Para De Sanctis, sociedade é tolerante com corrupção

Jornal GGN – Para o desembargador do Tribunal Regional Federal da 3a região, Fausto De Sanctis, a sociedade brasileira é tolerante com a corrupção e é isto que faz ela ser grande no país. “As pessoas sonegam como se fosse um fato da vida, quando não passa de corrupção”, diz. Em entrevista para a BBC Brasil, o desembargador falou sobre o avanço institucional do combate à corrupção, como a criação de varas especializadas em lavagem de dinheiro, defendeu a delação premiada e a prisão nos casos de corrupção.

Da BBC Brasil

Tolerância da sociedade faz corrupção ser grande, diz desembargador

Ao receber a reportagem da BBC Brasil em seu gabinete no Tribunal Regional Federal da 3ª região, em São Paulo, o desembargador Fausto de Sanctis conta que esteve, dias antes, na Conferência Internacional Anticorrupção, realizada na Malásia no início deste mês.

O evento, relata, teve uma votação para eleger os casos de corrupção “do momento” no mundo. “Foram três: o do primeiro-ministro da Malásia (US$ 600 milhões foram descobertos em sua conta), o da Fifa e… o da Petrobras.”

Como juiz federal, De Sanctis foi responsável por duas ruidosas operações sobre crimes financeiros na década passada: a Castelo de Areia, que tinha como alvo o grupo Camargo Corrêa – citada na Lava Jato – e a Satiagraha. Na última, foi acusado por Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, de afrontar a corte ao determinar prisão do banqueiro Daniel Dantas pouco depois de o ministro ter acolhido habeas corpus.

Hoje desembargador, ele diz não poder falar dos casos que lhe tornaram famoso. Mas externa suas críticas ao sistema jurídico, principalmente no tratamento a crimes econômicos, citando a possibilidade de anulação de processos – o fim das duas operações.

Autor de livros sobre corrupção, De Sanctis falará na semana que vem sobre o papel de empresas no combate na Conferência Ethos 360°, realizada pelo Instituto Ethos, em São Paulo. Defensor da delação premiada e da alienação de bens, ele afirma ver, na sociedade, tolerância com a corrupção. “Sonegação não passa de corrupção”, exemplifica.

Leia os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – A relação nociva entre empresários e o poder foi cerne da Satiagraha e da Castelo de Areia, e está no centro da Lava Jato. O país está avançando no combate a esse tipo de ligação?

Fausto de Sanctis – O Brasil vive um aparente aperfeiçoamento institucional. O que foi realmente inovador, um marco, foi a criação das varas especializadas em lavagem. Em alguns países se defende a criação de varas de corrupção, o que talvez esteja faltando aqui. Ela é tão sistêmica, não tem sentido não ter mais casos correntes em um país em que se vê corrupção em todo lugar.

Havia um sentimento absoluto de impunidade. E o início das varas, aquele protagonismo, incomodou muito. Houve uma reação da criminalidade econômica, com ajuda de setores do Congresso Nacional.

Vimos, com a criação das varas, não só um injustificado repúdio ao seu funcionamento pelo próprio Judiciário. Teve o Legislativo querendo rever legislação já aplicada para o crime comum há muitos anos, mas que, quando aplicada para o econômico, passou a ser revista. Para ele continuar acima da lei.

(Houve) a releitura sobre a prisão, sobre monitoramento telefônico… que existe em tudo quanto é país – quando é necessário, não é que você grampeia todo mundo. Houve um movimento até de acabar com as varas.

BBC Brasil – Foi preciso surgirem essas varas especializadas (no combate à corrupção) para os casos virem à tona?

De Sanctis – O problema sempre existiu, obviamente. A corrupção existe em todo lugar. No país desenvolvido, os agentes corruptos usam de maneira indevida o sistema. Nos subdesenvolvidos, o sistema é fraco.

Em todo o Brasil, o sistema é fraco. É uma luta inglória para conseguir dar a sentença porque, até certo momento atrás, os processos eram parados por habeas corpus sem sentido. Eram paralisados, quando não declarados nulos. Tudo era nulo, não importa o quê.

