Os 7 direitos constitucionais mais violados no Brasil

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Do Justificando

Por Natalie Garcia

 

Não importa: seja no táxi, no ônibus ou no elevador, o tema “brasileiro não respeita as leis” costuma ser presente nas rodas de conversa. Muitas vezes se fala sobre a corrupção, sobre a falta de educação, sobre a irresponsabilidade dos cidadãos. Não é raro culpar o “excesso de direitos” que uma suposta lei branda concederia à parcela mais pobre da população. No entanto, para se argumentar que existe excesso, não seria contraditório perceber que o mínimo não existe?

Confira os 7 direitos mais violados no Brasil.

#7. Direito aos reclusos

Art. 5º, XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Prisão no Rio Grande do Norte.

No Brasil, em 2012, apenas 9% da população carcerária estava em atividade educacional. Entre as mulheres essa taxa era de 13%, enquanto entre os homens não passou de 8%; apenas 17% da população carcerária estava desenvolvia alguma atividade laboral em 2012 . Entre as mulheres essa taxa era de 22%, enquanto entre os homens não passou de 16% (Dados do Conselho Nacional de Justiça). Quanto à saúde, segundo o Ministério da Justiça, apenas 30% dos presos têm acesso a ações de assistência dentro das unidades prisionais.

Apesar das condições precárias de cárcere, o Brasil continua um dos maiores encarceradores do mundo, alcançando a 4ª posição neste ano, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Os egressos desse sistema não encontram cenário propício; apenas 30% deles conseguem emprego, segundo dados do CNJ.

#6. Direito à juventude

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

Crianças da comunidade quilombola Kalunga.

Apesar disso, de acordo com a Anistia Internacional, em 2012, foram assassinados 30 mil jovens e, entre eles, 77% negros, porcentagem idêntica as de denúncias registradas por meio relativas à violência contra crianças e adolescentes, o que corresponde a 120.344 casos. São 24 mil meninos e meninas em situação de rua no Brasil. Desses, quase metade (45,1%) tem entre 12 e 15 anos e 72% são negros. (levantamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos em 2011).

#5. O direito à diferença

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

]

Entretanto, um pequena amostra ao redor do país indica que a diferença e a minoria não convivem em harmonia. 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos (Instituto Avon em parceria com o Data Popular (nov/2014). De outro lado, apenas 1% dos indígenas têm acesso ao ensino superior, segundo dados do Ministério da Educação. O Instituto Brasileiro de Geografia, em 2010, levantou que 40% vivem fora de suas terras.

Homicídio é um modo de se perceber a violação e intolerância com minorias. O Brasil, por exemplo, lidera o ranking de assassinato de homossexuais, bem como está no lugar mais alto do pódio em homicídios de travestis e transsexuais – conforme pesquisa do Grupo Gay da Bahia e da ONG Transgender Europe. O IPEA levantou que de todos os assassinatos ocorridos no país, 70% tem vítimas negras. Um negro tem 3,7 mais chance de ser morto que um branco.

#4. O direito à moradia

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.

Apenas 52,5% (30 milhões) dos domicílios brasileiros têm abastecimento de água, esgoto sanitário ou fossa séptica, coleta de lixo e até dois moradores por dormitório, condições consideradas adequadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentro dos 52,5% em domicílios adequados, 63% dos brancos, 45,9% dos pretos e 41,2% dos pardos vivem neles. Já aqueles que vivem em aglomerações impróprias, as chamadas favelas, formam um total de 11 milhões de brasileiros.

Por outro lado, existem (ainda que muitos não percebam) aqueles que não tem moradia qualquer, ou seja, em situação de rua, totalizando, entre agosto de 2007 e março de 2008, um total de 31.992 adultos (levantamento do Ministério de Desenvolvimento Social em parceria com a Unesco).

#3. O direito à saúde

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição;

Art. 23º. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 30. Compete aos Municípios:

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

Em 2013, 93% da população estava insatisfeita com o SUS, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha. Infelizmente, não por uma coincidência. Entre os países com modelos públicos de atendimento de saúde de acesso universal, o Brasil é o que tem a menor participação do Estado nos gastos, sendo apenas 3,8% do PIB utilizado ao nicho. No entanto, em 2009, a família brasileira gastava quantia responsável por 4,8% do PIB do país. Dessa maneira, o gasto privado é muito maior que o público. (Estatísticas de Saúde Mundiais 2011, pela Organização Mundial da Saúde)

Segundo o Portal Brasil, maior parte dos orçamentos de saúde dos brasileiros, em 2012, era gasta com remédios (48,6%) e planos de saúde (29,8%).

