O pecado de um tribunal que não corrige os próprios erros

E Lewandowski estava certo. A denúncia situa o “Bispo Rodrigues” em duas datas anteriores à Lei 10.763/03 ao efetivo recebimento da vantagem (confessada sim, mas para outros motivos). Se existe data anterior, o recebimento é o mero exaurimento do crime. Portanto, erraram os ministros, quando basearam a pena do infeliz na nova lei, mais dura.

Redação

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  1. A questão concernente a pena

    A questão concernente a pena imposta ao deputado Bispo Rodrigues pode não ser tão simples como apresentada.

    E, neste ponto, o Ministro Celso de Mello tem razão, as dúvidas são fundadas, e não necessariamente se reduzirão a temática concernente ao tempo do crime.

    É que, desta questão pode surgir o seguinte paradoxo….(conforme, fundamentos extraídos da AP 470)

    Se o delito de corrupção passiva é referente ao núcleo solicitar,  é crime formal, e a percepção da vantagem é mero exaurimento, podendo ser considerado, como efetivamente o foi,  crime autônomo de lavagem de dinheiro.

    Se o delito de corrupção passiva é o referente ao núcleo receber, é crime material, e, neste caso, o ato de receber constitui-se na consumação do delito, sendo, por outro lado, incompatível com a concomitância da lavagem de dinheiro (eventual forma dissimulada faz parte do tipo, que somente se consuma quando do recebimento final).

    No caso do Bispo Rodrigues, condenado por corrupção passiva, se for considerada a primeira hipótese, ele teria sua pena reduzida, em razão da lei a ser aplicada.

    Se for aplicada a segunda hipótese (defendida pelo Ministro Joaquim Barbosa), isto talvez implique a impossibilidade da condenação pelo delito de lavagem de dinheiro.

    Feita a provocação, vamos aos dados sobre a questão.

    Trata-se, o delito de corrupção passiva, efetivamente – no que tange ao vocábulo, solicitar –  de crime formal, ou seja, basta a simples solicitação para que se perfectibilize a ocorrência do delito. No caso, não há a necessidade da entrega do dinheiro (vide ementas ao final do texto), e, se esta ocorrer há mero exaurimento.

    Entretanto, conforme diversos entendimentos (Cézar Bittencourt dentre outros) – no que se refere ao vocábulo receber – trata-se de crime material – se consumando o delito, neste caso, por ocasião do recebimento.

    Alega, por sua vez, o Ministro Joaquim Barbosa (ver no site – noticias do STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=245818), que no caso do deputado Bispo Rodrigues, não houve comprovação de que ele teria recebido dinheiro antes desta data, e que, em razão de tal fato, o delito somente se consumou quando este recebeu o dinheiro – adequando-se portanto, tal entendimento, a segunda hipótese acima considerada (anoto que, apesar de na denúncia constar mais de um pagamento,  na instrução somente este segundo teria sido provado).

    Em contrapartida, Lewandowski argúi que o recebimento dos valores teria sido mero exaurimento,  uma vez que teria havido prévio acordo (o prévio acordo de vontades, segundo a denúncia do MP, e conforme tese adotada pelo STF, estaria expresso na forma com que o referido deputado teria se comportado nas votações de interesse do governo). Consoante tal raciocínio, não haveria importância a não comprovação dos outros pagamentos.

    Pois bem.

    Inicialmente anoto que as manifestações dos Ministros Celso de Mello e Luiz Fux, no que concerne a eventual ocorrência de crime continuado, revelam-se de plano impertinentes, e isto por um simples motivo, não houve condenação do réu Bispo Rodrigues, com suporte na existência de crime continuado.

    Prosseguindo.

    Aponta, implicitamente, o Ministro Joaquim Barbosa que, neste caso, à míngua da noticia da participação do réu em um acordo prévio, o ato de receber é que é considerado o momento da ocorrência do delito de corrupção passiva.

    Desta forma, o delito de corrupção passiva passa  a ter como núcleo central o ato de “receber” e de formal passa a ser crime material.

