Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB fala sobre os processos contra os blogs

Sugerido por Luciano Prado

Do O Cafezinho

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB defende blogosfera

por  

O Cafezinho tem a honra e o prazer de publicar uma entrevista, exclusiva, com Wadih Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e presidente da Comissão da Verdade do Rio, realizada dias atrás. 

Wadih não tem medo de nenhum assunto. Encarou tudo: processos contra blogueiros, ativismo judicial, mensalão, moralismo, criminalização da política, as peripécias de Joaquim Barbosa, democratização da mídia, reforma política.

Acho que foi a melhor entrevista que já fiz na vida, porque tocou nos temas politicamente mais sensíveis nos dias de hoje.

Essa entrevista tem uma importância especial para mim, e outros blogueiros, porque Wadih nos fornece uma teoria importante para nos defender da tentativa da Globo de nos asfixiar financeiramente, através de um artifício sórdido: os inúmeros processos que seu diretor de jornalismo, Ali Kamel, vem movendo, obsessivamente, contra vários blogueiros.

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Íntegra da entrevista com Wadih Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Minhas perguntas estão em negrito, as de Wadih, em fonte normal.

Cafezinho: Eu estava conversando com meu advogado, que me falava dessa onda conservadora no Judiciário. Teve a condenação do Azenha [blog Viomundo], na semana passada, a quem o Ali Kamel [diretor de jornalismo da Globo] também está processando. Ele perdeu em primeira instância, recorreu, perdeu de novo…

Wadih: Por dano moral?

Cafezinho: Sim, dano moral. A Justiça reduziu de 30 para 20 mil reais o valor da indenização, mas ele perdeu o processo. Estava conversando com meu advogado, o objetivo não é…

Wadih: Ganhar dinheiro.

Cafezinho: Sim, é mais para intimidar, porque ele vê a blogosfera como uma ameaça ao poder político do qual ele se acha um representante. Não fico intimidado por esse processo, mas é intimidante pensar que o Judiciário pode estar chancelando isso. O Judiciário pode querer se tornar um poder moderador?

Wadih: Ao longo dos anos, quando se trata da questão do Judiciário, eu sempre tenho reiterado que dos três poderes, o Judiciário é o mais conservador. Numa série de aspectos. O Judiciário não é eleito. Os juízes tem uma formação positivista. São recrutados, majoritariamente, na classe média (alta). E isso, sem sombra de dúvida, acaba se espelhando em suas decisões.

Essas ações de danos morais, dependendo de quem propõe a ação, quando é proposta por autoridades que exerçam qualquer poder, seja poder político, seja poder econômico, seja detentor de cargo público ou não, ela acaba sendo um instrumento de intimidação contra a outra parte.

A doutrina em relação ao dano moral é quase unânime no sentido de que quando se trata de pessoa pública, quando se trata de alguém que desempenha cargo público, a esfera do dano é diferente de quando se está tratando com um cidadão comum.

A pessoa pública está exposta a isso. Ela está sujeita à crítica, inclusive a crítica veemente.

É claro que pode ter havido uma agressão desmedida, um abuso, mas isso tem que ser observado com muito cuidado, e só em casos extremos deve haver condenação.

Alguém que ocupa um cargo de destaque, num grande jornal, numa emissora de televisão, está sujeito a críticas. Crítica veemente. E infelizmente o que nós temos visto em algumas decisões do Judiciário, aliás em muitas decisões do Judiciário, é chancelar essas tentativas de intimidação. A tentativa de calar a crítica. E isso não deixa de ter seu viés autoritário.

E isso é o mais grave porque tem uma aparência de formalismo democrático. Formalmente, o réu dessas ações se defenderam normalmente, tiveram todos os seus prazos respeitados, constituíram advogado, são processos que tramitam normalmente. Mas o conteúdo dessas decisões acabam servindo de instrumento para intimidação. E isso é que é o pior: com um formato democrático.

Tem uma aparência democrática, mas um fundo autoritário.

O judiciário acaba se prestando, a partir dessas decisões, a ser um instrumento de intimidação, de calar as vozes críticas.

Cafezinho: Pois é, de um lado você tem o diretor da maior corporação de mídia do país, representado por advogados que prestam serviços para esta mesma corporação, e ele está processando uma série de blogueiros. São vários blogueiros. Chega a ser irônico, na acepção negativa, trágica, do termo, que é ver o executivo mais bem pago da comunicação brasileira tentando arrancar dinheiro dos blogueiros, que, ao menos em sua condição de blogueiros não ganham quase nada. Alguns ganham bem em seus empregos, mas são assalariados, e não a ponto de poder enfrentar processos intermináveis, contra Ali Kamel.