E tem um sistema legal com punições brandas. No caso da corrupção, a literatura mundial diz que tem de haver prisão. As pessoas têm de sentir que a corrupção não vale a pena, que o crime econômico não vale a pena. Não tem sentido aplicar multa porque isso entra nos custos do delito. Suspender alguns contratos? Não vai bastar.

Há esse problema de legislação, o mau funcionamento do sistema procedimental, que permite recursos ad aeternum, quando não habeas corpus a todo instante, inclusive de réus soltos. Um sistema único e particular, que faz com que os processos não cheguem à execução da pena.

BBC Brasil – O que mudou para hoje vermos empresários e políticos irem presos?

De Sanctis – Espero que não seja um movimento político. Ou seja, porque se deseja asfixiar as pessoas que estão no poder. Que seja resultado de um aperfeiçoamento, ou da conscientização das autoridades judiciárias de seu papel de atender às expectativas sociais.

Se há indício forte de corrupção, tem que haver resposta rápida, eficiente, e não passar a mão na cabeça. O Poder Judiciário é um Poder de reafirmação de valores. E esses valores só são reafirmados quando tem a resposta da lei. E a lei prevê prisão, apesar de ser uma pena baixa, que começa com dois anos. A corrupção pode ser de R$ 500 milhões ou de R$ 1, (o que, aliás) não tem sentido.

BBC Brasil – Muito se discute o financiamento empresarial de campanhas nesse contexto.

De Sanctis – O que se falou nesses debates na Malásia é que o financiamento partidário dos políticos é um elemento para ser bem regrado pelo Estado, porque é um campo profícuo de corrupção.

Mas olha, não se combate a corrupção olhando do povo em direção ao governo. Se o particular não for honesto, não vai ter um governo honesto. A nossa tolerância é que faz com que a corrupção seja grande. E não porque os corruptos estão lá, como se fosse algo dissociado da cultura em que estão inseridos.

Só vou sentir aperfeiçoamento quando, ao andar na (av.) Paulista, não houver comerciantes que vendem sem nota fiscal e todo mundo achar isso tolerável. As pessoas sonegam como se fosse um fato da vida, quando não passa de corrupção. É o dinheiro público que não vai para o Estado.

E a resposta legítima do Estado só vai vir quando houver sustentação na sociedade. As manifestações de 2013 deram sustentação aos políticos para aprovar a Lei Anticorrupção. Nunca se pensou que essa lei fosse passar.

BBC Brasil – E o foro privilegiado? O senhor é um crítico…

De Sanctis – A seletividade dos juízes (nos julgamentos) é a primeira (ação) a ser combatida e isso não está entre as dez propostas do Ministério Público Federal de combate à corrupção, o que me causa estranheza.

Porque uma das marcas (necessárias) são a imparcialidade e a independência, de todos que têm o ônus e o dever de apurar crimes graves. E têm que ser garantidas com critérios objetivos.

E isso não é só para juízes. Do que adianta termos tribunais de contas cujos membros são indicados por conveniências políticas? Não pode ter apadrinhamento nos setores que cuidam de licitações públicas. Esses setores não podem ter cargos comissionados, senão perdem a razão de existir. É melhor ter auditorias independentes.

BBC Brasil – Na Lava Jato, advogados criticam o que chamam de concatenação entre o juiz Sergio Moro, o Ministério Público e a PF. E essa é uma crítica que já foi feita ao senhor no passado. Como vê isso?

De Sanctis – É uma crítica muito superficial. Esquecem que a polícia se qualificou muito, agregou conhecimento das investigações no passado. Está mais difícil ludibriá-la. As varas especializadas permitiram um ganho que levou a investigações cada vez mais eficazes. Isso vale também para o Ministério Público e para o juiz.

Sendo bem feito pela polícia, o trabalho provavelmente será ratificado pelo Ministério Público e reconhecido pelo Judiciário. Não adianta achar que houve concatenação ou ligação indevida.

Muitos delegados, quase todos, só conheci trabalhando. O relacionamento era meramente profissional. Um trabalho que acredito que deva ser como o do Paraná (Lava Jato).

BBC Brasil – Outras críticas são que prisões seriam usadas para obter delações e que o próprio instituto da delação premiada poderia levar pessoas a cometerem crimes planejando um acordo caso sejam pegas…

De Sanctis – Quando temos uma lei falando que a confissão é um atenuante, ela está estimulando a pessoa a confessar. Está exercendo uma pressão psicológica. Quando estabelece que a desistência voluntária de um crime ou arrependimento posterior tem diminuição de pena, está fazendo uma pressão psicológica, que é legítima. Com a delação premiada não é nada diferente.