    Ocorre que, se por um lado, com tal interpretação, o Ministro Joaquim Barbosa resolve a questão do tempo a ser considerado para fins de aferição do apenamento mais grave, por outro lado, ressurge a questão referente ao delito de lavagem de dinheiro.

    É que, ressalto, o réu deputado Bispo Rodrigues, também foi condenado pelo delito de lavagem de dinheiro, o qual também teria se consumado, no recebimento.

    Assim, se esta for a versão final (não necessariamente a oficial) haveria bis in idem (duas condenações pelo mesmo fato imputável, no caso, o delito de corrupção passiva e o de lavagem de dinheiro, teriam suporte no ato de recebimento dos valores).

    Portanto, este é o paradoxo a ser solvido.

    Teço as seguintes considerações.

    Quando se considerava que o delito era crime formal, e a percepção da vantagem (recebimento do dinheiro) era mero exaurimento, formulou-se a teoria de que este ato, na realidade, não era mero exaurimento, mas sim um novo delito, ou seja, era lavagem de dinheiro (este entendimento está expresso no voto do Ministro Joaquim Barbosa quando analisa a conduta do Deputado João Paulo – transcrição ao final deste texto).

    De outro lado, temos a perplexidade, expressa pela Ministra Rosa Weber.

    Tal situação mostra-se em toda sua inteireza nas manifestações da Ministra Rosa Weber, que, em determinado momento expressa toda sua surpresa (Gize-se, isto no final do julgamento, por ocasião da dosimetria e ainda assim, depois de várias decisões). Ver página 7726 da AP 470

    A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER – Senhor Presidente, ouvindo as ponderações de Vossa Excelência, quero dizer que acolhi e observei a lei de regência anterior de um a oito anos, em todas aquelas hipóteses de corrupção passiva, porque entendi, pelo visto de uma forma equivocada, que prevalecera no Plenário a compreensão de que o crime de corrupção passiva do artigo 317 do Código Penal é um crime formal, aliás, essa referência eu já encontrara em inúmeros acórdãos da Corte. E pedindo vênia, sustentei aqui, sempre, que o crime de corrupção passiva, quanto ao núcleo “receber” – reconheci-o nessas hipóteses todas de corrupção passiva, em que emiti um juízo condenatório -, constituía um crime material.

    A surpresa tem razão de ser, pois, quando de suas manifestações anteriores, a Ministra Rosa Weber expressara a posição de que o delito de corrupção passiva, em relação ao ato de receber, não seria compatível com o acolhimento da tese de que este procedimento consistiria em lavagem de dinheiro (páginas 1084 a 1086 da AP 470).

    (…) Logo, em se tratando do núcleo solicitar, o efetivo recebimento da propina constitui exaurimento do crime; no caso do núcleo receber, a percepção da vantagem integra a fase consumativa do delito.

    (;;;)Receber significa obter, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, a vantagem indevida. A iniciativa aqui parte do corruptor, a quem o funcionário público adere, isto é, não apenas aceita como também recebe a oferta.”

    Nessa linha, a utilização de um terceiro para receber a propina – com vista a ocultar ou dissimular o ato, seu objetivo e real beneficiário-, integra a própria fase consumativa do crime de corrupção passiva, núcleo receber, e qualifica-se como exaurimento do crime de corrupção ativa. Por isso, a meu juízo, esse ocultar e esse dissimular não dizem necessariamente com o delito de lavagem de dinheiro, embora, ao surgirem como um iceberg, como a ponta de esquema de proporções mais amplas, propiciem maior reflexão sobre a matéria. Por isso penso que o exame da imputação do crime de lavagem há de ser deixada para um segundo momento também quanto aos réus João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato.

    Portanto, conforme o exposto, resta explicito tanto o paradoxo, como a extensão que pode ser dada a eventuais desdobramentos da questão em pauta.