Ali Kamel mobilizou oito advogados da Globo para condenar o Cloaca News, um blog de humor, pequenino, por causa do vídeo que ele publicou.

A gente crítica muito a mídia, acha que ela exagera, mas o que a gente pede é direito de resposta, não retaliação financeira, porque aí nós perdemos.

No campo do debate de ideias, eu posso lutar de igual para igual com qualquer pessoa ou corporação, porque eu tenho confiança no meu potencial intelectual, mas não posso travar uma luta jurídica-financeira contra a Globo ou Ali Kamel. Aí é covardia.

Wadih: Eu, como advogado, tomo sempre cuidado de não falar sobre casos que eu não conheça concretamente. Estou falando aqui em tese. Se eu fosse juíz, eu avaliaria todos esses dados antes de tomar uma decisão. Se há uma categoria sendo sistematicamente sendo processada, isso pode gerar a convicção de que há tentativa de intimidação.

Talvez alguns elementos de analogia poderiam ser aplicados. Por exemplo, os advogados também são uma categoria profissional que vivem da palavra. Muitas vezes, na defesa de seus clientes, o advogado é duro, e se expressa de uma forma veemente, quase na fronteira da ofensa. A Lei da Advocacia diz o seguinte, que no exercício da profissão, aquilo que está dito pelo advogado, no curso do processo, ainda que ele tenha cometido injúria e difamação, ele não pode ser punido por isso. Ele pode ser punido pela calúnia, que é um crime mais grave, atribuir a alguém uma prática de crime.

Em se tratando de pessoas públicas, podia-se aplicar um princípio semelhante. E estou usando o termo pessoa pública num entendimento bem amplo, grandes executivos, próceres dos grandes jornais…

Cafezinho: Diretor de jornalismo de uma concessão pública…

Wadih: É, tem uma série de critérios aí que reforçam minha convicção de que, em ações como essas, um juiz tem que sopesar bem, porque ele pode estar contribuindo para intimidar. Contribuindo para calar a voz da crítica. Aí sim, é um atentado contra a democracia.

Cafezinho:Há risco desse tipo de intimidação se tornar jurisprudência?

Wadih: Decisões de primeiro grau não formam jurisprudência. Apenas decisões dos tribunais intermediários e tribunais superiores.

Cafezinho: Nossa preocupação é a seguinte. Há uma identificação, por parte inclusive de organismos internacionais, de que a mídia brasileira é muito concentrada. Há um relatório recente da ONG Repórteres sem Fronteiras falando do Brasil cujo título é “O país dos 30 berlusconis”, no qual se identificam 30 famílias que dominam a mídia nacional.

Quando surge a blogosfera e as redes sociais, elas oxigenam o debate político, porque oferecem mais pluralidade… agora a blogosfera surge com algumas dores. Ela é uma coisa nova. Não tem ainda formas de financiamento. Você falou sobre os advogados, que às vezes precisam defender um posicionamento com dureza. O blogueiro também. Isso se chama liberdade de expressão. E você caminha no fio da navalha. Uma crítica veemente, uma ironia mordaz, às vezes pode parecer ofensa. Sem contar o limiar às vezes tênue entre a linguagem do jornalismo e a linguagem da literatura…

Wadih: O judiciário deveria ser o poder mais próximo da sabedoria, porque o juiz tem um poder às vezes quase divino. Em alguns países ele pode decretar a morte de alguém. Aqui ele pode botar alguém na cadeia, tirar alguém da cadeia, pode acabar com seu patrimônio material, pode abalar o seu patrimônio moral, então o exercício desse poder tem de ser de fato não moderador, mas moderado.

O saudoso ministro Evandro Lins e Silva sempre dizia: quando eu era juiz – ele foi ministro do Supremo Tribunal Federal – antes de entrar fundo na causa, em seus aspectos técnicos, aplicando os dispositivos legais pertinentes, eu primeiro estabelecia como aquele caso seria um julgamento justo. Estabelecido isso, eu adequava isso à lei, à jurisprudência. Agora a maior parte dos juízes não age dessa forma.

O problema não é só a blogosfera. Alguns jornais do interior do Brasil, muitas vezes são condenados, são aplicadas a eles condenações altíssimas, pecuniárias, e simplesmente são forçados a fechar o jornal. E tudo isso em processos conduzidos pelo poder local, pelo prefeito. Se um juiz não leva isso em consideração… Uma coisa é a esfera privada, um vizinho meu que me xinga, me agride, outra coisa é quando o objetivo da crítica é uma autoridade, um governamente.