A prisão, por si só, exerce pressão psicológica. A pessoa vai presa porque requisitos são preenchidos. E é óbvio que, ao delatar, vai esperar a soltura. O juiz, ao soltar, nada mais faz do que cumprir a legislação.

Agora, isso não significa que o delatado não é digno de ser ouvido. A palavra do delator não vale, em hipótese alguma, como prova absoluta. É só um caminho para a revelação do fato. Deve ser confirmada com outros meios, senão não basta.

BBC Brasil – O sr. foi um dos primeiros a atuar na apreensão de obras de arte….

De Sanctis – Quando falei para a Polícia Federal, em 2004, “vocês estão apreendendo bens, veículos e imóveis e se esquecem de obras de arte”, todo mundo me olhou como se isso fosse menos importante. Agora não se discute mais isso, por conta da Lava Jato.

Vi traficantes negociando obras para pagamento de advogados. E conseguindo adquiri-las de maneira muito fácil, nessas casas de leilões internacionais, que não têm nenhum compromisso com a prevenção à lavagem. O processo penal não é só condenar e absolver. Inclui a relação de bens e o tratamento deles porque sem apreensão não há o asfixiamento do crime organizado.

Falando nisso, a pessoa jurídica tem de ser responsabilizada. No Brasil, historicamente, pessoas físicas são responsabilizadas. Mas elas são substituídas, e as jurídicas continuam. Por isso o problema de empresas que reiteram na prática criminosa, principalmente aquelas que financiam campanhas políticas.

BBC Brasil – Como o sr. vê os acordos de leniência (feitos pela Controladoria-Geral da União, geralmente permitindo às empresas que confessem continuar prestando serviços ao governo)?

De Sanctis – A impressão que se tem é que os acordos estão sendo feitos para se acomodar o crime econômico. Isso não pode acontecer. Tem de ser sério, com a primeira empresa a falar. (Ela) não pode trazer fatos já conhecidos. Não pode ser um acordão que fique conveniente para as empresas e que dê sobrevida a quem não pode dar. A lei estabelece até a dissolução se for o caso.

O Brasil tem que realmente passar a limpo, com seriedade. E não usando a legislação para benefício do crime organizado. Espero que não seja isso que esteja acontecendo por parte da Controladoria-Geral da União.

BBC Brasil – O sr. foi um dos primeiros juízes a adquirir fama por casos de corrupção. Os ministros do STF viveram isso com o mensalão, e hoje o Moro. Fama colabora ou atrapalha?

De Sanctis – Quando eu ia dar palestra, juízes me colocavam em um pedestal. Eu saía do palco e dizia: “olha, nós somos colegas”. A pessoa colocada nesse pedestal pode perder o chão. Isso não é bom, a autoridade nunca pode perder o chão. Tem que fazer o exercício da humildade o tempo todo. Estou só cumprindo com o meu dever.

O que me marcou é que o sistema está de tal forma ineficiente que faz com que certas pessoas que estão atuando conforme a lei virem heróis. Isso é péssimo. Não é a pessoa física que precisa ser valorizada. É preciso ter instituições fortes que sejam valorizadas.

Redação

10 Comentários

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  1. As idéias dominantes na sociedade é o das classes dominantes

    karl Marx.

    Aliás as referidas classes são as praticantes. E o esquema repressivo da sociedade está montado para as classes subalternas e seus partidos.

  2. Eu sou intolerante com o De Sanctis

    Como boa parte dos membros do Judiciário que se colocam acima da média nacional, “nosostros” somos tolerantes com a corrupção. Ele apenas se livra de estar entre os tolerantes porque certamente se coloca acima dos simples mortais.

    Eu diria que ele, como membro da sociedade tolerante, tb é tolerante, pelo menos tolera a corrupção no seu local de trabalho.

     

  3. sonegação: corrupção ou legítima defesa?