    SEGUEM EXCERTOS DE VOTOS DOS MINISTROS SOBRE A MATÉRIA – em análise do delito do réu João Paulo Cunha e do Bispo Rodrigues – uma vez que conforme acima – trata-se de hipóteses diversas – mas que em relação ao delito de lavagem de dinheiro foram considerados como iguais…

    Ministra Carmen Lúcia

    Ministro Cézar Peluso

    Ministro Gilmar Mendes

    Ministro Celso de Mello

    Ministro Joaquim Barbosa

     

    – Tal equívoco se mostra de forma clara, por exemplo no voto da Ministra Carmen Lúcia – Ela não considera o verbo receber – mas sim a questão de crime formal, vejam, a exposição contida no voto – in verbis, pagina 1806:

    232. O Ministério Público demonstrou que os réus Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Carlos Alberto Rodrigues praticaram o crime de corrupção passiva, pelo que devem ser por ele condenados.

    233. Quanto ao crime de lavagem de capitais provou-se, nos autos, a assinatura de contrato simulado, a transferência de valores com o emprego de empresa intermediária e a utilização de interposta pessoa no recebimento de dinheiro, o que demonstra a prática da espécie delituosa pelos acusados Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas.

    Carlos Alberto Rodrigues também valeu-se, dolosamente, de interposta pessoa para o recebimento de valores que lhe foram destinados como vantagem indevida em razão do cargo, ciente do crime antecedente, o que configura lavagem de dinheiro, como explicitado em fundamentação exposta em item anterior (art. 1º da Lei n. 9.613/1998 – antes transcrito).

     

    Ministro Cézar Peluso pg 2172

    (…) próprio delito originário, pois se destina a viabilizar-lhe o recebimento.

    Noutras palavras, Senhor Presidente, o que eu estou querendo dizer, de maneira mais simples, é o seguinte: não vejo, na descrição dos fatos e na prova, que tenha havido ações independentes entre o crime de corrupção passiva e o delito de lavagem. Por quê? Porque o fato, a meu ver, de o réu tê-lo recebido clandestinamente, ocultando, com isso, a origem do dinheiro, não é ação distinta e autônoma do ato de receber. É apenas uma circunstância modal do recebimento: ao invés de receber em público – coisa que não poderia fazer, por razões óbvias -, o denunciado recebeu-o clandestinamente.

    Eu só admitiria o crime de lavagem se tal recebimento fosse destinado a ocultar a prática de outro delito que não foi imputado ao réu, nem a terceiro ligado a ele Em suma, considero possível a hipótese da chamada autolavagem se, por exemplo, alguém que recebe um dinheiro ilicitamente, ao invés de usá-lo por si, incumbe outrem de, em nome deste, adquirir-lhe bem ou bens, caso em que pratica duas ações típicas distintas, a do primeiro crime, consistente em receber ilicitamente, e a do segundo, que é a ocultação do produto do primeiro crime. Isso é autolavagem.

    No caso do réu João Paulo Cunha, o que ele fez foi receber às escondidas aquilo que não poderia receber em público. Mas seu ato típico foi um só.

    Com o devido respeito, absolvo o réu, neste tópico, por inexistência do fato criminoso.

     

    Gilmar Mendes  João Paulo – pagina 2317

    Importante observar tratar-se a corrupção passiva de crime formal ou de consumação antecipada. Em outras palavras, basta, para a sua consumação, que o funcionário solicite, receba ou aceite a vantagem. É irrelevante o fato de o agente público obter, efetivamente, a vantagem visada ou praticar algum ato em face dessa vantagem. Assim como é indiferente ao tipo a destinação da propina recebida (pagamento de pesquisas eleitorais em Osasco/SP).

    Há, portanto, perfeita subsunção dos fatos à norma incriminadora do art. 317 do Código Penal.

    A possibilidade de imputação do crime de lavagem de dinheiro ao autor do crime antecedente, por óbvio, não dispensa a verificação, no caso concreto, da existência da conduta de ocultar e dissimular, divisando, assim, daqueles fatos que realmente possam ser havidos como post factum impunível.

