Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O STF e o MPF assaltam o povo e o Brasil, por Aldo Fornazieri

O STF e o MPF assaltam o povo e o Brasil

por Aldo Fornazieri

A decisão do Supremo Tribunal Federal e do Conselho do Ministério Público Federal de aumentar os salários de juízes e procuradores em 16,38% é cruel, ignominiosa e criminosa. É um assalto contra o povo e contra o Brasil. O teto salarial subirá para R$ 39,2 mil ou 41 vezes o valor do salário mínimo e provocará um efeito cascada de R$ 4 bilhões por ano. Os salários atuais da elite estatal já são indecentes. Junto com juízes e procuradores estão os deputados, os senadores e o alto funcionalismo dos três poderes, civil, militar e policial. Muitos desses agentes públicos, incluindo os juízes, extrapolam o próprio teto salarial, numa violação descarada das leis. Mais do que isto: agridem o povo com uma série incontável de privilégios, a exemplo do auxilio moradia, que supera a renda de 90% da população.

Esses salários exorbitantes e privilégios das elites do poder público são cruéis porque também são causas da manutenção da pobreza e da miséria da imensa maioria do povo. A renda média dos brasileiros em 2017 foi de R$ 1.268. Cerca de 106 milhões das pessoas vivem com até um salário mínimo, sendo que dessas, 57 milhões vivem com cerca de R$ 387 mensais (linha da pobreza) e 15 milhões vivem com até R$ 100, abaixo da linha da pobreza. São mais de 13 milhões de desempregado e falta trabalho para 28 milhões de trabalhadores. A decisão do STF e do MPF, além de cruel contra esses brasileiros, ofende a consciência moral, agride a dignidade das pessoas e revela a insensibilidade gélida desses assaltantes do povo que chega a causar horror.

A decisão é ignominiosa porque causa vergonha a todos os que têm humanidade na alma e expõe a desavergonhada ousadia dessas elites do setor público em assaltar os cofres da nação. Esse Estado que está aí não tem nenhum sentido universal, característico dos Estados republicanos e democráticos. É um Estado fatiado entre os vários grupos particulares que sugam o sangue e os direitos do povo para enriquecer. Há um conluio sedicioso entre as várias organizações criminosas que controlam as partes do Estado e se apoderam do orçamento: elite do funcionalismo público, juízes, procuradores, deputados, senadores, banqueiros, ruralistas e empresários de vários ramos. Uns assaltam através de altos salários e de privilégios inescrupulosos. Outros assaltam através de incentivos, benefícios fiscais, isenções, corrupções, sonegações e juros escorchantes. Quem paga tudo isto é povo pobre e trabalhador.

A decisão é criminosa porque ofende a dignidade do povo brasileiro. A sociedade está mergulhada numa vasta tragédia de múltiplas dimensões: são quase 64 mil mortes violentas, ocupamos o sétimo lugar entre os países que mais matam jovens, o quinto lugar entre os que mais matam mulheres e estamos entre os 10 países mais desiguais do mundo. O narcotráfico e o crime organizado se espalharam por todo o território nacional e adentraram as portas o poder. O próprio poder se tornou uma forma de crime organizado. Com todo esse abismo e horror, os gasto sociais estão congelados por 20 anos. As pessoas pobres, hoje, não só não têm mais acesso aos hospitais, mas também não têm mais acesso a médicos. Morrem doentes, com câncer e com ouras doenças, sem ser tratadas e sem assistência médica. Há filas nos hospitais e há filas daqueles que sequer conseguem chegar aos hospitais. As elites do setor público e as elites predatórias do setor privado precisam sentar no banco dos réus para que sejam julgadas pelos seus crimes brutais. Essa ideia precisa ser propagada para que um dia se torne realidade. É preciso odiar e pregar o ódio contra os privilégios.

O argumento de Raquel Dodge, de que “o aumento da despesa (com o aumento salarial) no Orçamento da União é zero”, ou do procurador José Robalinho, de que “não está se buscando um centavo a mais por conta do reajuste” revela o quanto é a desfaçatez desses servidores que deveriam servir o povo, mas que servem a si mesmos. Ora, o orçamento do MPF é orçamento público, orçamento da União. Se parte dele é deslocada, de forma inescrupulosa, para a apropriação privada dos procuradores, que já recebem salários e privilégios abusivos, isto significa que este dinheiro está deixando de ser colocado ao serviço do interesse público para atender a ganância de uma corporação. Alguns chegaram a argumentar que o MPF e o Judiciário recuperam dinheiro público combatendo a corrupção. Como já recebem de forma exorbitante querem trocar uma corrupção por outra, porque salários e privilégios abusivos também são uma forma de corrupção. Querem transformar o dever funcional em privilégio indecente.