    Sonegar em um país onde reina a bitributação, a super tributação sobre um bem, impostos criados a partir de hipóteses de incidência das mais estúpidas possíveis , Fatos geradores reincidentes sobre os mesmos bens, não se trata de corrupção. É legítima defesa. Ou até crime impossível, pois não sobra dinheiro para pagar os impostos que dizem, sonegamos.

    1.  
      Ai tenha santa paciência

       

      Ai tenha santa paciência meu caro pedro lorençon. Assim também vosmecê tá querendo jogar a porra toda na clandestinidade, e justificar qualquer ação deletéria com o carimbo da subjetividade em benefício próprio.

      Não que esse procedimento não seja muito bem aceito e largamente praticado pela nossa dígna sociedade, herdeira das mais puras tradições deixadas pela Casa-Grande. Onde sempre prevaleceu o senso de justiça, e os valores da bondade cristã ocidental. E, deixou frutos, como vimos recentemente durante os protestos dos coxinhas. Naquela expontânea manifestação de profunda indignação e revolta com a corrupção do pessoal do PT.  A bandalheira dos outros partidos, quando é citada, o juizeco moro replica:,..isso não vem ao caso.

      Eh ai, com sua quase proposta de legalizar a sonegação, que vosmecê me faz lembrar do integro e honesto professor Cardoso. Aquele senhor poliglota que se aposentou aos 35 anos, e, não teve nenhum escrúpulo em chamar os que se aposentam aos 40 e 50 de vagabundos. Esse mesmo sujeito que, quando presidente, colocou um guarda-costa como chefe da PGR, o tal de Brindeiro, para engavetar suas estripolias e trambiques. Tanto que alardeia que em seu mandarinato não houve roubo. Até ai, nada de mais, o diabo é que tem idiota que acredita.

      O safado, que quando não tinha ninguém olhando, tratou de comprar deputados para estuprar a Constituição que proibia reeleição, para presentear a si próprio, com um segundo mandato. Lembra? Olhe, que tem quem ache o FHC  um homem de bem.  Ou, seria de bens?…

      Orlando

    2. Sonegação é corrupção na

      Sonegação é corrupção na fonte! Sonegador não tem honra para falar de corrupto. Farinha do mesmo saco. O dinheiro público é fruto do imposto. Se se desvia na fonte (sonegador), na alocação (políticos) ou na execução (pública ou privada), é corrupção do mesmo jeito!

  4. O desembargador De Sanctis

    O desembargador De Sanctis seria o homem certo para conduzir a Lava Jato porque, certamente, não teria a seletividade anti-petista do juiz Sérgio Moro, umbilicalmente ligado ao PSDB. De Sanctis faria valer o dito mineiro: O pau que dá em Chico dá também em Francisco (em Pedro, Paulo, Aécio, Gilmar, etc).

  5. O poder justiceiro(nunca

    O poder justiceiro(nunca tivemos poder judiciário) sempre foi caracterizado por ser facilmente corrompido. Nunca vi um juizeco, um procurardor fazer algo que combatesse o que é marca registrada nesse imensor balcão de negócios desse país. .. Aliás, não há combate a coorrupção nesse órgão, existe apenas perssegição politica e punição para quem não tem dinheiro para particpar dos “negócios” dessa justiciaria tupiniquim. Esse órgão NUNCA evoluiu, sempre foi empregada do $, da indignidade. Também lembrei da PF dos tempos de fhc. Os viajantes motoristas, os representantes comerciais já separavam a propina para pagar aos policiais da PRF , estaduais para poderem passar com as “coisas”. A corrupção nos órgãos era total e absoluta SEM QUALQUER INVESTIGAÇÃO. País sem justiça anda`a deriva. Não há país que seja respeitado sem  judiciário independente, ético, digno e com homens/mulheres altivos, sem servirem de escravos bem pagos dos patrões mafiosos. Nosso judiciário é um antro que sempre envergonha nosso  país. Quando se lê a história do judiciário nesse país, dá um nojo danado. Será que nunca teremos dignidade nesse poder importantíssimo para qualquer país? As máfias tomam conta e a justiciaria as acoberta. Vergonhoso.