    “Em síntese, deve-se considerar absorvido pela figura principal tudo aquilo que, enquanto ação – anterior ou posterior –, seja concebido como necessário, assim como tudo o que dentro do sentido de uma figura constitua o que normalmente acontece (quod plerumque accidit). No entanto, o ato posterior somente será impune quando com segurança possa ser considerado como tal, isto é, seja um autêntico ato posterior e não uma ação autônoma executada em outra direção, que não se caracteriza somente quando praticado contra outra pessoa, mas pela natureza do fato praticado em relação à capacidade de absorção do fato anterior”. (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito Penal, Ed.Saraiva, Vol. 1, p. 252)

    Ipso facto, examinado detidamente as provas dos autos, observo que, por ocasião do recebimento da denúncia, fui levado a erro, em face de premissa fática equivocada, qual seja, a identificação da esposa do réu quando do recebimento da quantia de R$ 50.000,00 junto ao Banco Rural. (…)pagina 2329

    Não ignoro, por certo, que o tipo penal da corrupção passiva admite o recebimento por interposta pessoa. Igualmente que “o intuito de evitar o confisco de bens ilicitamente adquiridos é conatural a qualquer crime de cunho aquisitivo”. (Jorge Alexandre Fernandes Godinho, Do crime de branqueamento de capitais, Almedina, p. 239).

    Os fatos revelados nos autos, todavia, evidenciam situação diversa de uma simples utilização de outrem para o recebimento da vantagem.

    Não houve simples entrega direta de dinheiro para um terceiro (vg. Na mala, no envelope, etc.). O mecanismo utilizado (cheque, endosso, fax, etc), frise-se, não pode ser havido como natural desdobramento da conduta anterior ou imprescindível ao percebimento da vantagem.

    É certo, ainda, que “nem todas as condutas de ‘ocultar’ e/ou ‘dissimular’ configuram lavagem de dinheiro. É preciso constatar o elemento subjetivo. Estas ações devem necessariamente demonstrar a intenção de o agente esconder a origem ilícita do dinheiro, bens, etc. A simples movimentação de valores ou bens, com o intuito de utilizá-los, desfrutar-lhes ou mesmo acomodá-los, mas sem intenção de escondê-los, não configura o delito” (Marcelo B. Mendroni, Crime de Lavagem de Dinheiro, Atlas, p. 107). No mesmo sentido: Raúl Cervini, William Terra de Oliveira, Luiz Flávio Gomes, Comentários à Lei 9.613/98, RT, p. 335-336; José Laurindo de Souza Neto, Lavagem de Dinheiro, Juruá, p. 100).

     

    Ministro Celso de Mello pagina 2441

    O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, “Não sendo considerada a lavagem de capitais mero exaurimento do crime de corrupção passiva, é possível que dois dos acusados respondam por ambos os crimes inclusive em ações penais diversas (…)” (Inq 2.471/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno – grifei).

     

    Joaquim Barbosa pagina 3022

    Tal alegação não se sustenta. Os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva já se haviam consumado desde o prévio oferecimento ou promessa de oferecimento de vantagem indevida (no caso da corrupção ativa) e desde a solicitação ou aceitação da promessa de vantagem indevida (no caso da corrupção passiva). Noutras palavras, conforme está demonstrado no item VI, tanto o oferecimento da vantagem indevida, quanto a aceitação desta ocorreram antes das operações de lavagem de dinheiro. Somente o efetivo pagamento e recebimento do dinheiro é que se deu depois.

    Voto Joaquim Barbosa 3567 a 3611 … Bispo Rodrigues corrupção passiva crime formal,  decorrente de acordos anteriores vincula a Valdemar de Costa Neto e o condena por lavagem de dinheiro.

    Paginas 7726 e sgtes  da Ap 470

    DEBATE

    O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (PRESIDENTE E RELATOR) – Lembro que Valdemar Costa Neto recebeu por essas inúmeras vezes, em que foi agraciado com a propina, o montante de mais de dez milhões de reais. E, pelos critérios que vêm sendo adotados por esse Plenário e que eu considero equivocados, por essa razão estou fazendo esse adendo, em razão desse equívoco, foi-lhe aplicada a pena de dois anos e seis meses de reclusão, que a meu sentir é o absurdo dos absurdos. Entra totalmente em contradição com tudo que o Supremo Tribunal já havia decidido tanto neste Plenário quanto nas Turmas sobre esse crime de corrupção passiva.