Cafezinho: O lamentável é que a grande mídia parece pensar que só quando atacam ela, aquele grupinho fechado de donos de grandes meios, há uma agressão à liberdade de imprensa. Quando é um jornal pequeno, quando é um blog, ela não dá bola. As organizações nacionais, como a Aberj, ou mesmo internacionais, como a SIP, não protegem nenhum pequeno, nenhum médio. Pelo contrário. Quer mais é que os pequenos e médios se explodam, porque aí canaliza mais poder para eles. Que é o aconteceu no Brasil nos últimos anos. Somos um dos países com menos jornais locais. São raros os jornais regionais, sobretudo municipais, que tenham um mínimo de força. Em geral são totalmente manietados pelo poder local, pela prefeitura.

Wadih: Isso mostra que ainda temos um déficit de democracia.

Cafezinho: Talvez haja um pouco de herança da ditadura…

Wadih: Tem um viés autoritário. A ditadura resolve as coisas na força bruta. O problema é quando o poder se vale de ritos democráticos para exercer o autoritarismo. O sujeito não resolveu as coisas através de seu amigo, delegado de polícia, mas pela via correta, pelos trâmites democráticos, mas com uma intenção autoritária. É isso o que torna a situação mais dramática. O juiz não foi corrompido ou coagido, mas ele optou pela solução mais autoritária.

Cafezinho: Esse é o grande risco, na minha opinião. Em Honduras, houve um golpe de Estado, conduzido pelo STF local, e me lembro que o Arnaldo Jabor foi para o Jornal da Globo e falou em “golpe democrático”.

Wadih: Aqui no Brasil a gente tem esse fenômeno, que é o chamado “ativismo judicial”, que é uma interferência inadequada do Judiciário nos outros poderes. Agora, existe um clamor por isso. Aliás, sempre há clamor. A polícia, quando extermina, quando tortura, mata, desaparece, hoje não mais tanto, como no passado, com presos políticos, mas com pobres, pretos, favelados, existe um amparo na sociedade para isso. A polícia não faz isso apenas porque é arbitrária e formada na ditadura. Na própria ditadura, nas próprias ditaduras, sempre existiu clamor para que elas se afirmassem. No Judiciário, também há um clamor punitivo. Há setores que acham que o direito penal resolve os contrastes da nossa sociedade. Não se trata apenas da cabeça do juiz e da polícia. Eles tem uma chancela social. O clamor punitivo, que passa por esse moralismo rasteiro. Há uma criminalização enorme da política. Quantas vezes na rua a gente vê, em filas de banco, na padaria, a gente ouve as pessoas repetindo que político é tudo ladrão. Muitas vezes, o próprio Parlamento, intimidado, acaba chancelando isso através de projetos de lei. O ativismo judicial tem um cunho autoritário muito intenso.

Os juízes, sobretudo nos tribunais superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal, dizem que esse ativismo é necessário por causa da inércia do poder legislativo. Isso não é verdade. Ou é em parte verdade. Eles atuam de qualquer maneira. A justiça eleitoral, por exemplo, legisla. Ela exerce um poder legislativo. E sempre em detrimento da democracia. Sempre restringindo o processo eleitoral. Transformando as eleições em algo burocrático. Isso também tem seus valores. A eleição suja a cidade, dizem. Essa assepsia é própria da ditadura.

Outro dia estava vendo um filme, A Grande Luta de Muhammad Ali. Num primeiro momento, você acha que é uma das lutas memoráveis no ringue, mas não. É a batalha de Ali na Suprema Corte americana para que não fosse considerado desertor. Ele se recusou a lutar na guerra do Vietnam, por uma questão de consciência. Sua religião – ele era muçulmano – não lhe permitia matar outras pessoas. A Suprema Corte tinha de decidir se aquele era um caso de objeção de consciência. Lá nos EUA, é uma praxe dos juízes se reunirem antes do julgamentos notórios, com grande visibilidade na mídia, para trocarem ideias e praticamente decidirem ali. O que não deixa de ter um certo autoritarismo, porque é o presidente da corte quem faz isso e tenta convencer os juízes para votarem com unanimidade. A tendência inicial era de que não aceitassem o argumento de objeção de consciência, o que levaria Ali à cadeia. Alguns juízes que defendiam a tese da objeção de consciência resolveram fazer política internamente. Ficou acertado então o seguinte: essa decisão só valeria para Muhammad Ali, não formaria jurisprudência. Aí foi para o bem. Para livrar alguém da cadeia. Para não prender um grande ídolo, um homem respeitado. Pode ser que aqui no Brasil, as decisões no julgamento do processo chamado mensalão só tenha valido para esse processo, só para colocar algumas pessoas na cadeia. Pode ser. Quando eu assisti a esse filme, de imediato eu lembrei do mensalão. E se não me engano, algum ministro, numa entrevista – eles dão muita entrevista, acho que é a corte suprema que tem ministros mais loquazes -, falou isso, que as decisões só valeriam para esse processo.

Agora, na prática, não é verdade. Tenho notícia de colegas advogados que muitos elementos ideológicos do processo do mensalão já começam a ser aplicados em decisões de tribunais intermediários: a valorização de indícios, não da prova; a dispensa de provas para condenar. Isso é algo que a vida é que vai mostrar. Vamos ver se acontecerá o que houve com Muhammad Ali, ou de fato, o mensalão irá formar jurisprudência. Eu não sei o que é pior: ter a consciência de que uma ação penal foi julgada politicamente, ou se os elementos usados nessa decisão vão formar jurisprudência.

Cafezinho: Escrevendo sobre o mensalão, a gente acaba estudando muita coisa sobre teoria penal, filosofia penal, e pelo que eu estudei de filosofia penal moderna, sempre que há alguma dúvida, esta deve ser em favor do réu.

Wadih: Isso não é teoria penal moderna. É teoria penal universal. É um princípio de todo o direito penal democrático. Evandro Lins e Silva dizia isso também: é melhor deixar um culpado solto, do que um inocente na cadeia. Isso é uma decorrência da presunção de inocência.

Quando o juiz, por mais que haja elementos que possam levar a condenação, tem uma dúvida, justa, ele tem que absolver.

Eu não questiono o poder judiciário. Muitas vezes a decisão correta é mandar pra cadeia. Muitas vezes a decisão correta, à luz daquele ordenamento jurídico, é condenar à morte. Expropriar bens. Isso é o poder inerente ao poder judiciário. Mas ele tem que usar esse poder de forma moderada.

Cafezinho: Além disso, é vitalício. O presidente da república tem um mandato fixo, depois do qual ele volta a ser um cidadão comum.

Wadih: Isso eu também não questiono. Nos EUA, há estados onde juízes são eleitos, em outros que não. Mas na maior parte dos países, os juízes não são eleitos. Só pelo fato de ser um poder que já nasce fora do povo, do poder popular, o juiz tem de agir moderamente. Numa ação penal, todos esses princípios, de moderação, tem de ser observados intensamente. O contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência.

O juiz só pode condenar de acordo com os autos. A convicção dele só pode se dar em acordo com os autos. Um julgamento penal no Supremo Tribunal Federal não pode ser considerado igual ao julgamento de anencefalia, marcação de terras indígenas. Nesses casos, são julgamentos de ordem política, e o STF é uma corte política. Ela não julga só juridicamente. Ali os juízes podem manifestar suas posições e convicções ideológicas, religiosas. Agora, numa Ação Penal?

Cafezinho: Você lembra que o grande constitucionalista português, José Canotilho, esteve no Brasil onde deu entrevistas afirmando que o nosso STF é o mais poderoso do mundo?

Wadih: Por isso muitos juristas, e modestos advogados como eu, defendemos a criação de um Tribunal Constitucional Exclusivo, que não é esse STF; com mandato, não mandato vitalício. Só julgando causas constitucionais. Um tribunal assim obviamente não julgaria a Ação Penal 470.

Cafezinho: Hoje saiu uma matéria nos jornais informando sobre uma nova lei que entra em vigor contra a corrupção, aumentando as punições contra o corruptor. Aí você vê o Congresso Nacional agindo contra a corrupção.Criando leis efetivas contra a corrupção. É bonito ver o parlamento se mexendo e se você analisar o parlamento faz muita coisa. E aí Joaquim Barbosa vai em Londres falar que a classe política brasileira é uma porcaria, que as instituições são ruins. Você acha que Joaquim Barbosa se excede um pouco ao falar tanto de política? É função dele falar de política?

Wadih: Esse cenário de criminalização da política, para o qual Joaquim Barbosa contribui imensamente, como todo processo ideológico, ele acaba turvando nossa vista, e vão se formando convicções sem conhecimento de causa. Eu confesso que, quando mais jovem, eu endossava esse tipo de coisa. De dizer que o Congresso é um mar de lama, de reacionários, que não fazem nada. Até mesmo respeitáveis nomes progressistas, como o ex-presidente Lula, ao usar a expressão “300 picaretas”, faziam isso. Esse tipo de visão traz consequências até hoje. Basta visitar o Congresso, a Câmara de Deputados, para verificar que ali se trabalha. Independemente dos problemas, ali se trabalha. As comissões trabalham freneticamente, estão sempre reunidas. O Congresso – a Câmara e o Senado – votam leis importantes, como essa que você acabou de se referir. Essas coisas tem de ser conhecidas. Outro dia fui interpelado por alguém que disse ser um absurdo que os deputados tivessem muitos assessores. Hoje em dia, o Congresso, para se afirmar, até diante do Poder Executivo, ele tem que ter capacidade técnica. O legislativo lida hoje com assuntos que não lidava há 40 anos, ações extremamente complexas, a vida está cada vez mais complexa.

Aí eles começam a criticar os deputados porque eles passam o final de semana em seus estados. Ora, isso pode ser um viés democrático. Eles vêm para seus estados de origem para conversar com o eleitor. Se ele não vem, é porque fica encastelado em Brasília, esquece seus eleitores, sem vem estão gastando dinheiro público, passando o final de semana na praia, em seus estados de origem.

Estão são distorções que são decorrentes desse viés ideológico e autoritário que tem por trás da criminalização da política.

Em relação ao ministro do Joaquim Barbosa, um presidente de um poder, ele tem uma esfera de atuação institucional que é normal. Agora, polemizar, falar sobre tudo, como faz o ministro, deslustrando os outros poderes, sobretudo no exterior, não sei em que isso contribui para a democracia. O ministro Joaquim Barbosa tem um viés autoritário muito intenso. Acho que os nossos ministros do STF tem uma postura midiática que não vemos em outros países. Você não vê ministro dando entrevista toda hora. Muitas vezes falando temas que ainda serão julgados. Aliás, isso aconteceu na Ação Penal 470. Manifestaram-se previamente acerca do processo. Praticamente antecipando o seu entendimento sobre a matéria.

Cafezinho: Isso é contra o Código de Ética da Magistratura, não?

Wadih: Mas parece que aqui no Brasil, o Supremo Tribunal Federal está acima do Código de Ética.

Cafezinho: Durante esses debates sobre o STF, eu acabei lendo e relendo várias vezes a Constituição Brasileira e sempre parava naquele capítulo sobre o magistrado: a ele é vedado exercer qualquer atividade político-partidária.

Wadih: O presidente do STF tem de exercer o poder que a democracia lhe outorga com moderação, recato e discrição. E isso o ministro Joaquim Barbosa não faz.

O Joaquim Barbosa, quando aborda a questão política, fala mal, de forma autoritária, com deboche, de forma ultrajante.

Como o poder judiciário é um poder não eleito pelo povo, isso faz com que ele fale e tudo fique por isso mesmo. Que sanções podem ser aplicadas ao ministro Joaquim Barbosa, que não fosse o impeachment?

E quanto mais ele fala, mais admiração ele ganha, por mais barbaridades que ele fale, mais admiração ele ganha de alguns setores da sociedade brasileira. Mas mesmo esses setores começam a prestar mais atenção, de forma crítica, ao comportamento do ministro Joaquim Barbosa.

Eu acho que Joaquim Barbosa não faz bem ao Poder Judiciário brasileiro.

Cafezinho: O que você acha do ministro Joaquim Barbosa figurar como candidato nas pesquisas de intenção de voto para presidente da república?

Wadih: Ele não pediu para figurar como candidato. Ele é colocado nessas listas. Mas é colocado a partir de sua atuação na Ação Penal 470.

Eu acho que o ministro Joaquim Barbosa fala de forma excessiva, mesmo sendo chefe de um poder. Emite opiniões em tom desrespeitoso, com menoscabo a outras pessoas, sobretudo a seus críticos. A forma como trata jornalistas e advogados… Ele sai de seu pedestal institucional e desce para o bate-boca que não é próprio a um chefe do poder judiciário.

Cafezinho: Eu fui jantar na semana passada com o professor Wanderley Guilherme, e a gente conversava sobre o STF, sobre a arrogância de alguns ministros. Ele me falava que o problema era aquela “capa preta”. O sujeito põe aquela capa e se transforma. Às vezes é uma pessoa simples, de posições progressistas, e aí bota aquela capa e vira outra pessoa, transforma-se.
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Wadih: É óbvio que é uma simbologia que o professor Wanderley Guilherme está usando, mas que tem raízes na sociologia do poder judiciário brasileiro, e na história do poder judiciário brasileiro.

Em nenhum lugar do mundo, que eu saiba, existem essas designações que existem aqui para os juízes brasileiros: desembargador e ministro. Lá fora são apenas juízes: juiz da suprema corte, juiz do tribunal constitucional. Aqui são designações nobiliárquicas. Para você ter uma ideia, a Constituição, ela fala dos desembargadores apenas nos tribunais de justiça. Mas hoje todos os tribunais, não apenas os tribunais de justiça – tribunais regionais do trabalho, tribunal regionais federais – os regimentos internos desses tribunais foram alterados para eles se auto-designarem desembargadores. Há um apego ao formalismo, a atavismos que remontam ao monarquismo. O poder judiciário é o mais monárquico dos poderes. Esse gostar de ser chamado de desembargador, de ministro… Por que ministro? Desembargador tem origem exatamente no império português. Era o que fazia os desembargos no paço. E daí passou a ter um sentido nobiliárquico.

O poder judiciário brasileiro, sobretudo os tribunais regionais, eles são perpassados por esse viés autoritário, por esses atavismos.

Cafezinho: Aristocratismo…

Wadih: Total.

Cafezinho: Podemos falar um pouco da Comissão da Verdade, já que você é presidente da Comissão da Verdade do Estado do Rio. Tem um assunto que a gente tem discutido no Barão de Itararé. Que é discutir a participação dos empresários de mídia no processo de golpe de Estado e manutenção do regime militar. Você acha que alguma comissão da verdade pode enveredar por esta seara?

Wadih: Devia. A Comissão Nacional da Verdade. E não no sentido de demonstrar que nossa mídia é autoritária… o nome é Comissão da Verdade. Isso faz parte da história do Brasil. A chamada grande mídia – aliás a própria Rede Globo outro dia fez uma mea-culpa… Acontece que aqui no Brasil elegem-se temas que viram tabus. O simples fato de você debater o tema já gera um estigma. Se eu quero debater o tema da discriminalização do aborto, eu automaticamente sou a favor do aborto. Se eu quero debater uma “Ley de Medios”…. posso até votar depois contra a “Ley de Medios”, mas o simples fato de querer debater, já sou taxado de favorável à censura. Se quero debater a discriminalização das drogas, automaticamente sou tachado de maconheiro.

A democracia brasileira tem sérios déficits, ela ainda não está completamente consolidada. É uma democracia ainda intimidada e com nichos autoritários. Não pode haver limitação ao debate. Nesse ponto, eu sou voltairiano. Eu posso ser radicalmente contra aquilo que você está dizendo, mas lutarei até a morte pelo direito de você dizer.

A ditadura não foi só uma quartelada. Há fatores do contexto mundial, do contexto de guerra fria, há fatores internos, entre os quais o apoio de grandes grupos de mídia.

Cafezinho: Eles promoveram uma inversão de valores. Quando o golpe se dá, eles fazem uma propaganda massiva de que a democracia tinha sido restaurada. E com isso conseguem o apoio de setores importantes da socidade: a comunidade jurídica, setores esclarecidos.

Wadih: Nós mesmos. A OAB apoiou o golpe. A CNBB apoiou. O dr.Sobral Pinto apoiou. Depois quando ele viu o que era, ele voltou atrás. Alguém vai deslustrar a história do Sobral Pinto?

Teve apoio de um contingente da população. Apoio financeiro e jurídico dos EUA. Teve apoio empresarial. Foi um movimento.

Tem um outro lado, que é importante resgatar o papel dos jornalistas que resistiram. Que mesmo trabalhando nesses veículos, resistiram.

Houve um papel decisivo dos meios de comunicação, a favor do golpe. Faltam inclusive trabalhos acadêmicos sobre isso.

O apoio dos jornais à ditadura tem um fator ainda mais grave: não foi apenas o apoio ao golpe. Afinal, eles poderiam alegar que também foram enganados pelos militares. Mas não. Eles deram sustentação ao golpe e chancelaram as versões do governo sobre as mortes dos presos políticos. Não foi só um apoio ideológico num mundo dividido pela guerra fria.

Alguns que apoiaram o golpe, depois que viram o que eram, como o Dr.Sobral Pinto, a OAB, a CNBB, os bispos, imediatamente passaram para a oposição, passaram a denunciar as arbitrariedades do regime. Agora, a imprensa, o papel dela é mais profundo. Ela vai dar sustentação ao regime até o fim da ditadura.

Cafezinho: Eu acompanhei o papel da OAB nas manifestações de junho, prestando auxílio jurídico a manifestantes presos. Um dos gritos mais constantes em todas as manifestações de junho, sobretudo nas grandes cidades, era aquele “a verdade é dura, a rede globo apoiou a ditadura.”

Não aconteceram ainda análises sociológicas sobre esse viés das manifestações. Eu arrisquei algumas coisas. A maioria dos que cantavam nem viveram a ditadura, então porque isso veio à tôna? Eu acho que há uma associação da Globo a toda a grande mídia, como se a Globo fosse a própria grande mídia. Isso é vontade de fazer um resgate histórico das responsabiliades da grande mídia em relação aos atrasos dos quais ainda somos vítimas…

Wadih: Existe mesmo essa ânsia.

Cafezinho: Mas quando as pessoas começam a debater isso, a própria mídia abafa esse debate. Diz que as ruas discutiram outras coisas, não isso.

Wadih: Daí entra a necessidade da chamada democratização dos meios de comunicação. Acho que todos os setores da sociedade brasileira, tem de ser banhados pela democracia. Não pode haver nenhum setor da sociedade de fora desse processo. O poder judiciário, por exemplo, tem uma zona de sombra autoritária muito acentuada. A grande mídia a mesma coisa.

Se todos combatemos os monopólios, isso tem que valer para todos os setores.

Cafezinho: Há muitas arbitrariedades na mídia brasileira. Dentro da lei de mídia debatida pelos movimentos sociasi, há um ponto que é bem popular, que angaria bastante apoio junto ao povo. É sobre o fato da Globo impor o horário dos jogos de futebol de acordo com sua própria grade de programação. Os jogos tem de começar depois das noevelas das 8, depois do Big Brother, sendo exibidos muito tarde para a maioria dos trabalhadores, que têm de acordar cedo.

Na Argentina, a Ley dos Medios normatizou o horário dos jogos e liberou o sinal dos jogos para o canal publico.

Wadih: Não sei porque essa questão não está sendo debatida no Congresso Nacional.

Cafezinho: Porque o Congresso é intimidado pela mídia.

Wadih: Não deveria, o Congresso é um poder.

Cafezinho: É, mas eles são os próprios, os caciques, Henrique Alves, Sarney, todos são donos de concessões de TV e rádio.

Wadih: O que mostra a necessidade premente da reforma política, que esse congresso não vai fazer. Nisso aí, a gente não pode virar as costas para as mazelas do nosso sistema político. O Congresso Nacional tem déficit de representação, déficit de legitimidade, todas as reformas políticas propostas são voltadas para a rejeição daqueles que não estão lá. Então por isso mesmo eu acho que houve uma precipitação, até mesmo da OAB, ao criticar a presidente Dilma quando ela lançou a proposta de constituinte exclusiva, parcial, com vistas a uma reforma política. Eu defendo.

Apareceu logo um punhado de juristas dizendo que isso agredia a teoria constitucional. A Constituição não é Bíblia. É a vida que a move. As leis não nascem apenas do talento de juristas geniais, elas decorrem das necessidades sociais. Simplesmente liquidaram a questão, por ignorância jurídica. Tanto que há movimentos, de juventude, sociais, que querem retomar o debate da constituinte exclusiva. Porque entendem que o Congresso como está não vai fazer uma reforma política. Aí voltamos ao moralismo. Todos querem combater a corrupção, mas quando se quer atacar as causas da corrupção, não se faz nada.

Cafezinho: Os grandes meios de comunicação também fizeram campanha violentíssima contra a constituinte exclusiva.

Wadih: A presidente recuou. Não deveria ter recuado.

Cafezinho: O próprio Congresso também rejeitou, e ela ficou acuada, isolada politicamente.

Wadih: Há uma série de questões que poderiam debatidas, com mais independência. Mas não se quer isso.

Só uma coisa. A nossa Constituição é muito boa na parte de direitos humanos. Temos que tomar cuidado com essa Constituiente, para não jogar a água fora como bebê dentro. Mas uma constituinte exclusiva é importante para dar uma resposta aos anseios das ruas, que é qualificar a nossa representação política, que hoje é de baixa qualidade. Temos setores políticos que só existem para vender tempo de televisão. Mas não se debate isso. Querem ficar no escândalo, no mensalão.

 

Wadih

Redação

9 Comentários

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  1. A revelia do bom jornalismo,

    A revelia do bom jornalismo, e sem confirmar os fatos a contendo,  o Azenha publica no blog que o Ali Kamel já fez um filme porno.

    Ai, se não bastasse a ausência de profissionalismo do Azenha em pubicar algo sem ter certeza, o fanfarrão chamado Miguel do Rosário re-publica isso.

    Oras, dizer que o cidadão que foi difamado e injuriado os processa por perseguição é desonestidade intelectual e uma tentativa de desvirtuar o erro que ambos cometeram.

    Qualquer cidadão que fosse falsamente indicado como ator de filme porno, a um número indeterminado de pessoas, com toda certeza faria o mesmo.

    Precisamos sem dúvida de regulação na internet e na criação de tipos penais próprios. Acredito que alguns blogueiros vem passando dos limites aceitáveia ao acusar pessoas sem a devida confirmação.

    Bom, o Azenha deveria ser novamente processado pela Sherazade por acusa-la de estar recebendo salário do Tribunal de Justiça da Paraiba sem trabalhar. Oras, qualquer jornalista que se preze teria de consultar primeiro o Tribunal em busca da situação jurídica da jornalista.

    Ao contrário disso, pescou a noneação dela por meio do Diário Oficial da PB no google e a acusou falsamente do cometimento de crime, quando na verdade a citada jornalista estava de liçença não remunerada na qualidade de servidora pública, em consonancia com o que prevê a CF, as leis estaduais e as resoluções dos Tribunais.

    Que jornalismo é esse ? 

    1. Mais um indignado seletivo

      E a tua mídia amiga não cansa de fazer isso? Vens aqui defender os teus sabujos, esquecendo das barbaridades que todos os jornalõesinhos e tevezoninhas fazem no dia a dia desse país. Hipocrisia a gente também vê por aqui. Tchau!

  2. Faltou perguntar se ele se

    Faltou perguntar se ele se sente co-responsável pelo caos instaurado por essas manifestações facistas.

    Afinal, a OAB/RJ mantinha um batalhão de advogados à disposição, de plantão nas delegacias, para defender essa turma.

  3. “São recrutados,

    “São recrutados, majoritariamente, na classe média (alta). E isso, sem sombra de dúvida, acaba se espelhando em suas decisões.”

    Já foi o tempo. Talvez tenha permanecido o “habitus”. Mas atualmente os excelentissimos senhores doutores cavalheiros juízes são recrutados nas classes mais baixas, o que pode contribuir para um conservadorismo maior que o dos conservadores. (“Corpo e Alma da Magistratura”, Werneck Vianna e outros)

    “O judiciário deveria ser o poder mais próximo da sabedoria, porque o juiz tem um poder às vezes quase divino.”

    O que dizer… crendice de operador do direito. Faz parte do discurso legitimador das profisões jurídicas – e cada profissão tem o seu – essa de demiurgo.

    “como aquele caso seria um julgamento justo. Estabelecido isso, eu adequava isso à lei, à jurisprudência. Agora a maior parte dos juízes não age dessa forma.”

    Todos fazem isso, sim. A lei é desculpa, pretexto, discurso legitimador.

    “Uma coisa é a esfera privada, um vizinho meu que me xinga, me agride, outra coisa é quando o objetivo da crítica é uma autoridade, um governamente.”

    Não compartilho dessa perspectiva “mais abrangente” acerca do dano moral. Para mim civilidade é civilidade. Essa visão é filha da mesma ideologia de se criminalizar a esferas pública; leitura “à brasileira” da regra de aristóteles sehundo a qual deve-se tratar desigualmente os desiguais. No brasil isso serve para aumentar desigualdades, e não para equipará-las. No caso do Ali Kamel foi exatamente isso: a honra dele foi considerada “mais sensível”.

    “O juiz não foi corrompido ou coagido, mas ele optou pela solução mais autoritária.”

    Foi condicionado desde os bancos escolares a optar pela “solução mais autoritária”, caso contrário não é promovido. Em casos que chamam mais atenção são coagidos, sim, porque não têm formação para resistir à pressão.

    “já começam a ser aplicados em decisões de tribunais intermediários: a valorização de indícios, não da prova; a dispensa de provas para condenar. Isso é algo que a vida é que vai mostrar.”

    Com certeza vai mostrar; é o padrão histórico; sobretudo contra os “clientes preferenciais”.

    “Por isso muitos juristas, e modestos advogados como eu, defendemos a criação de um Tribunal Constitucional Exclusivo, que não é esse STF; com mandato, não mandato vitalício.”

    Acabar com o recurso extraordinário já seria um bom começo. Tá na constituição só por causa da teimosia. Todos viram no que deu. Hoje ninguém assume a paternidade da criança.

    “Esse gostar de ser chamado de desembargador, de ministro… Por que ministro?”

    Eu chamo de “excelentissimos senhores doutores cavalheiros juízes”. Sobretudo em um churrasco: “excelentissimo senhor doutor cavalheiro juíz, vai uma gelada aí?!”
     

  4. Ótima entrevista! 
    Essa

    Ótima entrevista! 

    Essa perseguição de Ali Kamel aos blogueiros aliada ao fato do Judiciário Fluminense funcionar como departamento Jurídico da TV Globo já deu… Ou a Globo assume a folha dos servidores ou então fecha. O que não dá é para o contribuinte continuar pagando os salários de funcionários de empresa privada, fazendo papel de servidores públicos. Aliás, o mesmo vale para o MP.

    1. Litigante de má fé.

      Cristina, dias atrás estive matutando sobre essa coisa praticada pelo Ali Kamel que, se noutro pais sofreria pesadas multas por litigância de má fé, por aqui sangra suas vítimas.  É litigância de má fé pq são ações sem pé nem cabeça e que agridem a liberdade de expressão, imagina só se condenar um jornalistas pq o mesmo fez referência a um ator pornô e vai que um Ali Kamel vestiu a carapuça e mandou ver. Tenha a santa paciência. Há coisas que no Brasil não pegam: A litigãncia de má fé e o crime de enriquecimento ilicito, esse então faz é atenuar a pena do reú, que o diga um certo DD, Cachoeira…

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