No Brasil, o bem público, o bem estar social do povo e os direitos de cidadania estão mortos. O Brasil está morto, tomado por uma canalhocracia de terno e toga. As oposições, impotentes, quando não coniventes, estão mortas. Os sindicatos, burocratizados, acomodados e oligarquizados, estão mortos. Perderam o ânimo da luta. O povo está entregue ao seu próprio desalento e desesperança. As religiões se esmeram em vender pedaços do paraíso no além enquanto o povo de Deus definha no aquém. Até que ponto o povo brasileiro será oprimido e bestializado na sua passividade? Passividade que, aliás, é cevada, com raras exceções, pelos próprios progressistas, pelas esquerdas e pela intelectualidade universitária. Esta última, quando não serve de forma aberta à elite predatória, a serve com sua racionalização esquemática, aprisionada às lógicas vigentes de poder.

Não é mais possível aceitar que se diga que falta dinheiro para a saúde, educação, segurança e direitos sociais. Não é mais possível aceitar a incompetência dos governantes, que manipulam 35% do PIB e não conseguem atender as necessidades urgentes da população. Isto tudo só acontece porque o poder do dinheiro nunca foi tão grande, perverso, egoísta e criminoso. Poder que tudo compra e que tudo cala. Poder que corrompe e acovarda. Cala aqueles que deveriam gritar e amansa aqueles que deveriam lutar. Não podemos aceitar esta redução à covardia histórica a que estamos submetidos.

As condições de indignidade e pobreza a que o povo está submetido não podem ser aceitas porque degradam a sociedade dia após dia. Essas condições tem responsáveis políticos, econômicos e intelectuais que precisam ser denunciados. Precisamos desejar que todos, que cada um de nós, como nos ensinou Stéphane Hessel, tenhamos vários motivos de indignação. Somente a indignação poderá dar vida às nossas almas, gritos à nossa mudez, fúria à nossa passividade.

Precisamos ser capazes de resgatar os jovens prisioneiros da ideologia do consumismo. Precisamos ajudar os jovens a atear fogo na imaginação para a busca corajosa de um mundo melhor. Esta campanha eleitoral que está em curso não pode ser feita com a racionalidade fria sobre o cadáver de um país morto. Não vivemos em tempos normais. O povo brasileiro está cativo da injustiça, escravo da opressão, disperso e sem líder, pois o único líder de fato, está cativo como o próprio povo. Nesses tempos anormais e imorais é preciso uma política da desmedida, da ousadia criadora e da coragem. Em 1989 e em 2002, Lula despertou paixões, acendeu as fogueiras das esperanças no coração dos brasileiros. O fez porque ele era a desmedida, ele encarnava a força criadora de um povo. O fez porque ele era emoção feita vontade e potência. Se os líderes que estão em campanha quiserem fazer algo significativo para o povo e para o Brasil precisam ser algo a mais do que máscaras de Lula.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

 
Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

8 Comentários

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  1. Lula ou “luta”

    Na medida em que o tempo avança, a intenção de votos em Lula aumenta e, com isso, a contestação do povo perante o golpe e, principalmente, perante as injustiças que o Lula e o PT estão sofrendo. Considerando a teimosia e impunidade com que o aparelho judiciário golpista vem atuando, acho bom ir pensando seriamente na continuidade do Plano A, que sinaliza para seguir com Lula até o final, mesmo se este vir a ser impugnado pelo TSE, o que levaria o povo para uma revolta e desconhecimento de uma eleição sem Lula, que colocaria um freio à sequência do golpe. Não deve Haber voto útil ou atenuação perante a arbitrariedade do poder Judiciário. Ou mostram as provas contra Lula ou vamos com ele enfrente.

  2. Brasil dilapidado

    Concordo com tudo que o professor Fornazieri falou. Somos vítimas hoje de um poder público todo corrompido, de uma elite escravocrata. Não tem saída. Ou o povo se une e dá uma basta nisso que está ai eu veremos nossos filhos e netos em situação muito mais trágica.

  3. Triste Brasil

    “Triste Brasil

    Triste Brasil. Ó quão dessemelhante 
    Estás e estou do nosso antigo estado! 
    Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, 
    Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

     

    A ti trocou-te a máquina mercante, 
    Que em tua larga barra tem entrado, 
    A mim foi-me trocando, e tem trocado, 
    Tanto negócio e tanto negociante” …

    Não sei por que esse poema de Gregorio de matos me veio a cabeça … É só substituir  a Bahia pelo Brasil. O lamento permanece válido se aplicado aos “negocinates” do golpe.