    (…) omissis

    A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER – Senhor Presidente, ouvindo as ponderações de Vossa Excelência, quero dizer que acolhi e observei a lei de regência anterior de um a oito anos, em todas aquelas hipóteses de corrupção passiva, porque entendi, pelo visto de uma forma equivocada, que prevalecera no Plenário a compreensão de que o crime de corrupção passiva do artigo 317 do Código Penal é um crime formal, aliás, essa referência eu já encontrara em inúmeros acórdãos da Corte. E pedindo vênia, sustentei aqui, sempre, que o crime de corrupção passiva, quanto ao núcleo “receber” – reconheci-o nessas hipóteses todas de corrupção passiva, em que emiti um juízo condenatório -, constituía um crime material.

    O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (PRESIDENTE E RELATOR) – Vossa Excelência sustentou que era formal.

    A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER – Em absoluto. Sustentei que era material e se consumava com o recebimento. E nessa situação, não sendo crime formal, o recebimento integrava o momento consumativo do delito, e não o mero exaurimento. Entendi que ficara isolada nessa posição e, por isso, na hora da dosimetria, observei de um a oito anos. Agora, se a compreensão for de que o crime de corrupção passiva, na modalidade “receber”, é crime material, conforme sustentei aqui em inúmeras sessões, a consumação será no momento do recebimento, e acompanharia Vossa Excelência no sentido de que a pena é a da nova lei, de dois a doze anos.

    O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (PRESIDENTE E RELATOR) – O crime de corrupção passiva tem uma formulação ligeiramente diferente do crime de corrupção ativa que nós examinamos anteriormente. Ele tem esse conteúdo variado, tanto pode ser ao receber, quanto pode ser ao solicitar e pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.

    O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – CANCELADO

    A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER – Seria nesse sentido, de que, dos três núcleos (do art. 317 do CP), só reconheço como crime formal solicitar ou aceitar promessa de, e até citei, se bem me recordo, Cezar Bitencourt, que também tem essa posição, a de que, quanto ao núcleo receber, se trata de crime de resultado, na verdade, crime material.

     

    Excerto do Voto do Ministro Joaquim Barbosa, referente ao Deputado João Paulo Cunha : Página 657 da AP 470

    A eventual destinação que o Sr. JOÃO PAULO CUNHA deu ao dinheiro, depois de recebê-lo, é irrelevante para a tipificação da conduta.

    O emprego dos R$ 50.000,00 constitui mero exaurimento do crime de corrupção passiva. É o que salientamos ao receber a denúncia: “(…) sendo a corrupção passiva um crime formal, ou de consumação antecipada, é indiferente para a tipificação da conduta a destinação que o agente confira ou pretenda conferir ao valor ilícito auferido, que constitui, assim, mera fase de exaurimento do delito.” (fls. 11.820, vol. 55).

    Mas, o recebimento do dinheiro   não foi considerado mero exaurimento,   mas sim   lavagem de dinheiro:   pagina 666

    Portanto, o recebimento da vantagem indevida, no montante de R$ 50.000,00, pelo réu JOÃO PAULO CUNHA, deu-se com o emprego de mecanismo de lavagem de dinheiro, que consistiu no recebimento desse elevado valor, em dinheiro, dentro de uma agência bancária, sem seguir os trâmites de saque dessa quantia no sistema bancário, seguindo a sistemática detalhada no item IV e acima resumida.

    Assim, o recebimento dos valores foi acolhido como crime de lavagem e não mero exaurimento: página   668

    O dolo da ocultação da origem ilícita do dinheiro também está presente, já que o próprio réu era o autor de um dos crimes antecedentes, contra a administração pública (corrupção passiva).

    Não há, no caso, mero exaurimento do crime de corrupção, pois o meio empregado para receber a vantagem indevida configurou, no caso, crime autônomo de lavagem de dinheiro, que atingiu bem jurídico distinto.

    Rosa Weber 1084 a 1086 paginas

    ….. Explico: a distinção entre crimes materiais e formais, todos sabemos, exige a análise do núcleo do tipo. Se a conduta somente se realiza com o advento do resultado, o crime é material. Se o comportamento opera a consumação do delito, independentemente do resultado material, o crime qualifica-se como formal. Assim, v.g., no homicídio somente a morte implica a consumação do crime. Já na injúria verbal, a palavra com potencialidade lesiva basta para consumar o delito.