#2. O direito ao trabalho

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição;

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

A escravidão moderna, o trabalho infantil, a discriminação e as manobras das empresas ainda são comuns no país. Entre 2013 e 2014, 164 trabalhadores foram resgatados do trabalho escravo. Em São Paulo, 2014, foram resgatados 271 pessoas na mesma condição. Quando às crianças, 3,1 milhões, entre os 5 e 17 anos, trabalhavam no ano de 2013 (levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). E as minorias? Em pesquisa realizada pela empresa Elancers, 38% das empresas brasileiras não contratariam pessoas LGBT para cargos de chefia e, 7%, não contrariam em hipótese alguma.

Diante da banalização do emprego, em 2012, segundo dados do IBGE, apenas 56,9% das pessoas ocupadas eram trabalhadoras formais.

#1. O direito ao salário mínimo

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

O valor do salário mínimo brasileiro, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, deveria ser de R$ 3.118,62, quatro vezes mais do que o salário fixado em janeiro deste ano (R$ 788). 

O cálculo, feito pelo Dieese, se refere ao chamado “salário mínimo necessário”, levando em conta os gastos de uma família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência. A metodologia leva em conta o que está na lei – o atendimento das necessidades mínimas do trabalhador -, mas não é cumprido.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. E o mais respeito é…

    Direito a nao ter direitos, isto é, se voce nao for da trupe da direita (PSDB, DEM, PPS, midia e ativistas no judiciario e PF)

  2. faltou um…o mais essencial e o mais violado “direitos humanos”

    … #8. O direito à preguiça

    Art. 6º O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É essa inversão que gostaria de passar a limpo. [abud. Malevitch, A preguiça como verdade definitiva do homem].

    XXXIV – suave preguiça, que do mau querer / e de tolices mil ao abrigo nos põe… / por causa tua, quantas más ações / deixei de cometer. Mário Quintana, “Da preguiça”, Báu de espantos.

    XXXV – a preguiça, todos sabem, é um dos sete pecados capitais. Ao perder o paraíso terrestre, Eva e Adão ouvem do Senhor palavras que selarão seus destinos. […] Ao ócio feliz do paraíso segue-se o sofrimento do trabalho como pena imposta pela justiça divina, e por isso os filhos de Adão e Eva, isto é, a humanidade inteira, pecarão novamente se não se submeterem à obrigação de trabalhar. Marilena Chauí, “Sobre o direito à preguiça”.

    XXXVI – a preguiça, assim posta, é algo que nos permite reconhecer a “loucura” das massas trabalhadoras, contaminadas por uma estranha ética de amor ao trabalho […] Lafargue definia o apego proletário ao trabalho como sintoma de uma “estranha loucura” […] não podem sustentar-se na simples afirmação do “direito ao trabalho”, e sim na defesa de um novo direito, pelo qual trabalhadores “embrutecidos pelo trabalho” e que “produzem como maníacos” teriam acesso a lazer e a consumo: “é preciso domar a extravagante paixão dos operários pelo trabalho e obrigá-los a consumir as mercadorias que produzem”. Paul Lafargue, “O direito à preguiça”.

    XXXIX – “cocorocó, o galo já cantou / levanta nego, cativeiro já acabou […].” Assim canta Clementina de Jesus (Cocorocó). A mulher tenta acordar o marido para o trabalho porque o “senhorio” não tem clemência e virá cobrar o aluguel. Mas o homem, negro liberto da escravidão, quer dormir mais um pouco. A vida do trabalhador braçal era (é…) dura demais, e o salário, pequeno. Sendo assim, “Pra que trabalhar?” Esse é o título do samba de Wilson Batista, em que o cantor se queixa do salário curto, que nem lhe permite pagar o bonde pra ir à sua escola predileta: “acabou o meu dinheiro e eu vou pro Salgueiro a pé”.

     

     

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador