Petrobras e o aparelhamento do setor energético

Diretor executivo da Petrobras e responsável pela área de Negócios de Gás e Energia da empresa explica porque Estatal se tornou parte central do jogo de corrupção no país 
Ildo Sauer explica porque Estatal se tornou parte central do jogo de corrupção no país
 
Jornal GGN – As altas margens de lucro e baixo custo de produção, que chega a 10% do valor de mercado, podem responder porque o sistema energético brasileiro foi colocado como parte essencial da corrupção nos últimos anos, no Brasil. A avaliação é do engenheiro e diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, Ildo Sauer, em entrevista ao portal IHU On-line.
 
Sauer, que também foi diretor executivo da Petrobras e responsável pela área de Negócios de Gás e Energia da empresa entre 2003 e 2007, sempre se destacou por suas fortes decisões em defesa da Petrobras, contra o modelo de partilha e às grandes obras para o setor energético colocadas em andamento nos governos Lula e Dilma, sendo exonerado do cargo na Petrobras, ainda no governo Lula.
 
O professor da USP acusa que setores públicos e privados de instrumentalizarem as riquezas energéticas no Brasil, o que, para ele, explica a destruição da Petrobras e da Eletrobras, usadas como “muletas para sustentar projetos como Belo Monte, do rio Madeira, e outro projetos na área eólica e na transmissão de energia”. 
 
Sauer afirma que já em 2006 identificava os problemas internos da Petrobras, derivados de esquemas corruptos partilhados por gestores e administradores da estatal que formavam uma rede junto com empreiteiras que, mais tarde foi colocada sob a luz, quando estourou a operação Lava Jato. Dentre as manobras irresponsáveis identificadas pelo professor estava, por exemplo, o fato de a Petrobras distribuir gás natural pela metade do preço do mercado, “sendo obrigada a vender energia mais ou menos a 20% do custo para que os 660 grandes consumidores pudessem se beneficiar disso”. 
 
 
IHU-Unisinos
 
A instrumentalização do sistema energético brasileiro e a transformação dos políticos em capitães-do-mato. Entrevista especial com Ildo Sauer
 
Por Patrícia Fachin
 
Uma das explicações possíveis para compreender por que os projetos do setor energético como um todo estiveram no “âmago” da corrupção entre o setor público e o setor privado nos últimos anos, é a alta margem de lucro e de excedente econômico gerado, justamente porque, nesses setores, a concorrência econômica é baixa, diz o engenheiro e diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, Ildo Sauer, à IHU On-Line.
 
“Os projetos do setor elétrico estavam no âmago disso, porque nos setores convencionais da economia, aqueles concorrenciais, como supermercados, padarias, farmácias e nas indústrias competitivas, a margem de lucro é muito pequena. Mas há setores da economia que não são concorrenciais, que são aqueles em que a natureza provê as bases materiais para a produção de bens e insumos, cujo custo de produção é geralmente 10% do seu valor de mercado, como é o caso do setor de petróleo, do setor de minérios, e os potenciais hidráulicos”, afirma.
 
De acordo com Sauer, os setores ligados à área de energia “se expressam” com muita “força” “dentro do sistema político” “para catapultar uma parte do excedente econômico ou até mesmo o superlucro, seja via contratos, seja via benefícios, conseguindo comprar insumos mais baratos”. O excedente econômico gerado nos últimos anos no setor de energia, lamenta, “foi utilizado muito mais em benefício daqueles que detinham e sempre mantiveram o poder de barganha”, com a criação dos chamados “Campeões Nacionais” à custa de financiamento público e de aumento do endividamento público federal interno, que financiou as ações do BNDES. Se não bastasse isso, assinala, os envolvidos nessas negociatas “impediram que essa bonança se espraiasse para um grupo muito maior de pequenas e médias empresas, que não tinham acesso aos contratos públicos em lugar algum”.
 
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o ex-diretor executivo da Petrobras e responsável pela área de Negócios de Gás e Energia da empresa entre 2003 e 2007, quando foi exonerado durante o governo Lula, explica como as empresas públicas, a exemplo da Petrobras e da Eletrobras, foram “destruídas” e “serviram de muleta para sustentar projetos como Belo Monte, como os do rio Madeira, outros projetos na área eólica e na área de transmissão de energia”. O setor de energia brasileiro, enfatiza, “foi instrumentalizado em uma teia” em favor de alguns grupos, aos quais “os governantes passaram a ser subordinados diretos mediante pecúnia, mediamente uma rede de pagamentos, que os tornavam meros capitães-do-mato desses segmentos (serviçais do senhorio e da elite que oprimem e se transformaram em inimigos do povo)”.
 
Segundo ele, ao longo dos últimos anos os problemas internos da Petrobras eram vistos como derivados de “equívocos, de erros, de percepções equivocadas, não imaginávamos que eram intencionais”. Entretanto, pontua, depois das revelações da Lava Jato, “ficou claro que grande parte desses que pareciam ser equívocos, na verdade eram crimes. E o pior é saber que eles foram feitos com apropriação e incentivo do sistema político partidário que se impôs sobre a vontade democrática da população, para se manter no poder e partilhar esses benefícios e excedentes entre essa rede de empreiteiras, gestores e dirigentes nomeados, que nunca passaram de despachantes de interesse. Essa expressão eu cunhei em 2006, quando reagia às pressões que vinham do Planalto em relação a várias iniciativas que não eram viáveis, que eram impossíveis, como, por exemplo, vender gás natural pela metade do preço ou continuar mantendo a Petrobras como as outras estatais, ou seja, sendo obrigada a vender energia por mais ou menos 20% do custo para que os 660 grandes consumidores pudessem se beneficiar disso”. E dispara: “Naquele tempo enviávamos cartas, explicávamos que o modelo estava errado e precisava ser corrigido, e nada tinha efeito. Hoje vem a clareza de que aquilo não era equívoco, era intencional e levava à mais alta esfera do poder, incluindo os dois ex-presidentes que se chamam de esquerda”.
 
Ildo Sauer é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo – USP.
 
Confira a entrevista.
 
IHU On-Line – O senhor sempre foi um crítico das políticas dos governos Lula e Dilma ao setor elétrico. Como está acompanhando e reagindo às investigações da Operação Lava Jato e às delações, que denunciam relações ilegais entre o setor público e o privado na realização de grandes obras, como as hidrelétricas de Belo Monte e as do Rio Madeira e Jirau?
 
Ildo Sauer – Eu tenho acompanhado tudo isso. Quando fui demitido da Petrobras, em 2007, emiti uma carta que acabou sendo publicada com o título “Sem alegria e sem espanto”. Eu retratava, naquele momento, a profunda frustração resultante do contraste entre aquilo que foi formulado como um programa de governo da Frente Brasil Popular, em 2002, e aquilo que eram as possibilidades reais de implementação e o que estava realmente sendo entregue e realizado. Naquele tempo havia uma consideração que se tornou muito popular, que era a palavra mágica chamada “governabilidade”. Então, de certa forma, todas as forças que apoiavam esse projeto se subordinaram ao que estava vindo do núcleo duro do governo, dizendo que tudo o que ele fazia era para o bem do projeto e para garantir a governabilidade e que, finalmente, o governo entregaria, ainda que por um caminho diferente do inicialmente formulado, os resultados prometidos. Isso aconteceu em 2007, ano em que fui destituído da Petrobras, quando o Lula disse para alguns intermediários que eu não estava ajudando. Em nome da construção de um projeto e da coerência, eu retornei às minhas funções da mesma forma que entrei: sem alegria, mas também sem espanto, depois do que eu havia vivido.
 
Perplexidade e tristeza
 
A contradição interna se avolumou tanto que só havia uma saída para alguns setores: sair do governo. Isso aconteceu há 10 anos. Agora eu já não usaria a mesma expressão de antes, e diria que, com profunda tristeza e com muita perplexidade, vejo que aquilo que se percebia como sendo uma decadência acelerada entre o prometido e o realizado, se deteriorou muito mais do que se imaginava. Havia claros indícios de contradições do governo como um todo, particularmente do setor de energia – o setor de eletricidade, os setores do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis -, que foi objeto de grandes disputas e onde grande parte desses descaminhos se materializaram.
 
A perplexidade e a profunda tristeza vêm do fato do que se construiu, ao longo de décadas, no enfrentamento da ditadura, a partir do movimento sindical que buscava garantir sua autonomia, do papel da Igreja, e de outras igrejas que se juntaram à Igreja tradicional, dos intelectuais. Ou seja, um conjunto de forças foi aglutinado pelo menos ao longo de duas décadas e meia – do final dos anos 1990 até o começo do milênio, em 2002 -, quando finalmente aquilo que parecia quase impossível se materializou: um grande movimento popular, liderado pelo Partido dos Trabalhadores – PT, venceu democrática e indubitavelmente as eleições em nome de um programa transformador.
 
As sementes da dissolução
 
Mas agora, olhando em retrospectiva, parece que as sementes da dissolução daqueles valores e princípios já estavam plantadas, porque as revelações dos últimos tempos indicam que já estava claramente em curso um processo de manutenção do discurso tradicional e uma prática que se opunha a esse discurso. É aquilo que alguns chamam de second life – aquele modismo da informática -, onde as personalidades conseguiam ter duas vidas: uma vida de fantasia na informática e a vida real. Na política houve uma inversão: o discurso se tornou a versão fantasiosa, e a conduta concreta das decisões se tornou, cruelmente, o mundo real que pautava as ações. Então, nesse sentido houve uma contínua deterioração das alianças, das forças e, progressivamente, decepções.
 
A ilusão econômica e o alívio temporário
 
É claro que a grande âncora que sustentou esse processo veio do âmbito econômico. Na área social, as tensões estavam relativamente pacificadas, apesar de alguns conflitos que afloravam nas áreas da reforma agrária, do setor elétrico, do petróleo, das favelas, da segurança ou da saúde, mas de modo geral o que perpassava era um profundo sentimento de esperança na área social. E, na área econômica, ao contrário do que alguns analistas entendem, a grande solução veio de uma mudança quase que inesperada do ponto de vista das teorias convencionais, mas que tem um fundamento muito forte: a emergência da China e de parte da Índia como grandes demandantes de produtos primários. Isso alterou profundamente as históricas relações de deterioração dos termos de intercâmbio, em que os preços dos produtos primários eram progressivamente desvalorizados e a repartição do valor era produzida entre a periferia e o centro, embora pendesse sempre para o centro.
 
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Redação

5 Comentários

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  1. de volta ao começo: sem um projeto nacional

    Resumo da ópera dos governos Lula e Dilma: sem fôlego para pensar um “projeto de nação” o PT partiu então para o toma lá da cá para criar um projeto de poder às custas do setor energético.

    Carlos Lessa tentou, de dentro do BNDES, discutir algo relacionado a desenvolvimento e projeto nacional e foi sumariamente demitido por Lula sem nenhuma justificativa.

    estamos de volta ao começo: numa crise politica dessa magnitude ter que pensar um projeto nacional.Talvez seja um bom começo para se pensar em nomes para 2018.

    se o PT em 13 anos não fez essa discussão por que faria doravante ?

     

     

     

     

    1. autocrítica

      concordo plenamente. o PT não sabe fazer uma autocrítica, não são humildes. não adianta, vão perder as eleições, pois não souberam conversar em prol do País, mas sim de um projeto de poder, simples assim.

  2. Correção

    Só lembrar que o Ildo era contra o modelo de partilha, porém ele defendia algo ainda mais estatizante.

    Além de duas observações: 1) suas intervenções são muito prolixas, não atinge o público comum, que chega a achar que ele é de direita, tamanho “radicalismo”

    2) Pessoalmente, parece-me um ressentido. Fala aos quatro cantos que a Dilma é corrupta e incompetente. Ou seja, juntando seu posicionamento politicamente radical (para os padrões de um governo de centro, como foi o do PT) com o ressentimento pessoal que carrega consigo, não tem muito futuro político como um técnico. Ele teria que escolher. Ou ser ressentido e vender seu prestígio para algum direitoso durante a campanha, que uma vez eleito, descartá-lo-á

    Ou defender algum partido de extrema esquerda com o risco de nem ser ouvido.

    Lembrar que nas eleições de 2014 ele apoiou a Marina.

    1. pingos nos is

      não vi nada de ressentimento. ele apenas colocou os pingos nos is. mas os petistas não sabem aceitar os erros, são arrogantes. não vão ganhar as eleições, simples, aceitem isso, arrogantes!!!

  3. Competente, honesto mas…não entendi

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=qTZv0QK6rF4%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=4fHu5929Q5Y%5D

    1-  Sauer sempre foi contra o regime de partilha, chegou a afirmar que o apoiaria se a Petrobrás ficasse com 100% da produção, num sistema de prestação de serviços que, não sei do que se trata, mas provavelmente petroleiras como Shell, Chevron, bem como chinesas, norueguesas e outras sendo remuneradas pelo serviço prestado, o que não deixa de ser interessante: vc já pensou se uma Vale, as teles, a CSN, Bunge, Cargil e outras aceitam esse tipo de negócio…

    Concordo com Sauer quanto a necessidade de estatização de 100% da Petrobrás…afinal de contas quem não sonha com esta empresa [e outras] pertencendo a todo o povo, que bom se estas corporações, nas várias áreas, da agricultura à pecuária passando pela exploração do ouro e outros minérios existissem, senão como prestadoras de serviço, pelo menos cooperativas sob comando dos nós cooperados, os cidadãos,,,..,,neste caso sentiriamos de fato a sensação de pertencimento desta coisas que nos dizem respeito…..se bem que é bem provável que essa forma de propriedade se torne regra noutras plagas que não Pindorama: mas não custa sonhar, né.

    2-  Sauer é um patriota e grande conhecedor do campo petrolífero e energético, no entanto acho por demais idealista ao ignorar por exemplo  interesses e demandas de um mercado nada ético, o que é tipico do capitalismo, aliá, o campo progressista não tem  controle sobre o mercado e os meios de produção que, como sabemos, fomentaram o golpe de Estado e hoje, de fato, aparelham o Estado, os Conselhos das estatais, bem como as direções das Agências Reguladoras, estão hoje sob controle das empresas do setor…agora sim, há aparelhamento,  veja em que pé está a situação, isso só para ficarmos no Setor Elétrico, pois ainda temos o desmonte do pré-sal com a venda dos ativos da Petrobrás a preço de banana;

    “A venda parcial ou total de nossos ativos de distribuição será benéfica para todos os nossos públicos e interesses.”

    https://theintercept.com/2017/05/05/em-plena-campanha-por-cortes-eletrobras-eleva-em-29-gastos-com-remuneracao-da-diretoria/

    3-  Estranho esses ataques, não entendi a motivação, ai me vem a mente a questão Pasadena. Como se sabe, Pasadena tem dado lucros, além do fato de que, quando o negócio foi realizado, era tido como viável, o que veio abaixo quando o pré-sal foi descoberto, Pasadena não ficou tão vantajosa apesar de dar lucro atualmente. Não creio que Sauer tenha agido com má fé no caso Pasadena, mas há um processo em curso.  

    Sauer ignora que Dilma e Lula não mediram esforços para colocar em práticas republicanas em todos os setores do governo, tendo isso de uma certa forma possivel, basta ver o que ocorre no momento atual sob o comando do governo golpista. O prolema é que Dilma e Lula estavam submetidos a limitações como governo de coalização,  busca da governabilidade numa quadro em que o campo progressista era minoritário no Congresso, contratos de privatização difíceis de serem cancelados sem que o pais fosse levado às barras de tribunais internacionais como OMC por quebra de contrato…

    O ex-diretor Ildo Sauer  foi condenado pelo TCU no caso Pasadena,  posso estar errado, mas fiquei com a impressão de que ele Sauer está tirando o corpo fora ao transferir a culpa para Lula e Dilma, os quais ele  Sauer não considera como de esquerda….hum…

    TCU responsabiliza diretores e isenta conselheiros da Petrobrás por compra de Pasadena

    https://jornalggn.com.br/noticia/tcu-responsabiliza-diretores-e-isenta-conselheiros-da-petrobras-por-compra-de-pasadena

    AGU cobra R$ 2 bi de diretores da Petrobras por Pasadena – A AGU decidiu cobrar na Justiça o prejuízo estimado …

    Som na caixa…

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=IauHEJCzZoo%5D

     

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