    Os crimes de corrupção passiva e corrupção ativa (artigos 317 e 333 do Código Penal) imputados aos réus são tipos penais plúrimos, ou seja, tipos com mais de um núcleo, evidenciando a preocupação do legislador de conferir maior abrangência à regra de proibição.

    Na corrupção passiva três são os núcleos: solicitar ou receber vantagem indevida e, ainda, aceitar promessa de vantagem indevida.

    Na corrupção ativa, apenas dois: oferecer ou prometer. Na corrupção ativa ambos os núcleos importam o reconhecimento do crime formal. Então, nesse delito, a percepção da vantagem pelo corrompido constitui exaurimento do delito.

    Já na corrupção passiva, sob a forma solicitar, o crime é formal; mas sob a forma receber – e aqui peço vênia, pela primeira vez a me manifestar sobre o tema nesta Casa, para não perfilhar a orientação jurisprudencial nela dominante -, o crime é material. No primeiro núcleo, basta a solicitação para realizar o tipo; no segundo, todavia, pressupõe-se o efetivo recebimento da propina por não se esgotar, o tipo, na mera aceitação de vantagem indevida.

    Logo, em se tratando do núcleo solicitar, o efetivo recebimento da propina constitui exaurimento do crime; no caso do núcleo receber, a percepção da vantagem integra a fase consumativa do delito.

    Colho o magistério de Cezar Roberto Bitencourt: “A corrupção passiva consiste em solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida, para si ou para outrem, em razão da função pública exercida pelo agente, mesmo que fora dela, ou antes de assumi-la, mas, de qualquer sorte, em razão da mesma.

    Solicitar, no sentido do texto legal, quer dizer pedir, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, o que envolve conduta ativa, um agir, e nessa medida crime formal, de simples atividade, que se consuma com a mera solicitação.

    Receber significa obter, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, a vantagem indevida. A iniciativa aqui parte do corruptor, a quem o funcionário público adere, isto é, não apenas aceita como também recebe a oferta.”

    Nessa linha, a utilização de um terceiro para receber a propina – com vista a ocultar ou dissimular o ato, seu objetivo e real beneficiário-, integra a própria fase consumativa do crime de corrupção passiva, núcleo receber, e qualifica-se como exaurimento do crime de corrupção ativa. Por isso, a meu juízo, esse ocultar e esse dissimular não dizem necessariamente com o delito de lavagem de dinheiro, embora sorte, em razão da mesma.

    Solicitar, no sentido do texto legal, quer dizer pedir, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, o que envolve conduta ativa, um agir, e nessa medida crime formal, de simples atividade, que se consuma com a mera solicitação.

    Receber significa obter, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, a vantagem indevida. A iniciativa aqui parte do corruptor, a quem o funcionário público adere, isto é, não apenas aceita como também recebe a oferta.”

    Nessa linha, a utilização de um terceiro para receber a propina – com vista a ocultar ou dissimular o ato, seu objetivo e real beneficiário-, integra a própria fase consumativa do crime de corrupção passiva, núcleo receber, e qualifica-se como exaurimento do crime de corrupção ativa. Por isso, a meu juízo, esse ocultar e esse dissimular não dizem necessariamente com o delito de lavagem de dinheiro, embora, ao surgirem como um iceberg, como a ponta de esquema de proporções mais amplas, propiciem maior reflexão sobre a matéria. Por isso penso que o exame da imputação do crime de lavagem há de ser deixada para um segundo momento também quanto aos réus João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato.

    …………

    No que se refere ao entendimento do delito de corrupção passiva se tratar de crime formal – sua consumação não demanda a ocorrência de resultado naturalístico, consistente no efetivo recebimento da propina solicitada, uma vez que se exaure mediante a simples exteriorização da proposta ou promessa de vantagem indevida feita pelo funcionário público -, o entendimento do STF é ilustrado pelas seguintes decisões:

    RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA (CP, ART. 317, § 1º, C/C ART. 69, POR QUATRO VEZES), CONCUSSÃO (ART. 316, CAPUT) E FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, ART. 299, §1º, C/C ART. 71 E 69).