  6. Justiça brasileira é

    JUSTIÇA BRASILEIRA é tolerante com corrupção

    REVISTA PESQUISA FAPESP

    Privilégios ancestrais

    Livro sobre a Justiça em São Paulo na época colonial descreve as raízes dos desmandos públicos no Brasil

    MÁRCIO FERRARI | ED. 234 | AGOSTO 2015

    Reconstituir o funcionamento da Justiça no Brasil colonial é, ao mesmo tempo, mapear as estruturas de poder do período, reconhecer arraigados maus costumes e observar a formação de uma elite que se manteria dominante até as primeiras décadas do século XX. Esse recorte define o livro Direito e justiça em terras d’el rei na São Paulo colonial 1709-1822, de Adelto Gonçalves, lançado em julho pela Imprensa Oficial do Governo do Estado de São Paulo. Verificar e descrever as atribuições dos membros de uma rede de poder que ocupava cargos de ouvidores, juízes de fora, provedores, corregedores, juízes ordinários e vereadores foi um dos objetivos primordiais de Gonçalves, que procurou seguir uma tendência recente na historiografia brasileira, “que procura privilegiar as pesquisas sobre as formas de governar”.

    O autor, no entanto, não é da área de história e adquiriu familiaridade com o período que estudou pela porta da literatura. Jornalista aposentado, Gonçalves é doutor em Letras – Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e até 2014 lecionou língua portuguesa no curso de direito da Universidade Paulista (Unip), em Santos, que financiou sua pesquisa sobre a Justiça colonial em São Paulo. Seu interesse pelo assunto foi despertado por suas pesquisas de doutorado sobre o poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) e pós-doutorado sobre o poeta português Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805), esta realizada com apoio da FAPESP. Gonzaga foi ouvidor em Vila Rica e o pai de Bocage fez carreira no Judiciário em Portugal até ser acusado de desvios e cair em desgraça política. As suas pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa – complementadas no acervo do Arquivo do Estado de São Paulo –, permitiram estabelecer as atribuições dos altos funcionários do estado, começando pela relação completa dos governadores e capitães-generais (cargos concomitantes) no período estudado, corrigindo erros de listas anteriores.

    “Fui levantando a nobreza da terra, as pessoas que mandavam e recorriam à Justiça para conseguir privilégios, como cargos e títulos”, diz o pesquisador. Eram os chamados “homens bons”, “que usufruíam tanto quanto podiam de suas relações com os representantes do poder”. Dessa casta saíam os camaristas ou vereadores – membros das câmaras municipais –, que, até fins do século XVII, acumulavam funções administrativas com o exercício da Justiça ordinária. Em geral, as vilas, tanto de Portugal quanto das colônias, mantinham apenas um juiz ordinário e um juiz de órfãos. No Brasil os casos criminais ficavam a cargo dos primeiros, que se baseavam, para julgá-los, apenas nos usos e costumes. Muitas vezes as câmaras nem sequer tinham sede apropriada. “Os julgamentos eram feitos embaixo de árvores por autoridades que não tinham formação em direito nem a quem recorrer, porque raramente havia nas colônias alguém formado em leis”, diz Gonçalves. Essas autoridades eram chamadas de “juízes pedâneos” porque julgavam de pé.

    Já havia nessa época a figura do ouvidor-geral, criada por um regimento de 1628 que revogava a atribuição concedida aos titulares das capitanias hereditárias (capitães donatários) a fazer justiça nas terras de seu domínio. O envio regular de ouvidores e juízes de fora por Portugal, no entanto, só se deu no século XVIII. “Eram, pela primeira vez, especialistas em direito vindos da Universidade de Coimbra e tinham a missão de disciplinar e uniformizar a execução da Justiça”, diz Gonçalves. Como medida moralizante, os ouvidores não podiam se casar com mulheres residentes no Brasil sem autorização da Coroa, para não se envolver com as famílias poderosas e seus interesses econômicos. “Mas acabavam se envolvendo mesmo assim”, diz o pesquisador. “E, com o tempo, as famílias abastadas começaram a mandar seus filhos estudar em Coimbra e voltar aptos a ocuparem o cargo de juiz de fora.”

    Na prática, apenas os pobres eram condenados pela Justiça colonial. Segundo um regimento de 1669, o ouvidor tinha autoridade para executar a pena de morte, sem apelação, para os crimes cometidos por escravos e índios. Mas, se um juiz ou ouvidor pretendesse punir um grande proprietário de terra, estava correndo risco. “Os que tinham prestígio ou haviam prestado favores à Coroa eram intocáveis.”