  4. Quadrilhas de toga e paletó

    Parabéns ao professor Fornaziere por acertar no alvo: o judiciário, o mp, a pf, o mpf, o legislativo e parte do alto executivo se tornaram organizações criminosas – ORCRIM, muito fortes e perigosas. Estamos assistindo ao assalto a mão armada com penas, não com espadas, por esses bandidos que agem com a certeza da impunidade.

    É terrível a sensação de impotência que sentimos diante de tantos descalabros. Eles não se dão ao trabalho de sequer disfarçar as vilanias. São arrogantes, prepotentes, cínicos, déspotas, canalhas. 

    Precisamos com muita urgência de uma nova Constituinte para derrubar os salários e privilégios imorais dessa corja de bandidos.

    (As siglas em minúsculo estão de acordo com o que eu penso dessas instituições, minúsculas em moral, em ética, em respeito e em importância para o Estado Brasileiro!)

  5. Alguém ainda acredita no judiciário ?

    Concordo 100% com Ciro Gomes: se quisermos restalebecer o Estado Democrático de Direito, o judiciário e o ministério público precisam voltar para suas “caixinhas”. E vou além: para NOVAS “caixinhas”…

    Neste final de semana tivemos PROVAS de crimes cometidos pela PGR, Moro e TRF4.

  6. Burro Nasceu pra Carregar Carga!

    Torço verdadeiramente para que  Povo Brasileiro acorde e saia deste estado de letargia em que se encontra! Quem acredita no nosso judiciário, quem acredita na Globo, no Estadão, na Folha, na Veja, na IstoÉ só pode estar em estado letárgico! Quem ainda não percebeu que o Golpe dado em 2016 foi para colocar o neoliberalismo (Temer – apesar de ser o vice da Dilma foi colocado para servir o neoliberalismo – este foi o acerto) no poder sem os votos e consequentemente: 1 – Entregar o Brasil aos gringos; 2 – Ferrar os Trabalhadores (Estatutário e CLTistas); 3 – Beneficiar os Capital Financeiro e Grandes Corporações, só pode estar em estado letárgico. Enquanto o brasileiro não acordar, todo o peso vira para as suas costas!!! Viva o Lula Maior Presidente do Brasil!!!! 

  7. O que foi feito de nos?

    O tragico em nossa trajatoria enquanto nação é que essa elite burocratica estima que ela merece ganhar supersalarios, o que eles denominam “ganhar bem”, porque eles se sentem de suprema importância quando o que fazem é tão importante quanto qualquer outro trabalho na construção de uma sociedade. Acho que devem ser bem remunerados, como um professor do jardim da infância à gradução deveriam ser, mas isso que temos hoje é um escândalo. E esses supersalarios no serviço publico também é algo que não tem paralelo na maioria dos paises. 

    Triste concordar com esse artigo demolidor. Mas ca estamos cabisbaixos, humilhados, sendo liderados por tiranos e corruptos e sem conseguir uma reação necessaria em um momento tragico, como esse. 

  8. O STF e o MPF assaltam o povo e o Brasil

    “Nós, veteranos dos movimentos de resistência e das forças combatentes da França Livre, apelamos às jovens gerações para manter viva a indignação, transmitir essa herança da Resistência e dos seus ideais.

    Estamos dizendo: assegurem a continuidade, indignem-se!

    Quando alguma coisa nos indigna, como fiquei indignado com o nazismo, nos transformamos em militantes; fortes e engajados, nos unimos à corrente da história, e a grande corrente da história prossegue graças a cada um de nós. “

    INDIGNAI-VOS! – Stéphane Hessel

    contudo, todos sabemos: não haverá indignação, não há resistência.

    toda a vitalidade da luta contra o Golpe de 2016 foi sugada e neutralizada pela opção de centralidade nas Eleições de 2018. como se o voto pudesse substituir a luta…

    olhem em volta! a revolta foi direcionada para a acomodação burocrática das urnas. o movimento das ruas e das ocupações jaz cativo da lógica das campanhas eleitorais e do marketing político.

    nada consegue frutificar sob a densa e ampla sombra do Lulismo, a não ser a impotência, a passividade, o desalento, a desesperança, o desespero, a doença, a depressão, o suicídio e a morte.

    máscaras e mais máscaras, umas sobre as outras, tentando esconder rostos sem face.

    .

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