    (…)IV – No delito de corrupção passiva (CP, art. 317), assim como no crime de corrupção ativa (CP, art. 333), o bem jurídico tutelado pelo Estado é a moralidade e probidade da Administração Pública, estendida sobre o vértice de seu longa manus, a saber, o funcionário público (CP, art. 327), irradiando efeitos protetivos sobre sua posição (função) dentro da estrutura administrativa, que, num conceito residual, designa uma unidade de atribuições, poderes e deveres estatais, distribuídos por lei.

    (…) . Ressalte-se, por outro lado, ser prescindível o acatamento ou a repulsa da proposta, porquanto não se trata de crime bilateral ou de concurso necessário, vale dizer, não se exige um pactum sceleris entre corruptor e corrupto. Tal circunstância, a propósito, constitui a razão pela qual referido delito se caracteriza por ser formal, vale dizer, sua consumação não demanda a ocorrência de resultado naturalístico, consistente no efetivo recebimento da propina solicitada, uma vez que se exaure mediante a simples exteriorização da proposta ou promessa de vantagem indevida feita pelo funcionário público. De outro vértice, a norma penal em voga encerra elemento subjetivo composto de dolo genérico e especifico; o primeiro é vislumbrado na deliberada vontade dirigida ao recebimento da indevida vantagem ou aceitação de promessa de entrega de benefício imerecido, ao passo que o segundo se caracteriza pelo fim especifico visado pelo intraneus, o de pautar o funcionário público seu dolo agir ou sua omissão em detrimento aos direitos e deveres inerentes a sua função, ambos, no caso, materializados nos depoimentos colhidos e demais provas. V- Em decorrência da natureza formal dos delitos de corrupção ativa (CP, art. 333) e passiva (CP, art. 316), sua execução, que é efetivada por palavras e gestos, é essencialmente presenciada, na maioria das vezes, pelo intraneus (servidor público) e pelo extraneus (agente desvinculado da administração pública), exsurgindo daí a dificuldade probatória, que é, contudo, suprida por indícios e depoimentos judiciais de terceiros prejudicados/ beneficiados, cujo teor reveste a prova meramente indiciária das garantias do contraditório, autorizando, porquanto, a condenação.

    (ARE 742195, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 08/05/2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 10/05/2013 PUBLIC 13/05/2013)

     

    DECISÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL PENAL. (…) O crime de corrupção passiva caracteriza-se por ser espécie de delito formal ou de mera conduta, praticando-o réu que, em razão de sua função pública, solicita ao governador de Estado vantagem indevida, para si ou para terceiros, consistente em favores pessoais ilícitos e ganhos em procedimentos licitatórios para terceiros, sendo irrelevante a concordância ou a aquiescência do indivíduo a quem é dirigida a solicitação ou a entrega concreta e material daquilo que tenha sido solicitado. (…)

    (AI 769881, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 08/04/2010, publicado em DJe-069 DIVULG 19/04/2010 PUBLIC 20/04/2010)

     DECISÃO: 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de NELSON GOMES JÚNIOR, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que não conheceu do Recurso Especial nº 1.069.940.   (…). Além do que, como bem pontuado por Jorge César de Assis, `a corrupção passiva é delito formal, e consuma-se com a simples solicitação, a não ser se esta é impossível de ser cumprida, ou seja, não esteja ao alcance da pessoa que é solicitada… O efetivo recebimento da vantagem solicitada é mero exaurimento do crime’. Cabe recordar, que o crime imputado ao recorrente é o de corrupção passiva. Daí valorizar, a jurisprudência, a versão da vítima (secundária), desde que não colidente com ‘outras circunstâncias apuradas. Por isso, todo detalhe reveste-se de fundamental importância na análise da prova. (HC 98412 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 30/03/2009, publicado em DJe-066 DIVULG 06/04/2009 PUBLIC 07/04/2009)

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