    O ouvidor não podia ser preso ou suspenso por nenhuma autoridade local, nem mesmo o capitão-general. Suas decisões não se baseavam propriamente em leis formalizadas. Somente com o Regimento dos ouvidores-gerais do Rio de Janeiro, de 1669, e o Regimento dos ouvidores de São Paulo, de 1770, surgiram referências explícitas para aplicação geral de princípios. Foi também com esses decretos que o ouvidor-geral passou a ter o cargo civil mais alto das possessões portuguesas de ultramar. As apelações tinham duas instâncias, o Tribunal de Relação da Bahia e a Casa da Suplicação, em Lisboa, mas raramente os processos passavam da instância primária.

    Os ouvidores tinham enorme poder econômico em mãos, uma vez que cabia a eles a fiscalização do recolhimento de tributos e outras fontes de receita. Desde o século anterior, a maior parte dos ingressos financeiros de Portugal vinha das colônias ou das alfândegas. Também cabia ao ouvidor fiscalizar os gastos e a atuação de vereadores e juízes ordinários – embora não pudesse se imiscuir nas funções da Câmara, que, a essa altura, tinha suas atribuições autônomas reduzidas à execução de pequenas obras. O poder das Câmaras, ocupado por filhos e netos das primeiras elites, manteve-se de modo mais ou menos simbólico. “Eram ocupados por aqueles potentados que viriam décadas depois a ser chamados de ‘coronéis’”, diz Gonçalves.

    O poder nas mãos dos prepostos da Coroa era tal que, para obter e manter privilégios e recursos indevidos, jogavam com a possibilidade de estimular a secessão da Colônia. “Portugal era, a rigor, um país pobre nessa época”, diz Gonçalves. “Não tinha Exército ou outros meios para reprimir rebeliões pela força.” Foi assim que proliferaram as figuras dos “grossos devedores”, autoridades locais que desviavam tributos até que a Coroa, para recuperar essa “dívida”, entrava em acordo com vistas a um ressarcimento parcial. Segundo Gonçalves, “a questão fundamental residia na própria fragilidade do reino, que, para sobreviver, sempre permitia brechas para ações praticadas sob a proteção do próprio Estado”.

    A própria narrativa histórica dominante até há poucas décadas traz sinais desse modelo – enquanto os posseiros ricos e, até certo ponto, aliados da Coroa foram identificados como desbravadores, os lavradores que ocupassem terras eram “invasores” ou “intrusos”. “Como mostram os documentos, os juízes quase sempre usaram o direito para interpretar cartas de doação, revogação de sesmarias, sucessões e desmembramentos de terras de acordo com os interesses dos poderosos locais”, diz o pesquisador.

    http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/08/13/privilegios-ancestrais/

  7. O Brasileiro é corrupto, vamos ser franco.

    Não todos, mas grande maioria não tem respeito com o patrimônio público.

    Eles acham,  que por conta de ser do Governo, do Estado, é definido com “é de graça”, sem valor.

    Não tem zelo pelas coisas públicas.

    Obras, instrumentos, peças, tudo que é público não tem dono. Então não tem valor.

    Destroem, roubam, desviam.

    Escolas públicas são depredadas, móveis e imóveis públicos, também.

    Obras públicas então… roubam de tudo. 

    Canos de esgotamento sanitário, materiais de construção, merenda escolar é clássico, remédio, tudo que tenha algum valor por mínimo que seja. Até cabos elétricos de iluminação pública, quando dá.

    tudo, completamente tudo. E se acham espertos, por terem tido a oportunidade de “sua vez”.

    Minha vez chegou, deve ser o pensamento.

    É  preciso acabar com essa cultura da corrupção, não de quem é somente funcionário público, mas do povo.

    A corrupção esta no povo, arraigado dentro dele. Sua origem.

    E dele para dentro do governo, da Política, do Judiciário, da Administração Pública.

    Como mudar isso? Através da educação, campanhas publicitárias, exemplos, escárnio, e principalmente: Punição.

    Cadeia, e o Judiciário deveria ajudar… mas…

    ENTÃO, TEM QUE  EDUCAR MESMO O POVO PARA NÃO ROUBAR A COISA PÚBLICA.

    Vamos ser franco.

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