o Brasil foi considerado o país com a sociedade mais desigual, uma posição hoje ocupada pela África do Sul”.

Segundo White, a administração Lula é reconhecida por retirar da pobreza cerca de 32 milhões de pessoas e pelo substancial crescimento da classe média. Tal fato foi acompanhado por melhorar na saúde individual e o aumento da mobilidade social ultrapassou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Isso aconteceu graças ao desenvolvimento de programas sociais, combinando redução da pobreza, educação e assistência médica”, completa.

O autor argumenta, no entanto, que a figura do líder é menos importante do que o processo e o fortalecimento das instituições. “O Brasil tem evoluído para além do estilo messiâncio de liderança que atormentou a América Latina e alimentou o populismo no passado. A libertação do país de décadas complicadas mostra que a mudança requer mais do que apenas liderança”, explica White. 

O artigo ainda reconhece que o sucesso brasileiro tem suas origens no passado. Cita o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e as reformas dos anos 1990, além das dificuldades de ajustes estruturais e políticas de “liberalização”, “que permitiram ao Brasil se beneficiar do boom de commodities. Após FHC, a demanda por ferro e soja por parte da Ásia, além do aumento de preços, foram centrais para o sucesso de Lula. White também menciona a estabilidade política do momento, que incentivou investimentos comerciais estrangeiros, provendo o capital essencial para o crescimento econômico e o desenvolvimento das políticas sociais. “O momento real de Lula foi uma grande injeção de realismo prático nas políticas, afastando-se da retórica ideológica. O Brasil não foi desviado por soluções que viriam de uma ‘bala de prata”, 

Sobre o episódio de corrupção conhecido como “Mensalão”, envolvendo José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, White afirma que o episódio serviu para mostrar maturidade política na gestão Lula. 

Em relação ao mundo dos negócios, Lula reconheceu o setor privado como parceiro do desenvolvimento. “Esta é particularmente uma instrução para a África do Sul, onde os negócios sempre tiveram um papel para desempenhar na política, como observado durante nossa transição para a democracia”. De acordo com White, Lula se relacionou de forma construtiva com o setor privado, convidando-o a garantir que seus objetivos fossem implementados com eficácia. “Os negócios tornaram-se um instrumento para muitos de seus planos”, enfatizou White.

“O “momento” brasileiro realmente foi um processo de desenvolvimento de longo prazo, envolvendo vários interessados e administrações. Acima de tudo, o Brasil é prova de que uma situação desafiadora pode ser superada com políticas certas e liderança decisiva, sustentada por um dose saudável de pragmatismo”, conclui White.


Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador